sexta-feira, 31 de outubro de 2014

“Não morrerás”; e um discurso do Papa sobre os excluídos

Crónicas


Ilustração de Bernadette Lopez (Berna), 
reproduzida daqui

No seu comentário aos textos da liturgia católica deste domingo, Vítor Gonçalves escreve, sob o título Não morrerás!, na Voz da Verdade:
Não creio que viver seja aprender a morrer. E lembro muitas vezes a frase de Sebastião da Gama: “que a morte, quando vier / não venha matar um morto”, para afirmar a responsabilidade que nos é confiada de viver (em cheio) até ao fim. E se a confiança em Jesus Cristo não retira totalmente o medo, a fragilidade, a tristeza, ela abre-me para o “Deus das surpresas” que desejo encontrar e abraçar. 
(o texto completo pode ser lido aqui)

Na crónica do Correio da Manhã, Fernando Calado Rodrigues escreve sobre o discurso do Papa aos movimentos populares, que foi referido neste blogue. O título é em forma de pergunta: Um Papa comunista?!:
Também não se coibiu de voltar a criticar o sistema económico que coloca no centro o Deus do dinheiro e não a pessoa humana. E pediu aos políticos que abandonassem o assistencialismo paternalista e promovessem novas formas de participação que incluam os movimentos populares e animem as estruturas de governo locais, nacionais e internacionais com esta torrente de energia moral que surge da incorporação dos excluídos na construção do destino comum.
(o texto completo pode ser lido aqui)


quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Visitação – Identidades partidas ao meio

Exposição


A identidade era dada por um pedaço de tecido, uma carta de jogar, alguma pequena fita, um bilhete de lotaria, medalhas ou alguma peça de joalharia. Metade ficava com a mãe, a outra metade acompanhava a criança deixada na roda. Desse modo se assegurava que mais tarde, quando eventualmente os pais pretendessem recuperar a criança, aquele contra-sinal poderia provar a paternidade.
Sinais de identidade pela metade. As crianças eram entregues na roda dos expostos, que se encontrava em misericórdias, mosteiros ou conventos. Na Misericórdia de Lisboa, em concreto, chegaram a ser recebidas, em média, cerca de 2600 crianças por ano (sete por dia), no início da segunda metade do século XIX, como recorda a reportagem de Rosa Ramos, no i de terça-feira passada, a partir da história de um desses sinais.
Os sinais são um dos aspectos da história da instituição criada em 1498, sob impulso da rainha D. Leonor, agora recuperados na exposição Visitação – O Arquivo: memória e promessa, que ainda pode ser vista até domingo, na nova sala de exposições temporárias do Museu de São Roque, em Lisboa. O arquivo é uma “forma de identificação”, escreve o curador da exposição, Paulo Pires do Vale, no (belíssimo) catálogo da mostra. “Olhar para um arquivo é olhar para uma identidade em construção – neste caso, a da Misericórdia de Lisboa.” Daí que o material selecionado conte “uma parte dessa história – porque a identidade é uma narrativa, sempre inacabada”. As fotografias de Daniel Blaufuks, feitas a partir de alguns desses sinais, dão uma nova identidade a essas identidades perdidas. 
Sinais de identidades são também as ortóteses preparadas para doentes do Hospital Ortopédico de Sant’Ana. Ou ainda os pobres que procuravam comida nas cantinas da Misericórdia. O rosto, portanto. De muitos rostos se faz a história da instituição – de quem pôde nela procurar alívio ou de quem ajudava outros. É de rostos que falam as Filhas do Fogo, projecções do cineasta Pedro Costa que acolhem o visitante, à entrada da exposição, ainda na nave central da igreja. “Nestes rostos, estão todos os rostos da história – estamos nós. Despojados e nus. Desarmados. O rosto, a sua presença, é a verdadeira Lei. Menos como interdito, mais como promessa de bem-aventurança”, escreve Paulo Pires do Vale no catálogo.
O itinerário da exposição completa-se com o Magnificat, ou a insubmissa voz, de João Madureira, peça musical que dialoga com o Magnificat de Filipe Magalhães (1571-1652) e que foi estreada na passada terça-feira com as vozes e os instrumentos do Officium Ensemble (e que se pode escutar de novo através do disco incluído no catálogo). Uma peça que, como escreve o compositor de Vento – Missa de Pentecostes, citando Sophia de Mello Breyner, retoma aquele que é “talvez o mais belo poema que existe”. Como uma voz, acrescenta, que “não cessa de nos interpelar, tanto é o que nos promete e o que vemos que, entre as nossas mãos, teima em não se cumprir”.

Visitação – O Arquivo: Memória e Promessa
Galeria de Exposições Temporárias do Museu de São Roque (Lisboa)

Até Domingo, das 10h às 18h
mais informações aqui

(textos anteriores neste blogue: um balanço do Sínodo dos Bispos sobre a família; um livro sobre os protestantes e católicos que tentaram evitar a I Guerra Mundial; um discurso do Papa pouco noticiado dizendo que a terra, o tecto e o trabalho são direitos sagrados)

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Papa Francisco: terra, tecto e trabalho “são direitos sagrados”



Campo de jogos do Projecto de Utilidade Social Romerillo, 
dinamizado por Kcho em Cuba (foto reproduzida daqui)

O Papa Francisco condenou as causas estruturais da pobreza e afirmou que terra, tecto e trabalho “são direitos sagrados”. Muitas pessoas não entendem “que o amor aos pobres está no centro do evangelho”, acrescentou.
Estas afirmações foram feitas, ontem, num discurso do Papa perante os participantes do Encontro Mundial dos Movimentos Populares, que decorreu desde segunda-feira e hoje mesmo terminou no Vaticano, uma iniciativa inédita organizada pelo Conselho Pontifício Justiça e Paz, com a colaboração da Academia Pontifícia das Ciências Sociais e líderes de vários movimentos.
No seu discurso, o Papa referiu-se ao encontro como “um grande sinal”: os seus participantes colocaram diante de Deus, da Igreja e do mundo “uma realidade muitas vezes silenciada: os pobres não só padecem a injustiça como também lutam contra ela”. (Facto é que, entre ontem e hoje, na maior parte da comunicação social, dominaram os textos sobre a intervenção do Papa perante os membros da Academia Pontifícia das Ciências, que se limitou a repetir aquilo que é a linha oficial da Igreja há já várias décadas; ou seja, a maior parte dos jornais, rádios e televisões deram primazia ao que não era novo sobre aquilo que é inédito...)
No seu discurso perante os dirigentes dos movimentos populares, o Papa disse que os pobres “não se contentam com promessas ilusórias”. E acrescentou: “Tão pouco estão esperando, de braços cruzados, a ajuda de ONG, planos assistenciais ou soluções que nunca chegam. (...) os pobres já não esperam e querem ser protagonistas, organizam-se, estudam, trabalham, reclamam e, sobretudo, praticam esta solidariedade tão especial que existe entre os que sofrem, entre os pobres e que a nossa civilização parece ter esquecido ou pelo menos tem muita vontade de esquecer.”
Sobre a solidariedade, aliás, o Papa afirmou que a palavra nem sempre cai bem. Mas ela traduz o “pensar e actuar em termos de comunidade, de prioridade de vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns”. Solidariedade é também lutar “contra as causas estruturais da pobreza, a desigualdade, a falta de trabalho, de terra e de casa, e contra a negação dos direitos dos direitos sociais e laborais”. E é ainda “enfrentar os efeitos destruidores do império do dinheiro: as deslocações forçadas, as emigrações dolorosas, o tráfico de pessoas, a droga, a guerra, a violência” e todas as realidades que “somos chamados a mudar”. E concluiu: a solidariedade “é um modo de fazer história e isso é o que fazem os movimentos populares”.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Os cristãos britânicos e alemães que fizeram tudo para impedir o deflagrar da I Grande Guerra

Livro – Texto de Silas de Oliveira



Meia dúzia de anos antes de 1914, duas delegações de mais de uma centena de representantes das principais Igrejas cristãs, tanto das Ilhas Britânicas como da Alemanha, trocaram entre si duas visitas organizadas ao mais alto nível, com o objectivo expresso de promoverem o entendimento recíproco e a defesa da paz. Não se limitaram a gestos de cortesia diplomática ou sentimental. Deixaram comissões de continuidade, publicaram um primeiro volume bilingue, Der Friede und die Kirche – Peace and the Churches, com textos e fotografias dos participantes e locais visitados, e o movimento, entretanto alargado a outras Igrejas europeias e norte-americanas, começou a preparar uma conferência mundial, uma verdadeira Conferência Ecuménica com representantes de todas as Igrejas e nações. Foi escolhida a cidade suíça de Constança e marcada a data de 1 de Agosto de 1914 – que acabaria por ser precisamente o dia das primeiras declarações de guerra… Os delegados que conseguiram chegar (menos de metade dos 153 inscritos) mal tiveram tempo de redigir um apelo a todos os governantes antes de regressarem aos seus países. Os que vieram por Londres deixaram de pé um comité intitulado, ironicamente, World Alliance for Promoting International Friendship Through the Churches (Aliança mundial para promover a amizade internacional através das igrejas).
Dois homens revelaram-se, nesta história, os mais empenhados protagonistas: pelo lado britânico, Joseph Allen Baker, um pacifista quaker, empresário de origem canadiana radicado em Londres, onde chegou a membro do Parlamento; pelo lado alemão, o barão Eduard de Neufville, de Frankfurt, um aristocrata protestante envolvido na defesa da paz e que já tinha promovido visitas recíprocas entre editores de jornais britânicos e alemães. Era muito claro para eles o papel nocivo daquilo que um historiador chamou “a cheap popular press” (imprensa barata e popular) de ambos os lados, no final do séc. XIX, na instigação do antagonismo e na promoção da corrida às armas.
Na preparação da primeira visita, Allen Baker tornou claro que deveriam tomar parte nela dirigentes de todas as áreas das Igrejas de ambos os países, tanto protestantes como católicos; que os dois Governos deviam reconhecer este movimento e se possível dar-lhe activa cooperação, e do mesmo modo o rei de Inglaterra e o imperador alemão; e que os visitantes germânicos seriam convidados pessoais em casa dos seus amigos britânicos, desde o início até ao fim da viagem, e convidados a pregar nos púlpitos das Igrejas de Londres no domingo incluído nos dias da sua estadia. O mesmo procedimento foi seguido em ambas as visitas.

A nossa franca cooperação...

A primeira decorreu de 26 de Maio a 3 de Junho de 1908 e levou a Londres uma delegação de 131 dirigentes eclesiásticos e leigos das várias Igrejas alemãs, na sua grande maioria provenientes das Igrejas Evangélicas Luteranas históricas dos diversos territórios (Landeskirchen). Entre eles estavam o Capelão da Corte, Ernst von Dryander, o Probst (Superintendente Geral) Faber, de Berlim, pelo menos 13 professores de teologia e alguns leigos notáveis, como o Barão de Neufville. Entre os 15 católicos avultava o Probst da Catedral de Santa Hedwig em Berlin, C. Kleineidam, em representação do arcebispo de Colónia. Os representantes das Igrejas independentes (Associação Evangélica, Baptistas, Metodistas e Congregacionais) somavam duas dezenas.

domingo, 26 de outubro de 2014

Sínodo sobre a família: os desejos de Bento XVI, os balanços da assembleia e o caminho do futuro

Os documentos, os balanços e as crónicas


(foto reproduzida daqui)

O Papa emérito tomou posição acerca das conclusões do Sínodo dos Bispos sobre a Família? Se relermos, por exemplo, o seu discurso ao clero da diocese de Aosta, a 25 de Julho de 2005 (ano da sua eleição), até parece que sim. Na altura, disse Bento XVI, num parágrafo que vale a pena reter integralmente:
Ninguém de nós dispõe de uma receita já feita, também porque as situações são sempre diversificadas. Diria que é particularmente dolorosa a situação de quantos tinham casado na Igreja, mas não eram verdadeiramente crentes e só o fizeram por tradição, e depois, contraindo um novo matrimónio não válido, converteram-se, encontraram a fé e agora sentem-se excluídos do Sacramento. Este é realmente um grande sofrimento e quando fui Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé convidei várias Conferências Episcopais e especialistas a estudarem este problema: um sacramento celebrado sem fé. Se realmente é possível encontrar nisto uma instância de invalidade, porque ao sacramento faltava uma dimensão fundamental, não ouso dizer. Eu pessoalmente pensava assim, mas dos debates que tivemos compreendi que o problema é muito difícil e ainda deve ser aprofundado. Mas considerando a situação de sofrimento destas pessoas, deve ser aprofundado.” (O texto completo do discurso pode ser lido aqui)
Essa vontade de Ratzinger em aprofundar esta questão, para resolver situações de sofrimento das pessoas, tinha sido notícia, aliás, na altura da sua eleição. Seria mesmo um dos assuntos pendentes na sua secretária de prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cargo que desempenhara até ser eleito Papa.
Não vale a pena, portanto, olhar para o que se passou na assembleia extraordinária do Sínodo dos Bispos, que terminou domingo passado, como um corpo extemporâneo, estranho ao debate eclesial. O que ali se passou resulta de várias questões que há muito vêm sendo colocadas na mesa por muitas vozes, agora confirmadas por uma assembleia cuja função essencial é a de aconselhar o Papa.

Uma assembleia extraordinária

O que se passou nesta assembleia sinodal já foi um grande passo. Desde logo, no sentido originário da palavra Sínodo (caminhar juntos) e daquilo que se pretendeu quando Paulo VI – beatificado durante a missa de encerramento – instituiu o Sínodo dos Bispos. Como disse o Papa na sua homilia:
 “Neste dia da beatificação do Papa Paulo VI , voltam-me à mente estas palavras com que ele instituiu o Sínodo dos Bispos: ‘Ao perscrutar atentamente os sinais dos tempos, procuramos adaptar os métodos (...) às múltiplas necessidades dos nossos dias e às novas características da sociedade’.”
Num texto no Público, Paulo Terroso, padre de Braga a estudar Comunicação Institucional em Roma, escrevia que esta assembleia do Sínodo foi verdadeiramente extraordinária: “Nisto, estou certo, até os padres sinodais estarão de acordo. Mas o que é que faz deste sínodo um momento extraordinário na vida da Igreja? A possibilidade de todos os participantes falarem claro, sem hesitações e sem medos, ‘a ousadia da franqueza’ tal como o Papa Francisco pediu na abertura dos trabalhos. (o texto pode ser lido aqui)

O Magnificat de João Madureira

Agenda

João Madureira foi convidado a visitar e escolher, no fundo musical do Arquivo da Santa Casa, uma peça antiga e compor uma nova: escolheu uma peça do compositor Filipe Magalhães, do séc. XVII, e compôs um novo Magnificat - as palavras de louvor e alegria, profundamente políticas, que, segundo o Evangelho, Maria profere no momento da Visitação, no encontro com a sua prima Isabel. Essas obras, a antiga e a contemporânea, serão apresentadas no final da exposição "Visitação. O Arquivo: memória e promessa", em concerto na Igreja de São Roque, como parte integrante da exposição. Esse concerto final cumpre aquilo que nesta exposição é essencial: transformar o arquivo em matéria viva e fecundante, fundo criativo, motor de criação.

Sobre este processo, escreveu o compositor:
"O convite de Paulo Pires do Vale para compôr uma obra para a exposição Visitação: o Arquivo como memória e promessa foi acolhido por mim com enorme entusiasmo. De imediato, pensei na hipótese de incluir citações do  Fundo Musical do Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, a que entretanto tive acesso graças à inexcedível disponibilidade e simpatia de Francisco d'Orey Manoel. Foi assim que pude encontrar neste arquivo as obras de Duarte Lobo e Filipe Magalhães. E entretanto, pensei também que, para além das obras efectivamente presentes no arquivo, muitas outras da autoria de  Filipe de Magalhães, que se teriam perdido em acidentes causados por acontecimentos como o terramoto de 1755, poderiam também ser citadas, já que teriam muito possivelmente sido compostas no âmbito das funções que desempenhou na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
(Continuar a ler o texto aqui; o concerto é de entrada livre mas, tendo em conta a lotação, devem os bilhetes de acesso ser levantados no Museu de São Roque)

(textos anteriores neste blogue: Uma primavera “franciscana” em Madridsobre o novo arcebispo da capital espanhola; Diálogos com Deus ao Fundo – sobre o livro que será apresentado esta segunda-feira; Para que serviu o Sínodo dosBispos? – A libertação da palavra e algumas perplexidadessobre a assembleia sinodal acerca da família)

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Uma primavera "franciscana" em Madrid


Carlos Osoro, novo arcebispo de Madrid, com o Papa Francisco 
(foto reproduzida daqui)

O arcebispado de Madrid vive este sábado uma mudança importante: Carlos Osoro Sierra toma posse formal do cargo de arcebispo de Madrid, substituindo no lugar o cardeal Antonio María Rouco Varela.
Ordenado padre na diocese de Santander em Julho de 1973, bispo de Orense desde 1997 e, depois, arcebispo de Oviedo (2002) e de Valência (2009), Carlos Osoro significa uma mudança “franciscana” na diocese da capital espanhola. É essa a chave de leitura dos jornalistas Jesús Bastante e José Manuel Vidal, do sítio Religión Digital, que publicaram dois livros com biografias de Rouco e Osoro.
Carlos Osoro é, além de “boa pessoa”, alguém que trará “a primavera do Papa a Madrid”, por ser alguém com um perfil muito semelhante ao de Francisco – próximo dos outros, preocupado com o acolhimento de todos, mesmo de quem pensa diferente. Na altura da sua nomeação para Madrid, ele prometeu entregar-se “sem impor”, bem como falar “com todos” e sair pelas ruas. “Não sei fazer outra coisa”, disse.
E isto não acontece apenas desde que o Papa foi eleito: “Não se acomodou à linha de Francisco, sempre foi assim, um pastor com uma descomunal capacidade de trabalho e uma enorme proximidade das pessoas”, diz Jesus Bastante, autor de Carlos Osoro, el peregrino.
Nomeado arcebispo de Madrid no final de Agosto, quando o seu antecessor desejava ainda continuar por mais algum tempo, Carlos Osoro é um bispo preocupado em estar sobretudo com os que mais sofrem, implicado nas questões sociais (é muito crítico, por exemplo, dos desalojamentos que tem havido em Espanha). Sente que “a sociedade actual está ferida e quer uma Igreja ao lado das pessoas que sofrem”, diz o autor do livro.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Diálogos com Deus em Fundo - entrevistas sobre a transcendência

Na próxima segunda-feira, dia 27, na Livraria Bucholz (R. Duque de Palmela, 4, ao Marquês de Pombal); em Lisboa, decorre a apresentação do livro Diálogos com Deus de Fundo, onde recolho um conjunto de entrevistas acerca da questão religiosa, feitas ao longo de vários anos. A apresentação será feita pelo prof. Carlos Fiolhais, a partir das 18h30. 
O leque de entrevistados inclui, pela ordem de publicação, José Tolentino Mendonça, frei Bento Domingues, Joaquim Carreira das Neves, Mário Soares, Isabel Allegro de Magalhães, João resina Rodrigues, José Augusto Mourão, Armindo Vaz, Horácio Araújo, Peter Stilwell, Maria de Lourdes Pintasilgo, Alfredo Bruto da Costa, Manuela Silva, D. Manuel Clemente, Alberto Azevedo, Teresa Toldy, Alfredo Teixeira, Anselmo Borges, Luís Archer, Dimas Almeida, D. Januário Torgal Ferreira, Laura Ferreira dos Santos, Joaquim Guerra e José Mattoso.
Fica a seguir o texto de apresentação do livro, com o convite implícito para a participação na sessão. 



Cidadania, Verdade e Liberdade

À memória de
Maria de Lourdes Pintasilgo
e João Resina
pelos seus testemunhos de cidadania e liberdade

Há um problema velho de décadas no catolicismo português: a quase ausência de uma reflexão, e de uma reflexão pertinente, sobre a sociedade, a experiência cristã e a própria questão de Deus.
Uma outra coisa é verdadeira: como diz José Tolentino Mendonça numa das entrevistas aqui reproduzidas, “em Portugal, a teologia tem um estatuto de clandestinidade”. Pior: “Mesmo quando se pensa nos textos bíblicos, eles não encontram uma relevância cultural.” E seria “muito importante” que a reflexão bíblica e teológica ganhasse “estatuto de cidade”.
A história nem sempre foi assim. Santo António de Lisboa, Pedro Hispano, João de Barros, Isaac Abravanel, Samuel Usque, António Vieira, Guerra Junqueiro, Teixeira de Pascoaes, Agostinho da Silva ou Manuel Antunes são alguns dos nomes grandes de portugueses que reflectiram a condição humana a partir da interrogação religiosa. Ou que se interrogaram religiosamente a partir da condição humana. Várias circunstâncias históricas acabaram por nos trazer ao ponto onde hoje estamos: entre a incapacidade de o catolicismo se questionar e a ignorância (ou o preconceito) social que tantas vezes se verifica, mesmo em meios “culturais”, há uma manifesta evacuação da reflexão teológica ou religiosa da praça pública.
E, no entanto, ela move-se. Em livros ou no cinema, na política ou na economia, a questão religiosa existe, a experiência de fé está presente na vida e nas questões que atravessam muitas pessoas. Por vezes, irrompe mesmo de forma impetuosa, veemente. Só que é mais cómodo acantonar o fenómeno na dimensão individual, na religiosidade popular, no fundamentalismo ou no esoterismo, sem cuidar de outras averiguações mais profundas, mais sérias ou questionadoras.
É certo que, no processo de reconfiguração do campo religioso, as pessoas se têm afastado da dimensão institucional. A autonomia individual afirma-se cada vez mais, também na aproximação à questão religiosa. Para citar ainda Tolentino Mendonça, e tomando como exemplo livros ou filmes recentes cujo pretexto é a pessoa de Jesus: “O que há de novo é que se acentuou um certo individualismo na apropriação que as pessoas têm necessidade de fazer da figura de Jesus. Já não há instâncias que tracem um modelo, seguido por toda a gente, quanto à aproximação à figura de Jesus. Temos uma galáxia de apropriações, muitas fazendo tábua rasa dos dados históricos, explorando o lado da fábula, que vêm ao encontro de dimensões da nossa contemporaneidade, como a acentuação de fenómenos de crença e de uma certa racionalidade.”

**

Uma das consequências da ausência de reflexão e debate leva ao menosprezo de uma ideia essencial do cristianismo: a sua pluralidade intrínseca. Numa outra entrevista, recorda frei Bento Domingues: “É da própria essência da Igreja ser plural. Os textos a que a Igreja se refere como fundadores – as narrativas evangélicas – têm quatro versões. Portanto, a Igreja tem de viver em comunhão, mas na diferença.”
A individualização da experiência religiosa, a sua autogestão, manifesta o problema das pessoas com o lado institucional, mas não retira Deus – ou a questão do transcendente – das suas vidas.

sábado, 18 de outubro de 2014

Para que serviu o Sínodo dos Bispos sobre a Família? – A libertação da palavra e algumas perplexidades

Análise 


(foto Vatican.va, reproduzida daqui)

O Sínodo dos Bispos sobre a Família não acabou. Terminou apenas mais uma etapa. Vale a pena olhar para o caminho já percorrido na preparação do Sínodo “a sério” – o de Outubro do próximo ano, após o qual o Papa redigirá uma exortação apostólica sobre o tema – bem como para algumas perplexidades destas duas semanas de debate.
A primeira pergunta é: será que alguém entende bem o que se passou nestes 15 dias? Provavelmente, poucas pessoas arriscarão uma leitura clara e isso não se deverá fundamentalmente à confusão de notícias surgidas nas duas últimas semanas. A babel informativa reflecte, em grande parte, a pluralidade e diversidade de pontos de vista que apareceram na aula sinodal, as tensões entre diferentes protagonistas e as visões diversificadas sobre o que deve ser o olhar da Igreja acerca da família no mundo de hoje.
Essa é uma primeira observação: o apelo do Papa a que os bispos falassem frontalmente parece ter tido consequência, a avaliar por aquilo que se passou pelo menos na primeira semana e muitos bispos aceitaram mesmo libertar a palavra. Mas há outra evidência: é natural, perante um acontecimento que tantas expectativas gerou, que surjam muitas opiniões a tentar marcar terreno. Como é positivo, para a Igreja Católica, que a dinâmica de um Sínodo – normalmente pouco acompanhada pela comunicação social, por se arrastar durante duas ou três semanas de debates mais ou menos cifrados para o grande público – seja seguida com tanta atenção. Isso deve-se ao Papa Francisco, ao processo por ele lançado e à forma como ele desejou que o debate se fizesse – aberto, sincero, participado pelo maior número.
Mas essa atenção redobrada surge também (sobretudo?) pelo assunto escolhido, que não deixou de lado nenhuma das questões difíceis que o tema família implica. É que foi por causa das questões ligadas à moral e à ética familiar que, nas últimas quatro décadas, se deu o grande afastamento de muitos católicos em relação à estrutura eclesiástica ou, mesmo, à comunidade eclesial ou à questão de Deus. Foi por aqui que se deu o que muitos chamam de “cisma silencioso”. Seria por aqui, portanto, que a atenção de muitas mulheres e homens se poderia de novo reconciliar ou reaproximar da Igreja.

A repetição mecânica

Houve outro apelo do Papa no início da assembleia: o de levar para o Sínodo a realidade das igrejas particulares – que é como quem diz, a realidade das famílias no mundo inteiro. A resposta a esse apelo pode não ter sido tão clara. Essa falha tinha já sido notada antes no Instrumentum laboris, o documento de trabalho inicial, que era uma decepção em diversos pontos e levava mesmo à sensação de déjà vu, como notava o jesuíta Thomas Reese. Pior ainda é que esse documento de trabalho não recolhia, em diferentes pontos, aquele que era o sentir dominante das respostas chegadas a Roma: a doutrina da Humanae Vitaea encíclica de Paulo VI sobre a regulação dos nascimentos, publicada em 1968, “nunca funcionou e não é realista pensar que possa continuar a ser defendida, as pessoas já nem se lembram da encíclica e muitos dizem mesmo que não é para respeitar”, como me referia um responsável do secretariado do Sínodo, em Março, depois de chegarem a Roma respostas de todo o mundo ao questionário inicial. Aliás, várias conferências episcopais, entre as quais a alemãtinham feito notar esse desfasamento entre o ensino da Humanae Vitae e a vida e prática de tantos católicos, pedindo uma mudança doutrinal nessa matéria.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

No interior do Sínodo - o relatório divulgado no 7º dia

Para quem compreende o inglês, vale a pena escutar as diferentes reações ao documento de sublinhados relativos à primeira semana do Sínodo sobre a família, divulgado na segunda-feira:

 

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

O que se decide no Sínodo e o convite de Jesus ao amor

Crónicas

Na sua crónica de Sábado, no DN, sob o título O que se decide no Sínodo, Anselmo Borges escreve:
O que se decide no Sínodo está, portanto, para lá da problemática da família. Uma das palavras mais revolucionárias de Jesus é esta: "O sábado foi feito para o homem, não o homem para o sábado", o que significa que mesmo as leis consideradas divinas têm de estar ao serviço do ser humano. Assim, o que está em questão é se se quer uma Igreja que dá o primado ao Evangelho ou ao direito canónico, ao ser humano ou ao sábado, uma Igreja da doutrina e do dogma ou uma Igreja da misericórdia, uma Igreja do poder ou uma Igreja do serviço, uma Igreja "alfândega da fé" ou uma Igreja "hospital de campanha" para curar as feridas, utilizando a expressão do Papa Francisco.
(texto completo aqui)

Também sobre o Sínodo dos Bispos que decorre em Roma, escreveu Fernando Calado Rodrigues no Correio da Manhã de sexta-feira passada:
Na Igreja primitiva era comum “uma prática de tolerância pastoral, clemência e paciência após um período de penitência”, dos divorciados, recorda também o cardeal Kasper, no livro “Evangelho da família”.
Compete agora ao Sínodo essa árdua tarefa de procurar conciliar o que aparentemente é irreconciliável: indissolubilidade e misericórdia. Eventualmente, recuperando procedimentos do passado.
(texto completo aqui)

No comentário à liturgia católica deste domingo, Vítor Gonçalves escreveu na Voz da Verdade, sob o título Todos convidados:
Ao comparar o Reino dos Céus a um banquete nupcial, Jesus mostra como a sua vida inteira é um convite para a festa que o Pai quer fazer connosco. À religião do sacrifício, do sangue derramado de animais e do cumprimento escrupuloso de preceitos que não produziam alegria, Jesus convida para a celebração da vida e do amor. 
(texto completo aqui)