domingo, 29 de junho de 2014

Fugas do mundo nas sendas de Deus

Na Paulinas Editora, foi publicado o livro Lugares do Infinito – um guia de mosteiros e conventos para reencontrar o mundo, da autoria do fotógrafo Daniel Rocha e de mim próprio. O livro recolhe um conjunto de reportagens que publicámos em 21012, no Público/Fugas, e que é introduzido por um texto intitulado Fugas do mundo nas sendas de Deus, que a seguir se reproduz.




A fuga mundi, fuga do mundo, era uma das ideias do monaquismo cristão no seu início. Talvez os monges medievais não estivessem tão longe da busca contemporânea de lugares de tranquilidade, lugares mágicos de reencontro consigo mesmo.

"Todos os hóspedes que se apresentam [no mosteiro] sejam recebidos como se fosse o próprio Cristo, pois Ele dirá [um dia]: 'Fui hóspede e recebestes-me.'"
Tudo começou assim, com Bento de Núrsia, monge que viveu entre cerca de 490 e 547, na região da Umbria italiana (onde, sete séculos depois, nasceria Francisco de Assis).
Eram tempos em que o cristianismo, proclamado por Constantino como religião de Estado, esmorecia nas suas práticas e relaxava a exigência de vida. Muitos crentes começaram, então, a retirar-se para lugares de silêncio e solidão, em busca de uma vida mais ascética e purificada.
Bento de Núrsia foi um deles. Decidiu viver numa gruta de montanha em Subiaco, a leste de Roma. Pelo ano de 530, mudou para Monte Cassino. Tomou um texto de uma regra já existente, a Regra do Mestre.
Abreviando-a, sublinhou a perspectiva comunitária do monaquismo, aliando ao mesmo tempo a oração, a reflexão intelectual e o trabalho manual - surge o lema ora et labora (reza e trabalha). A regra estabelece também formas de rezar, normas de obediência, regras sobre a propriedade ou o modo de acolher qualquer hóspede que chegue.
Com o texto, Bento tornou-se o iniciador do monaquismo cristão como o conhecemos. Surgiu uma autêntica rede de mosteiros beneditinos, decisiva na construção da identidade europeia medieval – a ponto de, em 1964, o Papa Paulo VI proclamar São Bento padroeiro da Europa, com a festa litúrgica assinalada a 11 de Julho.
A ideia do acolhimento de quem passava era essencial na vida dos monges. "A cada [hóspede] sejam prestadas as honras convenientes, de modo particular aos 'domésticos da fé' [clérigos e monges] e aos peregrinos", acrescentava a regra, que dispunha depois os pormenores práticos.

Diferenças e liberdade: Pedro e Paulo; Sócrates, Jesus e o Papa Francisco

Crónicas


Pedro e Paulo

No comentário à liturgia católica de hoje, que assinala a festa de São Pedro e São Paulo, Vítor Gonçalves escreve, na Voz da Verdade, sobre as diferenças entre os dois e o significado de ambos serem festejados em conjunto. “As diferenças colocadas ao serviço de Deus, e não na exaltação exclusiva de uma perspectiva, tornam-se fecundas e permitem o crescimento”, escreve, sob o título Juntos e tão diferentes:

Celebrar juntos esta festa orienta-nos para o dinamismo comunitário de Deus. As tentações do sectarismo, do “clube de simpatizantes”, da exaltação de uma ideia ou movimento farão sempre parte desta construção a que chamamos Igreja. Jesus já o adivinhava ao pedir repetidas vezes ao Pai (Jo 17) que nos ajudasse a fazer unidade. E a unidade faz-se com a comunhão das diferenças e não com a uniformização (sempre forçada) das pessoas. Como essa unidade é Jesus quem a realiza, é fundamental tudo orientar para o encontro com Ele, tudo realizar com o sinal novo do seu amor, e tudo colocar ao serviço da comunhão que só com Ele é possível.
(texto integral para ler aqui)


Na sua crónica semanal no DN, Anselmo Borges recorda as figuras de Sócrates e Jesus, para falar sobre Os perigos de um homem livre, referindo-se à figura do Papa Francisco:
é necessário distinguir bem entre o dar a própria vida pela dignidade, a liberdade e a verdade e o matar outros, incluindo inocentes, na convicção de que se possui a verdade e morrendo. No primeiro caso, temos os mártires da verdade; no segundo, os terroristas da verdade. De qualquer modo, percebe-se os perigos, para o bem e para o mal, de quem é livre a ponto de não temer a morte.
(texto integral para ler aqui)

terça-feira, 24 de junho de 2014

Um debate britânico (e europeu): Qual o lugar dos muçulmanos nas sociedades ocidentais?



Mulheres muçulmanas envoltas em bandeiras britânicas (foto reproduzida daqui)


Quando a participação cívica dos muçulmanos na sociedade civil levanta suspeitas de islamização, o que está em causa: a cidadania  dos muçulmanos ou uma democracia que diferencia cidadanias plenas e condicionais? Que acolhimento das práticas religiosas dos alunos, alimentares e rituais, devem providenciar as escolas públicas? Que reconhecimento da realidade multicultural das sociedades deve ser reflectida nos currículos escolares? Os “valores nacionais” constituem carta de admissão assimilativa ou resultam antes de histórias entrelaçadas forjadas em comum e em aberto? A inclusão política pode avançar sem inclusão sócio-económica efectiva?
Estas são algumas das questões de fundo presentes no debate que, desde há dias, atravessa a sociedade britânica, por causa de uma alegada Operação Cavalo de Tróia islamita para ganhar o controlo das escolas de Birmingham e “islamizar” os currículos escolares, através do envolvimento de pais nas direcções das escolas.
O alegado plano veio a público num artigo do The Sunday Times de 2 de Março, tendo vindo a ganhar maior dimensão como “plano” através de novos artigos incluindo do Telegraph na semana seguinte. (Cronologias sobre o desenvolvimento do caso podem ser encontradas aqui e aqui; uma outra que descreve e interpreta criticamente o que se tem passado pode ser lida aqui).
Apesar de se terem levantado muitas suspeitas sobre a veracidade da própria carta, e portanto, do suposto “plano” , o ministro da Educação, Michael Gove – antigo jornalista, conhecido como um neocon e que depois dos atentados de 7 de Julho de 2005 no Metro de Londres escreveu um livro sobre o perigo da islamização que incluía um capítulo intitulado Cavalo de Tróia (ver este texto sobre a questão– deu ordens à inspecção nacional escolar (Ofsted),  para investigar 21 escolas de Birmingham com maiorias muçulmanas.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

O pecado original e o Papa como fazedor de pontes

Crónicas

Na sua crónica deste Domingo, no Público, frei Bento Domingues escreve sobre Um Pecado Muito Original:

Perguntaram-me na Feira do Livro: será verdade que alguns biblistas católicos andam empenhados em dar cabo do pecado original? Respondi que já não era sem tempo, mas que eu não pertencia a essa tribo e que o melhor seria ir bater a outra porta. Após uns dedos de conversa, insistiram em conhecer a minha opinião! (...)
O P. Carreira das Neves é um biblista infatigável. Ainda estava quente o seu recente livro sobre Lutero (Ed. Presença) e já nos presenteava com a Condição Humana sem Pecado Original (Ed. Franciscana). Passa em revista algumas das referências bíblicas mais congeladas, durante séculos, por leituras historicisantes (Cf. Gen.1-3;Sl.51,7; Rom 5, 12-16) e constrói uma espécie de antologia, exegética e teológica, sobre o chamado pecado original. Para mim, em não existir como se existisse, de modo omnipresente e desde sempre, consiste a sua grande originalidade. 
(texto completo disponível aqui)


Sexta-feira, no Correio da Manhã, Fernando Calado Rodrigues escreve sobre o Papa Francisco, como O fazedor de pontes:

Francisco tem-se destacado como Sumo Pontífice, ou seja, altíssimo mediador dessa reconciliação que não é bem vista pelos fundamentalistas de todas as três religiões, presentes também entre os católicos. Basta consultar a Internet para tropeçar em inúmeras críticas à atitude tolerante e conciliadora do Papa. Contrariamente ao que se possa pensar, não quer, contudo, uma uniformização das diferentes e peculiares identidades de cada pessoa, crença ou cultura, o que ele denomina de má globalização. Propõe, isso sim, uma sadia globalização, em que as especificidades de cada um não ponham em causa o bom entendimento entre todos. Tal como acontece no seu relacionamento com os seus amigos judeu e muçulmano.
(texto completo disponível aqui)

sábado, 21 de junho de 2014

Celibato e liberdade, missa e eucaristia

Crónicas

Na sua crónica no DN deste sábado, Anselmo Borges escreve sobre O celibato não é dogma:

As razões para impor o celibato obrigatório foram múltiplas: imitar os monges e o seu voto de castidade, não dispersar os bens eclesiásticos, evitar o nepotismo, a desconfiança em relação ao corpo, ao sexo e ao prazer, manter os padres e os bispos mais disponíveis para o ministério. Determinante foi a reinterpretação da Eucaristia, que era um banquete em memória da Última Ceia e dos banquetes de Jesus enquanto experiência da presença do Reino de Deus, como sacrifício. Esta concepção sacrificial pôs duas questões cruciais e desastrosas: por um lado, é contraditória com a revelação de que Deus é Amor incondicional, Pai querido, Mãe querida, que não precisa de sacrifícios, mas de misericórdia, e, por outro, impôs o sacerdote, embora a palavra hiereus (sacerdote), no Novo Testamento, tenha sido evitada, e a consequente pureza ritual, com o celibato. As mulheres, evidentemente, dada a impureza ritual, ficavam definitivamente excluídas.
(texto integral disponível aqui)


No comentário às leituras da liturgia católica deste domingo, publicado na Voz da Verdade, Vítor Gonçalves analisa como se é difícil passar Da missa à Eucaristia:

A festa do “Corpus Christi” que hoje celebramos é oportunidade para uma maior vivência “eucarística” de cada um de nós e das nossas comunidades. Não seria importante reflectir sobre o que faz aproximar ou afastar os cristãos das nossas eucaristias? A iniciação cristã das crianças e da catequese em geral como desperta e fortalece a alegria deste encontro que Jesus realiza para nós e connosco? O Concílio Vaticano II disse que a eucaristia “é a fonte e o centro de toda a vida cristã”: não haverá algum trabalho, com partilha, diálogo, criatividade, e ousadia, que é importante fazer? A vida que Jesus nos dá na Eucaristia como transforma a nossa vida?
(texto integral disponível aqui)



sexta-feira, 20 de junho de 2014

Indissolubilidade: um beco sem saída? Entrevista com Andrea Grillo


A aproximação do Sínodo sobre a família torna mais vivo o debate sobre a questão dos divorciados em segunda união e, mais em geral, a da indissolubilidade do matrimônio. Para animar ainda mais a discussão, um livro foi recém-publicado pela editora Cittadella, de autoria de Andrea Grillo, liturgista leigo que, de 1996 a 2000, fez parte da comissão daConferência Episcopal Italiana (CEI) encarregada de traduzir e adaptar o novo rito do sacramento do matrimônio e que atualmente é professor de teologia sacramental na Faculdade Teológica do Pontificio Ateneo S. Anselmo de Roma e de teologia no Instituto de Liturgia Pastoral de Pádua, além do Istituto Teologico Marchigiano de Ancona.
A reportagem é de Valerio Gigante, publicada na revista Adista Notizie, n. 22, 14-06-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto e foi publicada pela Newsletter do Instituto Humanitas Unisinos, do Brasil.

Indissolubile? Contributo al dibattito sui divorziati risposati [Indissolúvel? Contribuição para o debate sobre os divorciados recasados] (Cittadella, 2014, 90 páginas) parte das intuições expressadas na sua última entrevista pelo cardeal Carlo Maria Martini, aquela em que o arcebispo emérito de Milão falava dos 200 anos de atraso acumulados pela Igreja na sua relação com a modernidade, para depois entrar com decisão no debate suscitado pela conferência do cardeal Walter Kasper no consistório de fevereiro passado.
A proposta do cardeal alemão de um percurso penitencial para os divorciados em segunda união que possa permitir que essas pessoas voltem a se aproximar dos sacramentos é analisada por Grillo, que a acolhe para superá-la, ou seja, sugerindo à Igreja, além da readmissão dos divorciados depois de um período penitencial, também o pleno reconhecimento das segundas núpcias.
Proposta corajosa, antecipada de algum modo pelo próprio título do livro, que remete ao célebre texto do teólogo Hans KüngInfalível?, em que o que era contestado era o dogma da infalibilidade do papa. Aqui também, de alguma forma, também se trata de dogma. Não tanto da doutrina da indissolubilidade, que, em essência, Grillo aceita e não contesta, mas sim do modo pelo qual ela foi até agora, obstinada e "dogmaticamente", praticada, de modo a se tornar impermeável a qualquer reformulação. Porque, se a substância continua sendo a mesma, os modos pelos quais ela é comunicada pode ou, melhor, devem mudar em sintonia com os tempos e as necessidades históricas.
E como hoje, para os casais católicos, não é mais possível continuar propondo-impondo a teoria clássica da indissolubilidade, ou se buscam atalhos, como o dos processos de nulidade, ou a ficção de uma segunda união vivida em castidade perpétua, ou se aborda a questão com coragem.
Referindo-se à própria tradição da Igreja antiga, Grillo retoma a tese de um teólogo, Basilio Petrà, estudioso da ortodoxia: "A Igreja – propõe Grillo – poderia admitir, em circunstâncias determinadas e não como uma lei geral, que o reconhecimento da nova união não precisaria se fundamentar na 'inexistência original' da união anterior, mas poderia constatar a 'morte do vínculo', e assim descerrar o horizonte de um 'novo início' possível, vivível e reconhecível, também no plano da oficialidade eclesial. Tratar-se-ia, em substância, de unir 'radical' e 'pudico'. De deixar intacto o radical impulso profético à unidade, exigido pelo Evangelho, conjugando-o, porém, com um sadio e pudico realismo, devido à história e requerido também pelo bom senso".
Sobre os aspectos mais inovadores e controversos do seu texto, a revista Adista fez algumas perguntas ao autor, que propomos a seguir.

Eis a entrevista:

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Trindade, Médio Oriente e um diamante



Santíssima Trindade, vitral de Almada Negreiros 
na Igreja de Nossa Senhora de Fátima em Lisboa

Crónicas

Ponhamos a escrita em dia, relativamente às crónicas de imprensa das últimas duas semanas. A celebração cristã da Santíssima Trindade foi tema para a crónica de Vítor Gonçalves. Deus surpreendente é o título do texto na Voz da Verdade de 15 de Junho:

Apreciando o esforço intelectual que nos leva sempre mais perto do mistério (quando é busca humilde e aberta) creio que são os pintores, os poetas, os músicos, os artistas,… enfim, quem melhor nos aproxima deste “ver Deus como Ele é”, prometido por S. João (cf. 1 Jo 3, 2). Como não ficar maravilhado perante o ícone da Trindade de A. Rublev, os poemas de S. João da Cruz, ou as melodias de Hildegarda de Bingen? Há um dinamismo de alegria e de festa quando se fala da Trindade ou quando se procura representá-la, pois é esse o dinamismo de amor das Pessoas Divinas, como um abraço de amor em que se entrelaçam. Disse um dia Nietzche: “Só acreditaria num Deus que soubesse dançar!” 
(texto integral para ler aqui)

O mesmo tema, sob o título Poderemos viver juntos?, foi o ponto de partida para frei Bento Domingues, no Público de dia 15:

Jesus Cristo testemunhou, em expressões escandalosamente familiares, que Deus – limite de todos os conceitos - não é solidão. Quando Tertuliano cunhou a palavra trindade pretendia dizer que Deus é a misteriosa coincidência da máxima unidade na máxima diversidade, a insondável comunhão de relações pessoais de conhecimento e amor.
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Na semana anterior, frei Bento perguntava De que Espírito Somos?:
Nos Actos, não há clivagem entre o espiritual e o material, a vida interior e as relações sociais. O sinal mais inequívoco da presença actuante do Espírito Santo é a partilha dos bens espirituais e materiais. Nunca haverá boa partilha de uns sem a partilha dos outros. O Papa, arreliado com as histórias em torno do Banco do Vaticano, disse numa das Missas matinais, em Santa Marta, que S. Pedro não tinha conta bancária. 
(texto integral para ler aqui)

Nas duas últimas crónicas no DN, Anselmo Borges analisava ainda as declarações e consequências da viagem do Papa à Jordânia, Palestina e Israel. A 14 de Junho, escrevia, sobre Jerusalém e Roma:

O conflito do Médio Oriente é sobretudo político. Mas lá não haverá paz enquanto os membros das três religiões monoteístas, que se reclamam de Abraão, se não tornarem politicamente activos, impedindo o fanatismo religioso. Com base nos seus livros sagrados - Bíblia hebraica, Novo Testamento, Alcorão -, judeus, cristãos e muçulmanos devem reconhecer-se mutuamente e lutar a favor da paz. Esta é a mensagem de Roma para Jerusalém.
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Na semana anterior, sobre A entrevista de Francisco no avião, escrevia:
Sobre o encontro de amanhã, no Vaticano, de Abbas e Peres: trata-se de um dia de oração juntos, sendo preciso "negociar com honestidade, fraternidade, muita confiança". Sobre Jerusalém, a Igreja Católica já estabeleceu a sua posição, a partir do ponto de vista religioso: "A capital das três religiões. Uma cidade santa, de paz, de religião." Aqui, lembro o facto de, no acordo das Nações Unidas em 1947, para lá dos dois Estados soberanos, constar "a internacionalização de Jerusalém sob a administração das Nações Unidas".
(texto integral para ler aqui) 

No Correio da Manhã de dia 13, Fernando Calado Rodrigues escrevia sobre O diamante Taizé:
Mas este é, de facto, um local especial. Onde é possível um pastor protestante desempregado abeirar-se de um sacerdote católico paramentado e pedir-lhe que o abençoe para que Deus o ajude a encontrar emprego. Onde se vive e respira o acolhimento e a reconciliação. Onde o ritmo diário é marcado pelos sinos que convocam milhares de pessoas à oração na Igreja da Reconciliação, de manhã, ao meio da jornada e ao fim do dia.
(texto integral para ler aqui)