quarta-feira, 4 de junho de 2014

Banqueiro na/da Obra

  A propósito do livro que acaba de ser editado com as memórias de Jorge Jardim Gonçalves, da autoria de Luís Osório, Religionline recorda aquela que foi a primeira entrevista dada pelo banqueiro sobre a sua condição de membro "supranumerário" da Opus Dei. Foi em 2006, para uma Grande Reportagem SIC, sobre a obra em Portugal. 
   
   Jorge Jardim Gonçalves é um nome incontornável da Opus Dei em Portugal. Conheceu a controversa organização em Madrid, depois da revolução de Abril 1974. Em Espanha trabalhou no Banco Popular, na altura liderado por um membro da Opus Dei. Quando regressou a Portugal, assumiu a presidência do BPA e foi convidado em 1985, por um grupo de empresário do Norte, a fundar um novo banco com capitais privados – o BCP. Era o início de um império financeiro, hoje sob a designação Millennium BCP. Em 2005, cedeu o lugar a Paulo Teixeira Pinto, também ele membro da Opus Dei. 
    
    Em 2006, e pela primeira vez, Jorge Jardim Gonçalves aceitou falar abertamente sobre as alegadas relações entre a Opus Dei e o banco que fundou. Na Grande Reportagem SIC passaram apenas alguns excertos. Aqui transcrevemos e entrevista na íntegra:

   Joaquim Franco (JFR)- Em que circunstâncias conheceu a Opus Dei? 

  Jorge Jardim Gonçalves (JJG)- Tive um primeiro contacto quando estava na Universidade de Coimbra, convidaram-me para assistir a uma meditação numa residência e a uma outra na capela da universidade. Mas só em Espanha, através dos colégios criados por uma cooperativa de pessoas da “obra”, onde os meus filhos foram integrados, conheci verdadeiramente a Opus Dei.


   JFR- O que o cativou logo nessa altura na Opus Dei?

   JJG - Nos colégios, foi a atitude de grande respeito pelo papel preponderante que a família tinha de ter na educação dos filhos. Quem tinha a primeira responsabilidade era a família. Achei isto muito certo. Fascinei-me também pelo profissionalismo dos docentes e a figura do professor-tutor que tem obrigação de ouvir a família - mãe e pai. Este exemplo nos colégios foi algo que me marcou, a mim e à minha mulher.

   JFR- E foi isso que levou à sua entrada na Opus Dei?

   JJG - Desde pequeno tive uma educação católica, o meu irmão mais velho que é sacerdote (mas não é da Opus Dei). E pareceu-me, naquela altura da minha vida, que a proposta da Opus Dei era a adequada. Em Angola estive nos Cursilhos de Cristandade, em estudante estive na Acção Católica, já casado estive nas Equipas de Nossa senhora, mais pequeno ainda estive nas Conferências de S. Vicente de Paulo… em diferentes fases da minha vida fui tendo respostas diferentes. A Opus Dei foi o meio que encontrei naquela altura para receber formação católica.

   JFR- E segue todas as normas de rigor disciplinar propostas pela Opus Dei?

  JJG - Eu não vou à missa diariamente apenas porque pertenço à Opus Dei. A obra dá-nos um programa de vida para cultivar uma grande proximidade com Deus, um sentido de filiação de vida. É evidente que se não vou à missa, se não me confesso, se não sigo os sacramentos da igreja, é mais difícil adoptar o modelo Opus Dei. Eu não tenho dificuldade nenhuma em seguir estas normas de vida, serenamente. Não é uma carga, é uma maneira de estar.

   JFR- Também faz apostolado no dia a dia?

  JJG - Se entendo que este é o melhor processo para viver e depois morrer, porque não hei-de o partilhar com outros? Portanto, tanto fazer com que os meus próximos venham a desfrutar desta possibilidade. É só isso. Para mim, o apostolado é natural e fluído. É como respirar.

   JFR- O mundo financeiro é compatível com a mensagem cristã?

  JJG - O mais possível. O mundo ama-se, trata-se, gere-se. E o mundo financeiro não é diferente. Pode haver profissões que facilitem mais que outras. Mas tudo aquilo que é trabalho humano, tendo qualidade pode ser oferecido a Deus. Creio que o mais importante é que haja cada vez menos “amoralidade”, porque ainda é mais grave que a “imoralidade”.

  JFR- Está a dizer que a Opus Dei, enquanto estrutura organizada, pretende “moralizar” o mundo financeiro?

  JJG - A Opus Dei trata de cada pessoa. Não há programas ou planeamentos. A prelatura tem pessoas com responsabilidade – sacerdotes e leigos, com função de direcção -, e aí tratam de cada pessoa. Cada um ouve, procura gerir a sua atitude e rever o seu programa de vida. E aí está a multiplicação…

“Sobre a escolha de um presidente para um banco, a Igreja não é sábia”

  JFR- Então como é que a Opus Dei – a título pessoal - o influencia profissionalmente?

  JJG - Em todas as coisas, há que fazê-las bem para as oferecer a Deus.

  JFR- O banqueiro é influenciado pelo supranumerário…


JJG - (pausa) Não… penso é que qualquer membro da Opus Dei é um privilegiado porque tem sempre apoio para, com toda a liberdade, fazer as suas escolhas e ter as suas opções. Mas são sempre pessoais. Nunca ninguém intervém dizendo”faz assim ou de outra maneira”.

  JFR- No seu meio profissional, promove estes princípios?

  JJG - Tento ser fonte de confiança de quem trabalha comigo. Tento ser ponto de apoio de quem trabalha comigo e tento apoiar-me nas pessoas que trabalham comigo. É toda uma convivência natural. Não estou a usar as pessoas para o que quer que seja, nem ninguém me usa.

  JFR- A Opus Dei tem uma vocação para as elites. Sente essa responsabilidade no seu desempenho profissional?

  JJG - No início, junto dos universitários, a Opus Dei teria mais essa vocação. Hoje, a Igreja é o povo de Deus e a Opus Dei está junto de toda a espécie de pessoas. E se todas as pessoas fizerem bem as coisas derramarão qualidade. Há preocupação de elites, no sentido de pessoas que busquem, sem soberba e conscientes das suas fragilidades, a excelência e a qualidade.

  JFR- Mas a ideia que há é a de uma organização com gente das elites…

  JJG - Tentamos fazer tudo bem, com respeito e carinho por quem mais precisa. Até na correcção das pessoas, seja de familiares ou colegas de trabalho. É um grande apelo à busca da qualidade, mas cada um à sua medida.

  JFR- Encontra nos membros do Opus Dei essa “qualidade”, a confiança na “qualidade”?

  JJG - Eu só conheço os que conheço. Há muita gente que não frequenta a Opus Dei e preserva valores tão excelentes como os defendidos pelos membros do Opus Dei, na tentativa de fazer melhor as coisas. Não há aqui uma atitude de exclusividade. (riso) Nem há uma afirmação do género “ali estão os melhores”. De maneira nenhuma. Na minha vida, por onde fui andando vi gente muito boa… e alguns não se benzem.

  JFR- Mas um membro do Opus Dei, responsável por uma empresa, recorre profissionalmente a outros membros do Opus Dei…

  JJG - Não é verdade. Veja o meu exemplo. Tenho à minha volta, e com grande intimidade, pessoas das mais diversas sensibilidades. E muitas vezes as pessoas que me rodeiam foram-me atribuídas porque o facto de ter sido presidente do banco e agora estar no Conselho Superior são, a esse nível, momentos de isolamento. Temos de ser apoiados por pessoas que nos indicam e não há esse critério… 

  JFR- Há ou não influência da Opus Dei no BCP?

  JJG - Nenhuma. (riso) Quando foi de ajudar o Conselho Superior a encontrar um novo presidente para o banco eu não falei a ninguém sobre orientação pessoal em relação à Opus Dei. E falei praticamente com 60 pessoas, todas elas da estrutura dos órgãos sociais do banco. Nada… tudo o que é Igreja não foi metido nisso. A Igreja sabe de muita coisa mas sobre a escolha do presidente de um banco, a Igreja não é sábia.Era um tema que me dizia respeito no sentido de apontar, depois podia ou não ser aceite. Mas o respeito pelo “profissional” e pela “instituição” é total.

 JFR- Como explica o facto de o novo presidente do banco ser também membro supranumerário do Opus Dei?

  JJG - Podia ser da paróquia de Fátima ou da paróquia de Alfornelos, podia estar ligado a qualquer outro grupo da igreja ou não ter qualquer ligação… o importante era que fosse uma pessoa que inspirasse confiança no mercado, que fosse respeitado pelos reguladores, pelas autoridades, pela maioria dos accionistas…

  JFR- Está a dizer-me que é apenas uma coincidência?

  JJG – É uma coincidência. Ele ser da Opus Dei é um problema dele. Eu ser da Opus Dei é um problema meu. Nunca falamos sobre isso. Cada um tem os seus caminhos. E o banco sabe disso. A escolha teve a ver com o que a pessoa é e pode continuar a ser. Com as expectativas de desenvolvimento e com toda a equipa que estava comigo. A proximidade à Opus Dei não é chamada a isto. As pessoas da prelatura tiveram certamente a mesma surpresa que os jornalistas, quando o nome do sucessor foi conhecido. Coloco a questão de outra forma. Era injusto se o nome dele fosse rejeitado, pelo facto de ser da Opus Dei. Seria atentar contra a minha liberdade de poder indicar a pessoa mais capaz no meu critério. O Dr. Paulo Teixeira Pinto esteve 10 anos a trabalhar directamente comigo.

  JFR- Algumas decisões no passado (o caso das mulheres não integradas de início nos quadros do banco) têm sido relacionadas com a prática na Opus Dei!

  JJG - As pessoas confundem as coisas. Sobre esse tema do “sexo do banco”, fartei-me de dizer que a minha avó foi profissional, a minha mãe foi profissional, a minha mulher e as minhas filhas são profissionais. É um disparate, e uma análise extremamente superficial, tentar dizer que houve discriminação.

  JFR- A que se deve, a seu ver, a ideia negativa e generalizada sobre a Opus Dei?

  JJG - Acho que 80 anos é muito pouco na história de uma instituição da Igreja. A própria solução jurídica para integrar a organização…


  JFR- Que foi igualmente polémica…

  JJG - Sim, mas é uma solução muito recente. Dentro de uns anos já ninguém falará disso.

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