Os defensores do papa Francisco dentro da Igreja ainda não apareceram. E mais: na Cúria Romana, ou seja, a partir dos prelados que trabalham no Vaticano, está ocorrendo uma difícil batalha entre o projeto reformista do pontífice argentino e seus opositores que, com uma resistência passiva e com a inércia, fazem com que as coisas não mudem. Esta é a tese que sustenta em seu último livro, “Francesco tra i lupi” (Francisco entre os lobos, Editora Laterza), um dos mais importantes vaticanistas da Itália, Marco Politi. Politi começou a trabalhar como jornalista vaticano em 1971, em dois grandes jornais da capital italiana: Il Messaggero e La Repubblica. Atualmente é colunista do jornal Il Fatto Quotidiano. “Francisco entre os lobos” é seu oitavo livro, todos relacionados com sua experiência vaticana.
Na entrevista, Politi mencionou vários dos ásperos assuntos com os quais Francisco precisa lidar cotidianamente e a respeito dos problemas de segurança que pode enfrentar. No livro, cita declarações do juiz antimáfia da Calábria, Nicola Gratteri, que disse: “A máfia financeira foi perturbada em seus tráficos por um pontífice que rema contra o luxo, é coerente, é credível (...). Se os mafiosos pudessem lhe dar uma rasteira, acredito que não hesitariam (...). Não sei se a criminalidade organizada está em condições de fazer algo, mas certamente está refletindo sobre o assunto. Pode ser muito perigoso”.
A entrevista é de Elena Llorente, publicada por Página/12, 03-06-2014. A tradução é do Cepat e foi publicada há dias pela Newsletter do Instituto Humanitas da Unisinos, Brasil.
Eis a entrevista:
Quem são os “lobos” de seu livro?
Os lobos são os adversários do papa Francisco na Cúria e fora da Cúria, mas também no mundo econômico, sobretudo quando aponta seu dedo em nível global contra as injustiças da gestão da economia. Ele não é contra a economia de mercado, mas ataca a gestão dessa economia, sobretudo financeira. Todos aplaudem, mas ninguém dá um passo. Há uma forte resistência passiva ao Papa, no campo econômico, em razão das mudanças que está fazendo na estrutura econômica da Santa Sé, entre outros no IOR, o banco vaticano. Na Itália, há uma série de entrelaçamentos entre monsenhores e gente de negócios, inclusive ex-membros dos serviços secretos. Um caso foi o de monsenhor Scarano(hoje preso), que tentou carregar 20 milhões de euros ilegalmente da Suíça, em um avião. Quem pilotava o avião era um ex-membro dos serviços secretos.
No livro, você menciona as palavras do juiz Gratteri. Pensa que seria possível um atentado contra Francisco?
Francisco está tocando grandes interesses e o alerta de Gratteri é muito sério. O Papa não quer medidas de segurança especiais. Decidiu encomendar-se completamente à Providência. A gendarmaria vaticana está aterrorizada pelo fato de que beba, como se não fosse nada, de um recipiente que alguém do público lhe oferece durante suas audiências gerais.
Está em curso uma batalha muito séria entre o projeto reformista de Francisco e as oposições. Os opositores são diversos e na hierarquia eclesiástica, tanto em Roma como fora de Roma, não se manifestam abertamente. Esta oposição silenciosa se manifesta por meio de portais na Internet que são muito agressivos. Há muitos, de pequenos grupos católicos, que antes não eram importantes, mas que agora são nutridos pelos opositores. Há portais deste tipo na Itália, na Alemanha, na América Latina. Acusam o Papa de demagogia, de populismo, de diminuir o primado papal, de levar a uma “protestantização” da Igreja e de falar muito de pobreza.
Todos os opositores coincidem nas críticas?
Não. Por isso falo de oposições, no plural. Porque pode haver prelados que estão em favor de um ponto e contra outro. Por exemplo, pode haver prelados que dizem: “sim, vamos dar comunhão aos divorciados em segunda união”, mas que não aceitam que as mulheres cheguem a cargos de poder na Igreja. Ou pode haver outros que pensam que não se deve ser tão duro com os homossexuais, mas que se opõem claramente ao matrimônio homossexual. Entre os que votaram neste Papa, há alguns que dizem, sempre privadamente, que fala muito. Os que fazem estas críticas são, em sua maioria, prelados não europeus. As oposições também se manifestam por meio de uma resistência passiva e da inércia. Dizem “sim, sim”, mas depois não fazem nada. Estão somente observando. Alguns porque estão desorientados ou porque esperam as resoluções do comitê de cardeais assessores, conhecido como G8, para reagir, outros porque esperam que outros reajam antes. Há quem quer esperar as resoluções do Sínodo dos Bispos de outubro sobre a família.
Alguns também criticam o seu estilo, sua simplicidade...
Francisco é afetuoso, quer que o Papa seja ao mesmo tempo bispo e sacerdote. Também João Paulo II era afetuoso, mas ele era um imperador que ia até o povo, enquanto que Francisco se coloca no mesmo nível do povo. Quer humanizar a figura do Papa, quer que deixe de ter essa áurea de imperador romano. E nem todos veem isto com bons olhos. Na Cúria, às vezes, justificam, dizendo que é seu estilo latino-americano. Porém, apresentando-lhe deste modo, na realidade, querem diminuir suas novidades. Ou seja, querem dizer que se trata de uma coisa pessoal, não de uma mudança da Igreja.
Que importância teve, em todas estas mudanças, a experiência argentina de Francisco?
Acredito que o Papa foi marcado profundamente por sua experiência em Buenos Aires. Francisco é o único Papa da época moderna, em absoluto, que vem de uma metrópole. Ele não vem “do fim do mundo”. Ele vem de uma metrópole com mais de 15 milhões de habitantes, onde há de tudo: super-ricos que vivem como europeus, situações de pobreza ou de quase escravidão. Nenhum pontífice teve esta experiência. João Paulo II vinha de uma pequena cidade polaca;Ratzinger de uma pequena cidade da Baviera; João XXIII de um povoado do norte da Itália. Todos estes papas vinham do mundo católico. Francisco vem de uma realidade onde convivem culturas, religiões e etnias diferentes. E isso lhe dá uma abertura que outros papas não tiveram. É a primeira vez, por exemplo, que um pontífice leva consigo um muçulmano ao Muro das Lamentações em Israel...
Com um ano e meio de pontificado, os “lobos” podem acurralá-lo?
No Vaticano, há um núcleo duro, rígido, ao qual pertencem vários cardeais. Porém, o objetivo de Francisco é desenvolver uma estratégia inclusiva. Ele não quer criar o partido dos “bergoglianos”. No G8, por exemplo, estão todas as tendências, conservadores como o cardeal australiano George Pell, centristas como o alemão Reinhard Marx e reformistas como o hondurenho Oscar Rodríguez Maradiaga e o estadunidense Sean Patrick O’Malley. Franciscopersegue uma estratégia inclusiva: é seu método como Papa.
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