Desigualdade de tratamento
Carta de um leitor do Público:
"Como cidadão português e como católico, gostaria de reflectir um pouco sobre a forma como o Governo de Santana Lopes e Paulo Portas e respectivos partidos trataram as mortes recentes das grandes figuras nacionais, Sophia de Mello Breyner Andresen e Maria de Lourdes Pintasilgo face à atitude actual de luto nacional e de interrupção da campanha eleitoral após a morte da irmã Lúcia. Parece-me e a muitos outros portugueses- católicos e não católicos - que não houve uma igualdade de tratamento do Governo e dos respectivos partidos nele representados perante a morte destas três personalidades católicas, de dimensão nacional e internacional, com vidas dedicadas, embora com formas e expressões diferentes, aos mais altos valores espirituais.
Uma foi talvez a nossa maior poetisa de sempre, candidata ao Prémio Nobel da Literatura e uma cidadã a todos os títulos exemplar; a segunda foi uma mulher, integrada numa ordem religiosa, que dedicou a sua vida às mais elevadas causas e trouxe à política a marca do seu ideal cristão, chegando a ser a única primeira-ministra de Portugal; a irmã Lúcia foi um exemplo de vida abnegada e simples movida por uma enorme fé em fenómenos ocorridos em Fátima que nos merecem o maior respeito e nos interrogam o mais profundo da nossa alma como católicos, embora não sendo dogmas de fé.
Sabe-se que não houve luto nacional nem funerais de Estado aquando da morte das duas primeiras e esta disparidade de tratamento faz-nos pensar nos valores que nos orientam, na qualidade dos nossos políticos e no atraso civilizacional da nossa sociedade. Num país em que o nível de conhecimento geral é extremamente baixo, em que há um divórcio antigo e infelizmente sempre reforçado entre conhecimento e democracia, fazer este tipo de segregação só pode contribuir para cimentar um clima de hipocrisia e de obscurantismo que em definitivo já devia, há muito, ter sido banido.
A igualdade de tratamento nos três casos era no mínimo o que se deveria exigir dos poderes políticos de um país desenvolvido. Não termos sido capazes de o fazer só veio contribuir para manter o nosso baixo índice de cidadania e de liberdade de escolha, fragilizando a nossa democracia; democracia que afinalparece ter sido apenas "oferecida" generosamente a uma população com um baixíssimo grau de instrução e de literacia. Se à irmã Lúcia é prestado o tributo que, como figura nacional e internacional, de um certo âmbito naturalmente, lhe é devido, então que razões levaram a subvalorizar as outras duas personalidades?
A sociedade portuguesa só evoluirá quando, como diz José Gil, o direito à cultura e ao conhecimento chegar ao sentimento profundo da população; quando forem rejeitados os apelos à emoção primária e ao espectáculo e a este constante teatro da reverência dos nossos políticos." 17 de Fev. 2005
José Carlos Palha