Mulheres muçulmanas envoltas em bandeiras britânicas (foto reproduzida daqui)
Quando a participação cívica dos
muçulmanos na sociedade civil levanta suspeitas de islamização, o que está em
causa: a cidadania dos muçulmanos ou uma
democracia que diferencia cidadanias plenas e condicionais? Que acolhimento das
práticas religiosas dos alunos, alimentares e rituais, devem providenciar as
escolas públicas? Que reconhecimento da realidade multicultural das sociedades
deve ser reflectida nos currículos escolares? Os “valores nacionais” constituem
carta de admissão assimilativa ou resultam antes de histórias entrelaçadas
forjadas em comum e em aberto? A inclusão política pode avançar sem inclusão
sócio-económica efectiva?
Estas são algumas das questões de
fundo presentes no debate que, desde há dias, atravessa a sociedade britânica,
por causa de uma alegada Operação Cavalo de Tróia islamita para ganhar o
controlo das escolas de Birmingham e “islamizar” os currículos escolares,
através do envolvimento de pais nas direcções das escolas.
O alegado plano veio a público num
artigo do The Sunday Times de 2 de
Março, tendo vindo a ganhar maior dimensão como “plano” através de novos
artigos incluindo do Telegraph na
semana seguinte. (Cronologias sobre o desenvolvimento do caso podem ser
encontradas aqui e aqui; uma outra que descreve e
interpreta criticamente o que se tem passado pode ser lida aqui).
Apesar de se terem levantado
muitas suspeitas sobre a veracidade da própria carta, e portanto, do suposto “plano” ,
o ministro da Educação, Michael Gove – antigo jornalista, conhecido como um neocon e que depois dos atentados de 7
de Julho de 2005 no Metro de Londres escreveu um livro sobre o perigo da
islamização que incluía um capítulo intitulado Cavalo de Tróia (ver este texto sobre a questão) – deu ordens à
inspecção nacional escolar (Ofsted), para investigar 21 escolas de Birmingham com
maiorias muçulmanas.
Estas escolas tinham sido inspeccionadas há
poucos meses e classificadas de excelente [“outstanding”], tendo sido ainda
reconhecido que, apesar das dificuldades do contexto sócio-económico em que
trabalham, tinham conseguido extraordinário sucesso na melhoria dos
resultados dos alunos. Agora, após esta intervenção, várias destas escolas
ficam sujeitas a uma imediata intervenção estatal, por alegadamente estarem a
falhar na imunização à radicalização do terrorismo e na promoção das políticas
de contra-terrorismo.
Numa carta ao The Guardian, destacada em primeira página, várias personalidades,
incluindo o antigo encarregado [Chief Education Officer] do Departamento de Educação
de Birmingham, sir Tim Brighouse, levantaram sérias dúvidas sobre a politização
das inspecções e as consequências de fundo quanto à autonomia e credibilidade da inspecção (ver também aqui).
O primeiro-ministro, David Cameron, ordenou
entretanto uma investigação à origem da carta publicada pelo Times, cujo resultado se aguarda e que
será conduzida por um antigo responsável da investigação contra-terrorista.
Nestes dias, o debate ganhou proporções
nacionais. A questão da autenticidade da carta passou para segundo plano,
passando a discutir-se o problema da promoção dos “valores britânicos” e do modo
como os muçulmanos devem ou não acatá-los, enquanto o ministro da Educação insiste
na necessidade de os responsáveis das escolas promoverem valores britânicos.
Intervindo num debate sobre os “valores britânicos”
na assembleia geral do Muslim Council of
Britain, a 15 de Junho, entretanto alargada a um debate mais amplo através de
publicação na Open Democracy, AbdoolKarim Vakil, professor de História
Portuguesa e Europeia no King’s College,
de Londres, insistiu na ideia de que, se hoje a sociedade britânica é mais
tolerante, justa, livre e igual isso se deve em parte à mobilização e “às lutas
das minorias étnicas e religiosas, inclusive dentro da classe trabalhadora, da
juventude e dos movimentos de mulheres, para superar o racismo, a xenofobia, a
injustiça e a discriminação”, de modo a que se chegue a “normas comuns e ideais
como uma sociedade plural, diversa”. O vídeo da intervenção de 12 minutos pode ser visto aqui e o texto publicado na Open Democracy pode ser lido aqui.
Vakil, co-autor, com S. Sayyid, do livro Thinking Through Islamophobia: Global Perspectives (Pensar através da islamofobia, ed. Hurst, 2011) e responsável do
Comité de Pesquisa e Documentação do Muslim Council of Britain, acrescenta: “Partilho
das preocupações sobre currículos e escolas que não estão a fazer o suficiente
para educar as crianças e os cidadãos de amanhã para os perigos do extremismo;
preocupo-me com a correia transportadora de radicalização – a radicalização e
extremismos que são nutridos, autorizados e encorajados pelo ensino de versões
estreitas, paroquiais e caiadas de história e de valores britânicos.”
Outros textos sobre o caso
Artigo de Robin Richardson a explicar o caso
Ponto de situação das questões em jogo
Artigo de M.G. Khan, professor no Ruskin College
da Universidade de Oxford e governador de
uma das escolas mais em destaque nesta questão, publicado no The Times Education Supplement
Artigo de Talha Ahmad, antigo aluno e
professor nestas escolas, publicado na Muslim
News
Uma listagem de intervenções críticas sobre a
questão (na página da Islamic Human Rights Commission)
Um texto sobre o livro de Michael Gove, Celsius 7/7 e o conceito
de “cavalo de Tróia”
(um agradecimento a AbdoolKarim
Vakil pela colaboração prestada)
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