sábado, 29 de dezembro de 2018

A “invasão” catalã da catedral de Madrid

Texto de António Marujo, em Madrid


O cardeal Carlos Osoro (primeiro de branco, à esquerda), junto dos irmãos de Taizé, 
neste sábado, na catedral de Almudena

Na igreja de Almudena, a catedral católica de Madrid, canta-se em catalão: “L’ajuda em vindrà del Senyor, del Senyor el nostre Deu...” É uma invasão pacífica, em tempos de tensões nacionalistas que têm atravessado a Espanha, nos últimos anos. Mas o canto, ao concluir a oração do meio-dia deste sábado, 29 de Dezembro, eleva-se como traço de reconciliação e hospitalidade entre diferentes culturas, nações, povos e estados. 
Na catedral estão alguns milhares de jovens, russos e ucranianos, ingleses e irlandeses, polacos e alemães, gente que veio de toda a Europa para o 41º encontro europeu de jovens da peregrinação de confiança sobre a Terra, promovida pela comunidade monástica de Taizé, que reúne monges católicos e protestantes. E também o cardeal Carlos Osoro, actual arcebispo de Madrid, que canta igualmente em catalão. 
Hospitalidade. Essa é uma palavra-chave para este encontro, o primeiro na capital espanhola, a única das grandes capitais europeias que ainda não tinha acolhido esta iniciativa. “A hospitalidade aproxima-nos, além das diferenças e mesmo das divisões que existem, entre cristãos, entre religiões, entre crentes e não crentes, entre povos, entre opções de vida ou opiniões políticas”, afirmou o irmão Alois, o prior de Taizé, na meditação durante a oração de sexta-feira à noite, no início do encontro. “É certo que a hospitalidade não cola essas divisões, mas faz-nos observá-las sob uma outra luz: torna-nos aptos a escutar e ao diálogo”, acrescentou. 
Num dos pavilhões da Ifema (Feira Internacional de Madrid), perante mais de vinte mil jovens de toda a Europa e da capital espanhola, o irmão Alois acrescenta: “A hospitalidade é um valor fundamental para todo o ser humano. Todos nós viemos à vida como pequenos bebés frágeis que precisaram de ser acolhidos para viver, e esta experiência fundamental marca-nos até ao último suspiro.”
É também a hospitalidade que se pratica na igreja de san Antón, no centro de Madrid. Aberta 24 horas por dia, a igreja é animada pelos Mensajeros de la Paz, uma organização criada pelo padre Ángel García Rodríguez. A ela recorrem pessoas sem-abrigo, sem trabalho e sem dinheiro para viver. De manhã cedo, os bancos da igreja transformam-se em mesas de pequeno-almoço. Durante o resto do dia, há quem vá buscar roupa, quem consulte um médico, quem peça o apoio de um advogado, quem passe apenas para beber um café ou uma bebida quente, quem ponha o sono em dia ou se aqueça debaixo de um cobertor. “Acompanhamos estas pessoas porque é preciso fazer uma igreja mais aberta”, diz Pedro Blasco, um dos responsáveis pelos mais de 200 voluntários que ali prestam serviço diariamente, 24 horas por dia, 365 dias por ano.

A hospitalidade é o que falta aos cristãos do Médio Oriente, que se sentem perseguidos e mal queridos nos seu próprios países. Numa das várias sessões organizadas no âmbito do encontro, jovens cristãos do Egipto, da Síria e outros países falaram dos seus quotidianos sofridos e cantaram, em árabe, copta, grego e siríaco cantos litúrgicos dos cristãos das diferentes igrejas presentes naquela região: “Somos cerca de 18 milhões de cristãos no Egipto, num país com 100 milhões de habitantes. Somos muitos, mas somos uma minoria e há pessoas que não nos vêem com bons olhos e por isso há ataques” como o da última sexta-feira. Apesar disso, a mais nova do grupo, Sandra, 17 anos, dizia, em árabe: “Venho falar do amor e da misericórdia. Somos a mesma humanidade a viver num mundo que é uma aldeia, por isso devemos aprender a viver juntos.”
Na oração de sábado à noite, de novo com milhares de jovens a escutá-lo, o irmão Alois falou da confiança, outra palavra-chave de Taizé e deste encontro: “A confiança não é cega, nem ingénua ou sonhadora. Sabe discernir o bem e o mal. É, sim, a certeza de que, independentemente da situação, mesmo na escuridão, se pode abrir um caminho de vida. A confiança não é passiva. É uma força que nos impele em todas as situações a dar mais um passo para viver mais plenamente e para ajudar os outros a viver de forma mais plena. Estimula a imaginação, dá a coragem e o gosto de arriscar.”
E, ligando a ideia da confiança à da hospitalidade, acrescentou: “Mas todos conhecemos, também, o que significa não ter confiança. A fadiga, os fracassos, a amizade traída, a violência, as catástrofes naturais, a doença, tudo isso corrói a confiança, que é muito vulnerável. Para que a confiança nasça e renasça em nós, precisamos de alguém que confie em nós, alguém que nos acolha, que nos ofereça a sua hospitalidade.”

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