domingo, 30 de novembro de 2014

O Papa na Turquia: uma viagem plena de gestos para o ecumenismo


O Papa Francisco e o Patriarca Bartolomeu 
(foto Umit Bektas/Reuters, reproduzida daqui)

Foram três dias cheios de gestos simbólicos e palavras fortes, sobretudo no campo do ecumenismo, da afirmação da paz e da defesa da liberdade religiosa. Na sua viagem à Turquia, o Papa Francisco revelou ter rezado pela paz na Mesquita Azul, em Istambul, anunciando o desejo de visitar o Iraque e de se encontrar com o patriarca de Moscovo.
Num dos encontros deste périplo turco, o Papa esteve com o Patriarca ecuménico ortodoxo Bartolomeu, a quem disse que católicos e ortodoxos se encontram a “caminho para a plena comunhão”, garantindo que a Igreja Católica “não tem intenção de impor qualquer exigência, excepto a da profissão da fé comum”.
“A voz das vítimas dos conflitos impele-nos a avançar apressadamente no caminho de reconciliação e comunhão entre católicos e ortodoxos”, afirmou a propósito.
Na mesma ocasião, Francisco e Bartolomeu assinaram uma declaração conjunta em que apelam à intervenção da comunidade internacional em favor dos cristãos do Médio Oriente, mas recusando a hipótese da guerra. No texto, afirmam os dois líderes: “Expressamos a nossa preocupação comum pela situação no Iraque, na Síria e em todo o Médio Oriente.” (mais pormenores aquitexto integral da declaração, em inglês, italiano e espanhol, aqui)
A manifestação do desejo de visitar o Iraque surgiu já no voo de regresso de Istambul para Roma. Numa conferência de imprensa que durou 45 minutos, o Papa acrescentou que, quando visitou a Mesquita Azul, perguntou ao grão-mufti: “Rezamos um pouco? Ele respondeu-me que sim”, afirmou. “Na mesquita rezei pela Turquia, pelo mufti, por mim. Disse: Senhor, acabemos com estas guerras.”
Na mesma ocasião, o Papa Bergoglio confirmou que tivera a intenção de visitar um campo de refugiados ou o Curdistão, mas tal não foi possível. Mas disse: “Quero ir ao Iraque, já falei com o patriarca [Louis] Sako. Neste momento não é possível, se lá fosse, criar-se-ia um problema para as autoridades, para a segurança.”
Sobre o diálogo com os ortodoxos, Francisco afirmou que “a unidade é um caminho que se tem fazer e fazer juntos”, incluindo em assuntos como a data da Páscoa e o “primado” do bispo de Roma. E acrescentou que já manifestou ao Patriarca Cirilo, de Moscovo, que está pronto para se encontrar com ele – nunca nenhum Papa se encontrou com o Patriarca de Moscovo, líder da mais importante Igreja Ortodoxa, apesar de Constantinopla (actual Istambul) deter o “primado de honra” entre os patriarcas ortodoxos. (Mais detalhes sobre a conferência de imprensa no avião podem ser lidos aqui)

Para ter uma síntese do que foram estes três dias turcos do Papa Francisco, podem ver-se as reportagens de Joaquim Franco, na SIC, através destas ligações:

sábado, 29 de novembro de 2014

Vigiar porquê?

Crónica

No seu comentário aos textos da liturgia dominical, Vítor Gonçalves escreve, sob o título Vigiar porquê?:

A atenção à realidade custa porque é preciso escutar os gemidos dos que mais sofrem, dar valor ao que é mesmo importante, fazer caminho com outros para um bem maior e mais universal. Não basta ter coração; é preciso saber se não estará endurecido. Não basta ter ouvidos abertos; é preciso saber se escutamos como Jesus escutava. Não basta ter olhos que veem; é preciso saber se vemos a vida e as pessoas como Jesus via. Não devem as comunidades cristãs ser lugares para aprender a viver despertos?
(Texto integral aqui)

Músicas que falam com Deus (30) - A matriz cristã do cante alentejano

A propósito da declaração do cante alentejano como património imaterial da humanidade, escreve o director do Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja, José António Falcão:

A matriz cristã perpassa todo o património do “cante”. São cristãos os valores por ele difundidos: o culto do Deus Menino, a importância da família e da comunidade, o bem coletivo, o sentido da justiça, o apego à terra e às origens, a dignidade humana, a comunhão com a natureza. Outros valores são caracteristicamente portugueses, e logo alentejanos, como a saudade. Há também reflexos da vida contemporânea, como a tristeza perante o exílio, cantada com notas sentimentais que lembram os Salmos.
O texto integral pode ser lido aqui.


sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Deus ainda tem futuro?

Livro e debates

Três debates assinalam, na próxima semana, no Porto, Coimbra e Lisboa, a publicação do livro Deus Ainda Tem Futuro? (ed. Gradiva). Coordenado por Anselmo Borges, o livro resulta do colóquio internacional Igreja em Diálogo 2013, realizado em Valadares (Gaia), em Outubro de 2013. O livro inclui ainda textos de Javier Monserrat e José Ignacio Gonzalez Faus, que não participaram no colóquio. O prefácio é de Eduardo Lourenço.
Os debates decorrem dias 2, 3 e 4 de Dezembro (terça, quarta e quinta da próxima semana). Nos dois primeiros, o tema é Deus na era da ciência e participam Anselmo Borges, Carlos Fiolhais (professor do Departamento de Física da Universidade de Coimbra) e Javier Monserrat (Universidade Autónoma de Madrid). No Porto, dia 2, o debate decorre na Fundação Cupertino de Miranda (Av. Boavista, 4245), a partir das 21h30. Em Coimbra, dia 3, será às 18h30, na Sala de São Pedro da Biblioteca Geral Universidade.
No dia 4, em Lisboa, na sede do Centro Nacional de Cultura (R. António Maria Cardoso, 68, ao Chiado), a partir das 18h30, o tema é Futuro sem Deus? Aqui, intervêm Anselmo Borges, Guilherme d’Oliveira Martins, presidente do CNC, Javier Monserrat e Miguel Oliveira da Silva, presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.


O livro aborda temas como o problema de Deus e do sentido último da existência; a situação religiosa do mundo contemporâneo; as representações e experiências de Deus no Ocidente e no Oriente; o rosto feminino de Deus; a autonomia da ética; a ciência e a razão; a genética, o animalismo, as neurociências, o trans-humanismo; a natureza e a criação.
Entre os autores estão nomes consagrados da teologia contemporânea como Paul Valadier, Juan Masiá, Andrés Torres Queiruga, González Faus e José Arregui, além de Isabel Gómez-Acebo, uma das autoras importantes da teologia no feminino. De outras áreas do saber vêm nomes como Jean-Paul Willaime, Carlos Fiolhais, Miguel Castelo-Branco, Leandro Sequeiros, Diego Gracia e Javier Monserrat, que cruza a filosofia, a neurologia e a teologia.
No prefácio, com o título Suicidário Ocidente, Eduardo Lourenço escreve: “Questão atrevida e que na verdade soa a blasfémia (ou soaria, se a formulássemos em terras do islão) esta, que sabemos grave como nenhuma outra para ocidentais em vésperas de descerem a noivas catacumbas: Deus ainda tem futuro? Quando aquela, menos vertiginosa mas não menos apocalíptica, seria: o Homem, a Humanidade, ainda tem futuro?”

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

A esquerda, o pensamento social católico e o papa social-democrata

Debate

Na sua coluna semanal no Público, José Pacheco Pereira escreveu um estimulante texto sobre o pensamento social católico, a propósito da polémica acerca da atribuição dos vistos dourados. Sob o título Quem é que cria mais postos de trabalho? O Bloco de Esquerda ou a Remax?, escreve Pacheco Pereira:

Uma das causas desta situação está na relação estabelecida com o dinheiro, porque aceitamos pacificamente o seu domínio sobre nós e sobre as nossas sociedades. A crise financeira que atravessamos faz-nos esquecer que, na sua origem, há uma crise antropológica profunda: a negação da primazia do ser humano. Criámos novos ídolos. A adoração do antigo bezerro de ouro encontrou uma nova e cruel versão no fetichismo do dinheiro e na ditadura de uma economia sem rosto e sem um objectivo verdadeiramente humano.
O texto pode ser lido na íntegra aqui.

Também hoje, o eurodeputado Francisco Assis escreve a propósito dos discursos do Papa em EstrasburgoO texto esquece algumas coisas importantes – o papel de vários padres para o progresso científico actual, por exemplo – e defende que a esquerda deve aceitar o individualismo que o capitalismo permite, esquecendo que foi precisamente o individualismo exacerbado que levou à actual crise. Com o título A esquerda europeia e a Igreja Católica, escreve:

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Jesus foi casado? Talvez não.E isso importa? Talvez sim

Volta e meia, surgem notícias sobre descobertas arqueológicas que vão “alterar” a imagem que temos de Jesus e a “construção” da personagem que foi sendo feita ao longo dos séculos. Claro que já houve descobertas destas. Os Manuscritos de Qumran, por exemplo, ajudaram a entender o contexto do judaísmo que Jesus viveu.
Normalmente, as credenciais científicas dessas supostas descobertas são reduzidas ou aproveitam coincidências várias. Têm geralmente o efeito de provocar uma grande excitação entre muitos meios de comunicação. Foi o que se passou há dois anos, por exemplo, com um fragmento de um papiro onde se lia a frase “Jesus disse-lhes: ‘A minha mulher...’”
Há dias, a excitação voltou a repetir-se com um manuscrito encontrado na British Library por Barrie Wilson e Simcha Jacobovici. Este último, realizador de documentários televisivos, já ficara conhecido, há sete anos, por ter anunciado a descoberta do suposto túmulo da família de Jesus – que depois os especialistas vieram denunciar como sendo de autenticidade duvidosa.
Desta vez, o manuscrito encontrado volta a ser a base para uma tese que, apesar de repetida, é “revolucionária”, como dizia o Expresso/Revista de dia 15: Jesus foi casado e teve dois filhos (mas a notícia foi reproduzida em muitos outros meios de comunicação, como se pode ver por este exemplo). O documento analisado por Wilson e Jacobovici é uma cópia do século VI de um texto do século I, intitulado A História Eclesiástica de Zacharias Rhetor. O texto apresenta a história de um tal José, que tem muitas semelhanças com a história de Jesus de Nazaré: origens humildes, coroado “rei”, foi morto e ressuscitou. Além disso, José teria sido casado com Aseneth, que para os autores é Maria Madalena...



Ticiano, Jesus e Maria Madalena (pormenor; imagem reproduzida daqui)

Para recordar os contornos desta tese “revolucionária” – mesmo que repetida à exaustão e sem nada de científico para a sustentar –, reproduzo a seguir um texto que publiquei no Público em 28 de Setembro de 2012, com o título Jesus foi casado? Talvez não. E isso importa? Talvez sim.

“Jesus disse-lhes: ‘A minha mulher...’” Esta frase, inscrita num fragmento de um papiro copta ainda não rigorosamente datado e de proveniência desconhecida, ateou de novo o debate: afinal, Jesus foi casado ou não?
E isso deveria ter repercussão na atitude do cristianismo em relação às mulheres, tendo em conta os textos fundadores e a doutrina de Jesus?
Antes de discutir esses temas, há entretanto a questão do valor histórico do documento revelado por Karen L. King. A investigadora da Harvard Divinity School foi a primeira a reconhecer que é cedo para tirar conclusões. 

terça-feira, 25 de novembro de 2014

A pintura e a poesia nos apelos do Papa à Europa para manter viva a democracia dos povos


Rafael, Escola de Atenas (ilustração reproduzida daqui)

A Escola de Atenas, de Rafael, e a poesia do italiano Clemente Rebora. Foram essas as duas imagens utilizadas esta manhã, para os dois discursos europeus do primeiro Papa latino-americano. Que insistiu na exigência de manter viva a democracia, dar centralidade (e sacralidade) à pessoa humana, enfrentar a pobreza, assumir uma realidade multipolar e o diálogo intercultural, acolher os imigrantes, voltar a ser capaz de religar a abertura dos europeus ao transcendente com a sua capacidade de enfrentar problemas.
Numa curta visita de quatro horas a Estrasburgo (França), cidade da Alsácia, ela própria símbolo das guerras que dividiram povos europeus durante séculos, o Papa Francisco fez dois discursos cuja profundidade, mensagem e acutilância são raríssimas na actual geração de líderes políticos da Europa.
O Papa começou por se dirigir aos deputados do Parlamento Europeu (PE), convidando-os a “manter viva a democracia dos povos da Europa” e recusando concepções totalizantes que destroem o que é “fecundo e construtivo” no “rico confronto das organizações e dos partidos políticos entre si”. E acrescentou: “Manter viva a realidade das democracias é um desafio deste momento histórico, evitando que a sua força real – força política expressiva dos povos – seja removida face à pressão de interesses multinacionais não universais, que as enfraquecem e transformam em sistemas uniformizadores de poder financeiro ao serviço de impérios desconhecidos. Este é um desafio que hoje vos coloca a história.” (aqui pode ler-se a tradução completa do discurso em português, embora a tradução tenha vários erros; aqui estão disponíveis versões em outras línguas)
Este é porventura o parágrafo central da mensagem do Papa, já que nele se condensa o essencial da sua mensagem no PE, mais de 25 anos depois de João Paulo II ter estado no mesmo hemiciclo – o que significa que “muita coisa mudou na Europa e no mundo inteiro”, que é cada vez menos “eurocêntrico”. Manter viva a democracia, disse o Papa, traduz-se em “dar esperança à Europa”, o que “não significa apenas reconhecer a centralidade da pessoa humana, mas implica também promover os seus dons”. E isso deve acontecer em âmbitos como a educação e a família ou em aspectos como a promoção de “políticas de emprego”.
Já quase no final do discurso, o Papa insistiria mesmo: “Chegou a hora de construir juntos a Europa que gira, não em torno da economia, mas da sacralidade da pessoa humana, dos valores inalienáveis (...). Chegou o momento de abandonar a ideia de uma Europa temerosa e fechada sobre si mesma para suscitar e promover a Europa protagonista, portadora de ciência, de arte, de música, de valores humanos e também de fé. A Europa que contempla o céu e persegue ideais; a Europa que assiste, defende e tutela o homem; a Europa que caminha na terra segura e firme, precioso ponto de referência para toda a humanidade!”

O cemitério do Mediterrâneo e os olhos na Turquia

A questão migratória mereceu uma referência dura: “Não se pode tolerar que o Mar Mediterrâneo se torne um grande cemitério! Nos barcos que chegam diariamente às costas europeias, há homens e mulheres que precisam de acolhimento e ajuda. (...) A Europa será capaz de enfrentar as problemáticas relacionadas com a imigração, se souber propor com clareza a sua identidade cultural e implementar legislações adequadas capazes de tutelar os direitos dos cidadãos europeus e, ao mesmo tempo, garantir o acolhimento dos imigrantes; se souber adoptar políticas justas, corajosas e concretas que ajudem os seus países de origem no desenvolvimento sociopolítico e na superação dos conflitos internos – a principal causa deste fenómeno – em vez das políticas interesseiras que aumentam e nutrem tais conflitos. É necessário agir sobre as causas e não apenas sobre os efeitos.”

domingo, 23 de novembro de 2014

O cuidado e a radicalidade, segundo Jesus (e como missão do clero e dos crentes)

Crónicas

No seu comentário aos textos da liturgia católica deste domingo – festa litúrgica de Cristo-Rei –, Vítor Gonçalves escreve, na Voz da Verdade, sobre A grande surpresa:

Jesus fala de comida, de roupa, de um teto, de doença e prisão. Concretiza a proximidade em gestos simples, directos, sem aprovações ou burocracias de estruturas: dar de comer, de beber, vestir, acolher, visitar, cuidar. Cuidar dos que sofrem é a razão da sua vinda a este mundo. Como fariam sentido tantos milagres de Jesus senão pelo desejo de Deus em curar, perdoar, libertar, salvar? A vida como Deus a quer implica o esforço em libertar as pessoas do sofrimento. Em procurar e arrancar as raízes de tudo o que prolonga o sofrimento no tempo, principalmente o sofrimento que a indiferença, a ganância, a preguiça, a violência geram. 
(texto integral aqui)

No Público, frei Bento Domingues tomava também a parábola do Juízo Final para perguntar Que rei é este?:

É precisamente destes que trata a terceira e a mais solene das parábolas: o Senhor da História universal chama a contas o mundo inteiro. O que divide ou separa as pessoas e as julga é a atitude concreta que tiveram ou têm em relação àqueles que nada podem fazer por si mesmos.
A radicalidade religiosa da parábola e o último teste do sentido da vida, presente no desenrolar do mundo, espanta tanto os que procedem bem como os que procedem mal. Na hora da sentença, o juiz desta parábola identifica-se com aqueles que foram socorridos ou esquecidos: tive fome e deste-me de comer (ou não), estive doente e foste visitar-me (ou não)…
(texto integral aqui)


No Correio da Manhã de sexta-feira, Fernando Calado Rodrigues tomava o caso d’O padre de Canelas, na diocese do Porto, para reflectir sobre o papel do clero:

Nós, os padres, podemos fazer muito mal à Igreja e por vezes não resistimos à tentação de o fazer. É isso que acontece quando perdemos o sentido da nossa missão e nos deixamos levar pelas nossas conveniências. Nessas alturas instrumentalizamos o ministério, e até as pessoas, para conseguir os nossos objetivos.
(texto integral aqui)

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Ellacuría e companheiros: seguir Jesus até ser morto violentamente por quem recusa os caminhos de Deus

Memória


(ilustração reproduzida daqui)

Em 1977, na revista Mission Abierta, escrevia o padre Ignacio Ellacuría num artigo com o título Porque morre Jesus e porque o matam: “A comemoração da morte de Jesus até que ele volte não se realiza adequadamente numa celebração cultual e mistérica, nem numa vivência interior da fé, mas há-de ser a celebração crente de uma vida que segue os passos de quem foi morto violentamente por quem não aceita os caminhos de Deus, tal como foram revelados por Jesus.”
Texto profético, este. A 16 de Novembro de 1989 – fez domingo passado 25 anos – militares salvadorenhos assassinaram barbaramente Ellacuría e mais cinco companheiros – todos eles padres jesuítas e professores na Universidade Centro Americana (UCA), de El Salvador – além de duas mulheres (mãe e filha), funcionárias da UCA.
Filósofo e teólogo brilhante, um dos expoentes da teologia da libertação, Ellacuría, nascido em 1930, dizia, no texto citado, que Jesus foi morto “pela vida que teve e pela missão que cumpriu”. E acrescentava: “Se desde um ponto de vista teológico-histórico pode dizer-se que Jesus morreu pelos nosso pecados e para salvação dos homens, desde um ponto de vista histórico-teológico há-de sustentar-se que o mataram pela vida que teve. Não foi por acaso que a vida de Jesus fosse como foi; não foi tão pouco ocasional que essa vida levasse à morte que teve. A luta pelo Reino de Deus supunha necessariamente uma luta em favor do homem injustamente oprimido; esta luta levou-o ao confronto com os responsáveis dessa opressão. Por isso morreu e nessa morte venceu-os.”
Este texto, que pode ser lido em castelhano, na íntegra aquifoi um dos muitos publicados por Ellacuría que, mesmo tendo chegado a reitor da UCA, nunca deixou de se interessar pela sorte dos mais pobres, como se pode ler neste perfil biográficoonde se evoca o carácter de um homem que incomodava todos os poderes – quer os militares e governos salvadorenhos, quer os oligarcas do país, como também os Estados Unidos, nessa altura fortemente empenhados em apoiar as ditaduras e os governos militares latino-americanos, quer ainda os rebeldes da FMLN – Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional. (Aqui podem encontrar-se notas biográficas sobre todos as vítimas do atentado de 1989)

Barbárie e vítimas, conservar ou arriscar?

Crónicas

No último número da Voz da Verdade, comentando os textos da liturgia católica de domingo passado, Vítor Gonçalves fazia uma pergunta: Conservar ou arriscar?

fazer render o que somos e temos implica trabalho, risco, perigos, criatividade, abertura aos outros, aprendizagem com os erros, tristezas e alegrias. São sinais de vida. Sem coragem para explorar o desconhecido, para tentar o que nunca foi tentado, para ensaiar mais e melhor a força do Evangelho, nunca saberemos o que Deus gostaria de ter feito connosco! 
(texto completo aqui)

No Público do último domingo, frei Bento Domingues escrevia, respondendo também a uma pergunta – Regresso à Barbárie?:

Dito isto, parece-me um abuso responsabilizar a divindade pelas configurações sociais das religiões, mesmo quando algumas gostem de exibir essa pretensão. Deus não é hindu, judeu, budista, cristão, maometano, baha’i, etc.. Se fosse Ele a ditar os escritos fundadores dessas religiões estaria, de facto, em concorrência consigo mesmo.
(texto completo aqui)

No DN de sábado passado, Anselmo Borges escrevia sobre Moral, vítimas e Deus; transcreve-se a seguir o texto:

Após conflitos e condenações, a Igreja reconheceu a legítima autonomia das realidades terrestres, o que significa que, por exemplo, a ciência, a medicina, a política, a economia se regem pelas suas própria leis, sem a tutela da religião. Sobretudo quando se olha para o mundo islâmico, fica bem patente a importância desta autonomia nomeadamente na política, exigindo a separação da Igreja e do Estado.
Também a moral é autónoma. Aliás, na perspectiva cristã, autonomia e teonomia acabam por coincidir, na medida em que, se Deus cria por amor, então a plena e adequada realização humana, que deve constituir a norma e o critério da acção humana boa, coincide com a vontade de Deus, cujo único interesse são as criaturas totalmente realizadas: a vontade de Deus é o bem da criatura. 

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Morreu o poeta, ficou a poesia

Crónica

No Página Um/Rádio Renascença, Manuel Pinto evocou também a poesia de Manoel de Barros, já aqui lembradocuja morte aconteceu na semana passada:

Era já poderoso na arte da palavra, da imagem e do desconcerto: “Uso a palavra para compor meus silêncios./ Não gosto das palavras/ fatigadas de informar./ Dou mais respeito/ às que vivem de barriga no chão/ tipo água pedra sapo./ Entendo bem o sotaque das águas/ Dou respeito às coisas desimportantes/ e aos seres desimportantes.” 
(texto completo aqui)

domingo, 16 de novembro de 2014

Um Observatório para a Liberdade Religiosa




Conscientes do momento especial que se vive no campo da Liberdade Religiosa, quer em termos nacionais, com uma delicada situação institucional, quer em termos internacionais, onde a violência, uma vez mediatizada, atinge limites de banalização que não se pensavam possíveis, um grupo de cidadãos ligados à investigação e à comunicação do Fenómeno Religioso, decidiram criar um instrumento isento e independente para observar e sinalizar a Liberdade Religiosa.
Acolhido pela área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona, o Observatório para a Liberdade Religiosa (OLR) está desde já aberto a todos os cidadãos, investigadores ou não, religiosos ou não, para rapidamente criar uma dinâmica de efectiva monitorização da Liberdade Religiosa.
Coordenado nesta fase inicial pelos investigadores Alexandre Honrado e Joaquim Franco, o Observatório para a Liberdade Religiosa apresentará nos próximos dias um web site e realizará uma conferencia de imprensa para apresentar mais detalhadamente os seus princípios norteadores (que seguem abaixo).

Princípios do Observatório para a Liberdade Religiosa (OLR):
- O Observatório para a Liberdade Religiosa (OLR) nasce por iniciativa cívica e académica, tendo como principal missão a observação do Fenómeno Religioso, no respeito pelo princípio das liberdades associativa, individual e de consciência.

Elogio das “pessoas desimportantes” e das “coisas que não levam a nada”

Crónica


Ilustração de Manoel de Barros, reproduzida daquionde também 
se pode ver o trailer do filme sobre o poeta Só Dez Por Cento é Mentira 
e aceder a ligações para poemas do autor de Arranjos para Assobio


Hoje, na sua crónica d’Os Dias da Semana, no Diário do Minho, que a seguir se transcreve, Eduardo Jorge Madureira Lopes escreve sobre Manoel de Barros, cuja morte já foi referida aqui no blogueOs interessados podem ler as quatro páginas do caderno especial que o jornal brasileiro O Povo dedicou ao poeta que “deu voz ao ínfimo da vida”.


Texto de Eduardo Jorge Madureira

Os negócios com humanos estão em tempos favoráveis. Entre os mais lucrativos, encontram-se os relativos ao tráfego (de tráfico falaremos noutra ocasião) de pessoas. No hemisfério sul, os lugares nos barcos, que, quando não naufragam, a Europa enxota, têm preços cada vez mais elevados. Até para escapar à miséria – da fome, umas vezes; da guerra, outras; das duas, frequentemente –, é preciso dispor de dinheiro em abundância e quase sempre, todavia, insuficiente. Para ser admitido na casta gold de cidadania, que se inventou no lado norte ocidental do planeta, é requerida riqueza muito maior ou muito maior astúcia. O mundo parece de feição para quem fomenta, beneficia e gaba o comércio de pessoas.
Mas há quem dedique uma vida inteira a valorizar o que não tem valor. É o caso de Manoel de Barros, que morreu na quinta-feira, com 97 anos, um dos mais originais criadores da literatura de língua portuguesa contemporânea. Na sexta-feira, os jornais brasileiros deram a notícia na primeira página e, em alguns casos, como o de O Povo, de Fortaleza, publicaram cadernos especiais com textos de Manoel de Barros. Um título acertado, de O Popular, do município de Goiânia, dizia: “O país perde um dos seus maiores poetas”. Não erraria se tivesse acrescentado que a perda é da língua portuguesa.
O poeta brasileiro foi um dos mais singulares cultores de “pessoas desimportantes”, de “coisas que não levam a nada”, do “que você não pode vender no mercado”, para referir alguns exemplos que se encontram na lista do que importa à poesia. Do que é, pois, verdadeiramente importante. “Todas as coisas apropriadas ao abandono me religam / a Deus / Senhor, eu tenho orgulho do imprestável!”, diz Manoel de Barros numa parte de um poema.

Um Papa que não foge, antes vai ao encontro do difícil

A Igreja e a relação com os media é o título da crónica que o padre Paulo Terroso publicou quinta-feira no suplemento Igreja Viva, do Diário do Minho. No texto, o autor analisa o trajecto do Papa na relação com os jornalistas, com referência à sua própria estratégia comunicativa, e escreve:

Francisco não tem uma agenda demasiado preenchida para receber os jornalistas. Francisco não recusa entrevistas, mesmo quando está em viagem. Francisco não se esconde e se escuda numa muralha de silêncio perante os escândalos. Francisco não foge dos jornalistas, muito pelo contrário, vai ao encontro deles. Francisco responde a todas as perguntas incómodas e difíceis colocadas pelos jornalistas, mas que são legítimas.
(O texto pode ser lido na íntegra aqui.)

sábado, 15 de novembro de 2014

Manoel de Barros, a poesia amarrada ao poste (19 de Dezembro de 1916 - 13 de Novembro de 2014)


In Memoriam


(Ilustração reproduzida daqui)

No momento do enterro do pai, a filha do poeta Manoel de Barros recitou um verso de que o autor gostava muito: “Do lugar onde estou, já fui embora”.
Manoel de Barros foi-se embora. Ou, como disse a neta, Joana de Barros, citada n'O Globo, “Ele virou passarinho”.
O autor de Arranjos para Assobio (1980) tinha um segredo para a sua arte, como recorda Luís Miguel Queirós no obituário que escreveu no Público: “Minhocas arejam a terra, poetas a linguagem.” No documentário Só dez por cento é mentira (2008), de Pedro Cezar, respondendo sobre como gostaria de ser lembrado, teve a seguinte resposta: “A gente nasce, cresce, amadurece, envelhece, morre. Para não morrer, tem que amarrar o tempo no poste. Eis a ciência da poesia: amarrar o tempo no poste”.
Amarre-se, então, ao poste, um dos exemplos da ciência de Manoel de Barros:

Venho de nobres que empobreceram.
Restou-me por fortuna a soberbia
Com esta doença de grandezas:
Hei de monumentar os insetos!
(Cristo monumentou a Humildade quando beijou os pés dos seus discípulos)
São Francisco monumentou as aves
Vieira, os peixes
Shakespeare, o Amor. A Dúvida, os tolos.
Charles Chaplin monumentou os vagabundos.
Com esta mania de grandeza:
Hei de monumentar as pobres coisas do chão mijadas de orvalho.

(Manoel de Barros, Poesia completa, ed. Caminho, 2011) 

(um agradecimento a Eduardo Jorge Madureira)