domingo, 24 de fevereiro de 2013

D. Carlos Azevedo - um testemunho e várias perplexidades

No dia 10 de Outubro de 2011, foi-me confidenciado que algo de muito grave se passava com D. Carlos Azevedo, que o obrigaria a sair do país.
Quem me falou do assunto pertencia aos meios eclesiásticos e não especificou de que assunto se tratava, nem tão pouco eu lhe perguntei. Essa pessoa desconhecia também que eu era amigo do então bispo auxiliar de Lisboa, ainda que fosse raro encontrarmo-nos e sempre em contexto de reuniões familiares.
Depois desse episódio, concretizou-se, de facto, a ida de D. Carlos Azevedo para o Vaticano, para funções que me pareceram consentâneas com os interesses e atividades que o tinham ocupado durante anos - os arquivos, a história, a história da arte, a cultura... Achei muita coincidência, mas a verdade é que também há coincidências.
Depois disso, nunca mais ouvi falar no assunto, até que fui surpreendido pelo trabalho que a revista Visão publicou na última semana e por todos os episódios e silêncios que se lhe seguiram.
Devo dizer que tinha e tenho grande consideração pela pessoa e atividade pastoral de Carlos Azevedo, o que não me impedia de ser crítico, uma vez ou outra, de posições que tomou, nomeadamente quando presidiu à Comissão Episcopal da Pastoral Social (não, naturalmente, quando bradava que a Igreja não podia ficar calada diante das injustiças e das desigualdades, uma atitude bem diferente das falas doces que hoje a generalidade dos bispos adotam relativamente às políticas que cavam ainda mais as mesmas injustiças e desigualdades).
Mas também não posso deixar de dizer que, conhecendo mal o padre que terá denunciado alegadas práticas de assédio sexual por parte de D. Carlos Azevedo, o tenho como pessoa séria, dedicada e que tem desenvolvido um trabalho excecional no que se refere à pastoral da saúde e dos doentes.
Dito isto, não ficaria bem comigo mesmo se ficasse quietinho e calado como se nada se estivesse a passar ou à espera que a tempestade se afaste. Assim:
  • Até prova em contrário, não tenho nenhuma razão objetiva para criticar Carlos Azevedo como pessoa e mesmo como bispo e dói-me que se possa estar a assassinar o caráter de uma pessoa com base, como ele confessa, em episódios e comportamentos ocorridos décadas atrás, cuja extensão ou gravidade se desconhece.
  • Caso fosse porventura grave a matéria desses factos passados, é mais do que pertinente a pergunta sobre os porquês de os revelar neste preciso momento. É inevitavel, neste contexto, pensar numa figura chamada Gianfranco Ravasi.
  • Quer haja quer não haja matéria que torne alguns aspetos do comportamento passado de D. Carlos Azevedo condenáveis, como compreender e aceitar o silêncio a que se tem votado quem com ele trabalhou tantos anos, nomeadamente vários bispos portugueses?
  • Admitindo-se que a existência de uma denúncia desta natureza na  pessoa de um bispo constitui facto jornalisticamente relevante, é compreensível e aceitável o espalhafato e o sensacionalismo com que a Visão tratou o assunto, dedicando seis páginas, além da capa, a uma matéria com tão pouco de substantivo?
  • Tenho consciência dos preceitos da Igreja, mas não sei se o bispo é homossexual ou heterossexual nem isso me preocupa, desde que o seu comportamento e o seu testemunho como pessoa e como bispo sejam o que dele é esperado. Por isso me pareceu pelo menos de grande ambiguidade que algumas pessoas relevantes da Igreja portuguesa tenham invocado esse fator, como se, por si, ele fosse aqui relevante.
  • Todos sabemos que o momento atual é delicado e que pode haver razões para aguardar por mais desenvolvimentos. Mas seria trágico que a Conferência Episcopal deixasse cair alguém que foi um dos seus membros mais ilustres não em nome da verdade, mas de interesses outros, mesmo que localizados ao mais alto nível da Igreja.
  • Também neste âmbito, e não apenas nos media laicos, a comunidade cristã e a sociedade precisam de uma "informação limpa" por parte da Igreja, nas matérias que lhe dizem respeito.  

A crónica de Bento Domingues


sábado, 23 de fevereiro de 2013

"Um papa novo deverá proceder de modo diferente"

Jacques Noyer, bispo emérito de Amiens, França, reflete num artigo há dias publicado na revista Témoignage Chrétien, sobre o significado da renúncia do Papa Bento XVI:

" (...)
Um combatente como João Paulo II sentia prazer em guerrear e nunca se declarava derrotado. A fineza da inteligência de Bento XVI, nessas circunstâncias, é uma fraqueza. As objeções dos adversários, sem dúvida, lhe atingem mais do que outros militantes blindados de certezas. A fé que o habita não suprime o peso da Razão.

Coirmãos bispos me diziam que sofrimento haviam lido no seu rosto quando haviam evocado diante dele alguns impasses pastorais a que certas regras canônicas os constrangiam. Com a cabeça entre as mãos, ele sofria por não poder dar respostas. Cabe a vocês, in loco – lhes dizia –, encontrar um caminho pelo qual a observância da lei não impeça o anúncio do evangelho.

Os bispos ficaram tocados por um papa tão frágil quanto eles diante das contradições da sua pastoral. Quem sabe em quais insônias se terá prolongado, na pessoa do papa, essa necessidade de coerência?

Esses fracassos poderiam ter levado algumas almas menos santas ao desencorajamento total, a uma passividade resignada. Bento XVI viu neles a oportunidade para um sobressalto de esperança: reconheceu o seu fracasso. Ele sabe que está velho demais para recomeçar de outro jeito. Ele dá lugar a algum outro. Se estivesse certo dos combates travados, teria preparado um sucessor. Ele sente, ao contrário, a meu ver, no segredo do seu coração, que um papa novo deverá proceder de modo diferente.

Quando ele foi eleito papa, não lhe deixaram escolha: ele devia continuar a obra do seu antecessor e se esforçou para encontrar o seu estilo próprio. Ao contrário, hoje, ele pede para que se tentem outras coisas.

Podemos esperar que uma figura nova defina uma estratégia nova. Podemos esperar um papa que tenha qualidades diferentes. Acima de tudo, podemos esperar um papa que faça circular a palavra naquele grande corpo que é a Igreja e que, para isso, descentralize as decisões, que dê confiança ao Povo de Deus, em vez de ser o seu Guardião, que tente o novo onde o antigo está morto.

Essa humildade certamente é um ato de esperança: um outro fará melhor do que eu, proclama ele. Eu rezo para que ele não seja esmagado por aquilo que ele chama de seus defeitos. A esperança não o abandonará.

Ninguém pensa hoje em repreendê-lo por ter feito o que ele considerou bom fazer. Só se pode admirar que ele tenha ousado abrir a porta às iniciativas de um desconhecido que o Espírito Santo e os cardeais do mundo inteiro já estão nos preparando".

(Texto integral, traduzido por Moisés Sbardelotto para a newsletter do IHU, AQUI. Texto original: AQUI)
(Crédito da foto: Reuter)

Atualização:

Ler, a este propósito, o post que o diretor da revista espanhola católica Vida Nueva acaba de pubicar, intitulado: 

El Papa recibe antes de irse a la ‘comisión Vatileaks’.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Papa Ratzinger


Crónica

O pontificado tem os dias contados, mas o tempo de Bento XVI há-de prolongar-se. Já muito, mas nem tudo, se disse do Papa Ratzinger.
Estes oito anos foram escassos para esquecer o tsumani mediático de João Paulo II. Suficientes no entanto para traçar uma linha histórica na Igreja. O gesto dessacraliza a figura do Papa, com consequências no longo prazo. Outros afastaram-se num passado longínquo e o direito canónico prevê esta situação. Mas Ratzinger é o primeiro que ousa resignar de forma livre, reflectida e consciente. 
Não é correcto fazer comparações entre pontificados. Os tempos históricos são diferentes como diferentes são as circunstâncias de vida de cada um dos homens que assumiram a liderança espiritual da Igreja católica. Foi tão corajoso o místico atleta polaco, como lúcido foi o cerebral professor alemão. 
Um dos problemas irresolúveis do próprio cristianismo é o da interpretação. Uma tensão permanente que implica a componente humana. Na “cadeira de Pedro”, como noutras funções, o homem também faz o lugar. Interpreta-o no tempo e na circunstância, embora, pela tradição, seja escolhido com inspiração divina. Bento XVI assumiu o lugar com o peso de um “mandato do céu” que só se compreende com os pés assentes na terra. É o que podemos ler nas entrelinhas da resignação. Se os desafios e as circunstâncias, internas e externas, ultrapassam os limites da capacidade humana, há que tirar as devidas ilações. Ratzinger viveu intensamente a agonia do papa Woytila, sabe o que significa para o governo da Igreja a fragilidade física e anímica do seu líder.
Podemos ver, no raciocínio de Ratzinger, a gravidade do que se avizinha. O cristianismo é o grupo religioso mais perseguido no mundo. São tempos difíceis e esgotantes para o novo Papa, da necessária renovação da estrutura - que não se livra de escândalos e divisões -, ao diálogo ecuménico, inter-religioso, social, político e cultural, num mundo plural, secularizado e indefinido, com novos pólos de poder, mediaticamente exigente, o que pede uma grande itinerância. 
Este é o homem que um dia confessou não ter descoberto a vocação como se fosse um raio fulminante, um chamamento episódico. Ratzinger teceu uma rede teórica com a Fé e a Razão, como duas dimensões inseparáveis na experiência religiosa.
Fé e Razão, Liberdade, Consciência e “Verdade” são padrões de uma cultura que não prescinde da análise, da maturação racional. Goste-se ou não das ideias. Mas essa é outra conversa. Até porque são legítimas as motivações para a contestação ao conservadorismo doutrinário e à centralização romana.
Como Papa era chamado a fazer pontes para fora e por dentro. Do alto do seu pensamento elaborado e ao mesmo tempo pragmaticamente simples, ensaiou algumas. Sem ilusões. Equivocou-se julgando que só isso bastava e mais se equivocaram o que pensaram que ele agiria de outra forma. 
Recordo o que disse aos compatriotas numa audiência poucos dias depois de ser eleito. Comparou o momento a uma guilhotina. Tremenda metáfora para um homem sensível. Se Deus cortara a cabeça a Ratzinger, quem seria Bento XVI?
Em oito anos nunca deixou a via do pensamento autónomo, arriscando gerar alguma confusão entre o intelectual académico e o pontífice, porque são, afinal, uma e a mesma pessoa. Paradoxalmente, é quando deixa o pontificado que se vê obrigado a fazer silêncio. Agora, mais do que nunca, as suas palavras estariam sujeitas ao escrutínio. Terá caído definitivamente a guilhotina para um dos mais importantes pensadores da actualidade. Fica a obra, incluindo um texto sobre a Fé, a publicar em breve, no qual estava a trabalhar para ser uma encíclica. As três encíclicas publicadas apontam úteis pistas ao sucessor. A última - Caritas in veritate - deixou os católicos da alta finança, executivos e académicos, tendencialmente neoliberais e promotores da sacralização dos mercados, com as orelhas a arder.
Esta é uma parte do seu legado... Uma resignação coerente que abre novas perspectivas para os pontífices seguintes, o reforço de uma certa ortodoxia católica, a discreta teimosia da Razão num tempo de emoções exacerbadas, também na experiência religiosa.
Joaquim Franco

Artigo de opinião publicado na SIC Online, que pode ver aqui

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Venha o novo Papa


Crónica

No "Público deste domingo, também frei Bento Domingues escreve sobre a renúncia de Bento XVI e o que pode vir da sua sucessão. Aqui fica o texto:





















1. O Código de Direito Canónico (Cân.401) reza assim: roga-se ao Bispo diocesano, que tiver completado 75 anos de idade, que apresente a renúncia do ofício ao Sumo Pontífice. O Cardeal Ratzinger, quando foi eleito Papa, isto é, Bispo da diocese de Roma, testemunha da fé apostólica de Pedro e Paulo, em comunhão e ao serviço dos Bispos das outras dioceses da Igreja Católica, já tinha 78 anos. Quanto à idade, um Bispo diocesano merece mais cuidados do que um Papa, que tem uma responsabilidade muito mais ampla e pesada.
O alarido em torno da renúncia de Bento XVI, deve-se à estranha ideia de que ele desempenhava um cargo vitalício. A possibilidade de um Papa renunciar está prevista no Direito Canónico (Cân. 332 § 2). O próprio Bento XVI, em 2010, mostrou que poderia vir a ser confrontado com essa situação: “Quando um Papa tem clara consciência de que já não está em grau de cumprir os deveres do seu ofício, física, psicológica e espiritualmente, tem o direito, e em algumas circunstâncias, também o dever, de se demitir”.
Muitos de nós fomos testemunhas das dificuldades físicas que João Paulo II enfrentou, durante anos, ao não atender a esse critério. É certo que foi encontrada, para uso interno, uma “mística da imolação” pelo bem da Igreja, que convenceu apenas os já convencidos. Era demasiado evidente que ele já não se encontrava em condições de responder às enormes carências e responsabilidades da Igreja no século XXI. A falta de atenção aos sintomas de uma certa degradação, em determinados ambientes eclesiásticos e na Cúria Romana, assim como a persistência do sistema de abafar as vozes discordantes, acabaram por adiar uma reforma que se mostra cada vez mais urgente.
2. Em 1999, durante o Sínodo Internacional dos Bispos, convocado por Wojtyla, para analisar a Europa, após a queda do Muro de Berlim, o então Arcebispo de Milão, Cardeal Martini, surpreendeu os outros padres sinodais, ao evocar o "sonho" de um novo Concílio que tivesse a coragem de discutir os problemas mais espinhosos: "A eclesiologia de comunhão do Vaticano II", a carência já dramática de padres, a posição da mulher na Sociedade e na Igreja, a participação dos leigos em algumas responsabilidades ministeriais, o tema da sexualidade, a disciplina católica do matrimônio, o ecumenismo e as relações com as Igrejas irmãs da Ortodoxia.
Era essa uma agenda crucial, que os Papas Wojtyla e Ratzinger nunca tiveram coragem de enfrentar, mas à medida que o tempo passa, tudo se vai complicando de forma dramática.
Bento XVI espelhou a situação, subjectiva e objectiva em que se encontra: “Depois de ter examinado repetidamente a minha consciência diante de Deus, cheguei à certeza de que as minhas forças, devido à idade avançada, já não são idóneas para exercer adequadamente o ministério petrino. Estou bem consciente de que este ministério, pela sua essência espiritual, deve ser cumprido não só com as obras e com as palavras, mas também e igualmente sofrendo e rezando. Todavia, no mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé, para governar a barca de São Pedro e anunciar o Evangelho, é necessário também o vigor quer do corpo quer do espírito; vigor este, que, nos últimos meses, foi diminuindo de tal modo em mim que tenho de reconhecer a minha incapacidade para administrar bem o ministério que me foi confiado.”
3. Até à eleição do novo Papa, vão surgir muitas projecções, dentro e fora da Igreja, segundo os grupos e as tendências, acerca das possíveis figuras, desejadas ou não, para ocupar a cátedra de Pedro. Muito em breve, a lista dos papabili, ao ritmo do sobe e desce, irá circular e cada um poderá ir construindo também a sua. Bento XVI já balizou o espaço no qual os eleitores se devem mover: “procurar alguém que perceba o ritmo deste tempo de rápidas mudanças e seja capaz de identificar quais são as questões, de grande relevância para a vida da fé, no governo da barca de S. Pedro e no anúncio do Evangelho”. Para esta tarefa, a assistência do Espírito Santo está divinamente garantida, mas Ele não costuma agir sozinho, nem substituir o discernimento dos eleitores.
A graça não substitui a natureza e sendo assim, o importante é garantir um método de eleição, humanamente fiável, no interior da vida da Igreja, cujas preocupações têm de ser as de Cristo. Para governar a barca de Pedro, além de comprovada capacidade de liderança espiritual, cultural e pastoral, o Papa deve mostrar, sobretudo, um grande gosto de escutar e de consultar, não só os seus irmãos no episcopado, mas sobretudo a vida concreta das pessoas, dentro e fora das comunidades cristãs, em diálogo com todas as correntes que atravessam as sociedades. Em todo o caso, o Papa, Bispo de Roma, não deveria poder ser escolhido por tempo indeterminado, nem ultrapassar a idade de 75 anos, aquela que está marcada para todos os Bispos. A Igreja não pode ser uma monarquia absolutista e vitalícia.

(foto: Capela Árvore da Vida, no Seminário Conciliar de Braga; © António Marujo)


À procura da Palavra - A verdade do "não"


Crónica

“Tendo terminado toda a espécie de tentação, retirou-se da presença de Jesus, até certo tempo.” (Evangelho de S. Lucas 4, 13) - Domingo I da Quaresma
                    
O Papa trocou-me as voltas. Estava eu, de armas e bagagens, dedos sobre o teclado, à porta do deserto para reflectir convosco o episódio das tentações de Jesus, quando a notícia correu como fogo em seara seca: “O Papa vai abandonar a liderança da igreja dia 28”! E todas as boas intenções de reflexão passaram para segundo plano perante o espanto de tal notícia. Chovem e vão continuar a chover inúmeros comentários, a propósito e a despropósito, e tinha prometido a mim mesmo não engrossar tal enxurrada mas não resisti à tentação.
Primeiro alegrou-me a capacidade de Bento XVI nos surpreender (e surpreender o mundo) ao mostrar que a Igreja é mais do que ele, e que Deus nos confia missões mas ninguém O substitui. A inteligência e liberdade desta decisão são um verdadeiro sopro de vitalidade para um serviço que não pode viver acorrentado a nenhum poder despótico, e ajude a reflectir corajosamente a autoridade e a co-responsabilidade na vida eclesial. É preciso evitar cair na tentação de entrar em comparações com a vida de João Paulo II. Quando o amor à verdade e a consciência de limites pessoais se exprimem numa real fragilidade, não tocamos também aí a grandeza do amor de Deus?   
Às vezes as tentações não se manifestam em propostas novas mas no arrastar de modelos antigos. Não é um pouco isso que Jesus tem de vencer no seu deserto (que vai ser também o nosso)? Que modelos mais antigos, do que o poder só em benefício de si e dos seus, o ter para dominar os que nada têm, e a ostentação e soberba de querer pôr Deus ao seu serviço? “O diabo sabe muito porque é velho” costuma dizer o nosso povo, assim como são velhas também as suas propostas. Para isso conta com a inércia e o acomodamento de quem não ousa sonhar nem acreditar que a vida pode ser diferente e mais feliz. Somos nós quando pensamos que “só repetir é bom”, que “sempre se fez assim”, e que fazemos da vida, da fé, e até do amor, uma organização burocrática e planeada. Encanta-me a surpresa e a novidade com que Jesus contagia a nossa vida. Diz vários “nãos” porque há um “sim” sempre maior e mais belo adiante de cada “não”. É neles que nos convida a apostar, com o risco de tudo e a verdade de não sermos “super-homens”. Mas de sermos infinitamente amados! E não é na força do amor de Jesus que a Igreja e o Evangelho têm os fundamentos? E não é esse mesmo amor que todos os dias nos estimula a viver com espanto e agradecimento? Que “nãos” precisamos dizer para que seja mais claro e feliz o “sim” que nos aquece o coração?
(Texto do P. Vítor Gonçalves no jornal "Voz da Verdade" deste domingo)
Foto © Daniel Rocha: o Papa Bento XVI no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, em Maio de 2010

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Uma diáspora ibérica




Os Sete Lágrimas são um caso raro no panorama da música em Portugal. Executando peças antigas e contemporâneas num diálogo vivo e original entre o passado e o presente, entre o erudito e o popular, entre o português e o universal, o grupo soube impor a qualidade e o sucesso nos vários discos editados desde 2007 – e, com este, já são oito. 

“Diáspora” é o título de um projecto dos Sete Lágrimas, do qual este “Península” constitui o terceiro volume. Nos dois anteriores (“Diáspora.pt” e “Terra”), o grupo mostrou-nos a música do mundo que reflecte o contacto com a cultura portuguesa nos últimos cinco séculos.

Agora, os Sete Lágrimas oferecem-nos um conjunto de 16 peças, retiradas do repertório ibérico dos séculos XVI e XVII – e incluindo cinco compostas especialmente pelos dois directores artísticos e vozes do consort (Filipe Faria e Sérgio Peixoto), a partir de textos daquela época. Desde o intenso “Parto triste saludoso” com que se abre o disco, até ao compassivo “Porque lhoras moro” ou ao declamativo “Ay que biviendo no byvo”, essas cinco criações são de uma harmonia ímpar, a revelar também a excelente criatividade compositiva dos dois artistas. Se à música e às vozes somarmos a mestria da execução instrumental (Pedro Castro, Sofia Diniz, Duncan Fox e Rui Silva), temos um excelente resultado final.

Os textos, de grande beleza literária, traduzem ainda o grande cuidado posto no processo de selecção. Falam-nos de amores e desencontros, de contentamentos e melancolias, de afectos e zangas. Como em “Um cuydado que mia vida ten”: “Minha vida um cuidar tem, que não o saiba ninguém. Um cuidar de minha querida, Que a alma tem, e ao corpo dá vida. Meu corpo o sente, minh’alma o tem, que não o saiba ninguém.”

Diáspora – Península
Sete Lágrimas
Direcção de Filipe Faria e Sérgio Peixoto
Edição: Arte das Musas (mail@artedasmusas.com)

(Texto publicado na revista Além-Mar, em Fevereiro de 2013)

sábado, 16 de fevereiro de 2013

E depois da sucessão?


Crónicas

Na sua crónica de hoje, no DN, Anselmo Borges pergunta o que virá depois da renúncia de Bento XVI. Recordando o seu trajecto de teólogo, lembra uma citação de Ratzinger, que vem a propósito da decisão de renúncia, mas também de outras questões debatidas no interior da Igreja: "Acima do Papa encontra-se a própria consciência, à qual é preciso obedecer em primeiro lugar; se for necessário, até contra o que disser a autoridade eclesiástica. O que faz falta na Igreja não são panegiristas da ordem estabelecida, mas homens que amem a Igreja mais do que a comodidade da sua própria carreira." Anselmo Borges termina dizendo que o próximo Papa pode ser europeu ou latino-americano.
A sucessão de Bento XVI é também o tema da crónica de Fernando Calado Rodrigues no Correio da Manhã de sexta-feira. Comparando o pontificado do Papa Ratzinger com o do seu antecessor, Calado Rodrigues diz que o próximo Papa pode ser europeu ou norte-americano.
(Foto © Daniel Rocha: o Papa Bento XVI em Lisboa, em Maio de 2010)