segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Um Papa que acolhe e corrige e o milénio de excomunhão entre católicos e ortodoxos

Crónicas

Nas crónicas do último fim-de-semana, dois dos textos retomam o discurso do Papa aos responsáveis da Cúria Romana, por ocasião da saudação natalícia. Anselmo Borges escrevia sábado no DN sobre o Catálogo das doenças da Cúria:

Francisco é consciente de que, sem reformas estruturais na Igreja, corre o risco de, desaparecendo ele, o seu pontificado vir a ser considerado como um simples parêntesis. Por isso, invocou a urgência de conversão da Cúria. Fê-lo, à luz do Evangelho, frente à Cúria e sabendo que a maior parte da Igreja e da opinião pública mundial está do seu lado.
(texto disponível na íntegra aqui)


Fernando Calado Rodrigues escrevia, sexta-feira, no Correio da Manhã, sob o título Papa acolhe e corrige:

O Papa Bergoglio, pelo contrário, propõe uma mensagem de acolhimento aos que estão distantes, sobrepondo a misericórdia à lei. E tem palavras de rigor, e de muita exigência, para o interior da Igreja, a começar pela Cúria. É um Papa que acolhe e que corrige.
(texto disponível na íntegra aqui)


Domingo, no Público, frei Bento Domingues também terminava o seu texto com uma referência ao tema. Mas o assunto principal era ainda uma análise à relação entre catolicismo e ortodoxia, a pretexto da recente viagem do Papa a Istambul e da assinatura da declaração comum entre o Papa Francisco e o Patriarca Bartolomeu. Com o título Um milénio entre a excomunhão e a bênção, escrevia:

Não é uma Declaração para servir as respectivas “sacristias”, mas para colocar as duas Igrejas no horizonte das suas responsabilidades no mundo, escutando as suas vozes: a voz dos pobres, que pedem uma ajuda material necessária em muitas circunstâncias, mas sobretudo que os ajudemos a defender a sua dignidade de pessoas humanas e a lutar contra as causas estruturais da pobreza; a voz das vítimas dos conflitos, em diversas partes do mundo - conflitos, muitas vezes entre grupos religiosos; a voz dos jovens, que vivem sem esperança, dominados pelo desânimo e resignação e que vão buscar a alegria apenas à posse de bens materiais e na satisfação das emoções do momento. Devemos encorajar as multidões de jovens, ortodoxos, católicos e protestantes, que se reúnem em Taizé, apressando o momento da unidade de todos. 
(texto disponível na íntegra aqui)

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Presépios: um arauto a gritar às trincheiras

No livro Neste Natal – Poemas e Presépios, escreve Lopes Morgado, sob o título Foi Então:

Foi então   que o Arauto
Assomou no horizonte
E gritou às trincheiras

“Desatai o calçado
Libertai-vos da roupa
que tingistes de sangue
Seja tudo atirado
à fogueira   e queimado
Vesti roupas lavadas
e dançai na campina
a canção do embalo (...)”

Não é a primeira vez que Lopes Morgado, frade capuchinho, dedica um livro de poemas ao tema do Natal. Fê-lo, por exemplo, em Agora que nasci (ed. Multinova) ou Roteiro de Natal (ed. Difusora Bíblica). Em Neste Natal, Morgado publica poemas e reproduz peças da colecção do Museu do Presépio que, sem querer, começou um dia a reunir, como conta nesta entrevista que deu a Manuel Vilas Boase que passou na TSF no dia de Natal, ou nesta outra reportagem da SIC, que passou nesta sexta-feira. São, actualmente, mais de 1300 peças diferentes, oriundas de todo o mundo, como ele contava num texto que publiquei no Público em Dezembro de 2005 e que pode ser lido aqui.
Na sua poesia, que cruza o quotidiano com referências bíblicas (sobretudo dos Evangelhos e dos livros proféticos, sapienciais ou do Êxodo, do Antigo Testamento), Morgado utiliza a denúncia de um certo abastardamento natalício (“Natal/ de neve/ artificial// Natal/ de nadas/ numa espiral// Natal datado/ de já tão natural/ desnaturado”), mas também proclama um Deus que se faz pessoa humana: “Um menino/ e é Deus feito homem// Nosso Deus/ é tão frágil como outros meninos”.
O livro inclui ainda textos sobre os relatos evangélicos do nascimento e infância de Jesus, bem como sobre a tradição do presépio, com uma preocupação pedagógica de esclarecer dúvidas e adquiridos.
Tema recorrente em tempo de Natal, o presépio é uma representação da ternura de Deus, como se escrevia num texto já reproduzido neste blogue. E é hoje também pretexto para outras criações, que podem ir do grão de café ao barro trabalhado. As peças são procuradas e tornam-se objecto mesmo de concorrência entre artistas, como se pode ver nesta reportagem de Joaquim Franco, na SIC. 
Do convencional ao mais criativo, há presépios para os mais variados gostos e sensibilidades. Nas Caldas da Rainha, descobre-se ainda Fernando Miguel que, na tradição de Bordalo Pinheiro, é um artesão que molda o presépio para fazer sátira, como se pode ver nesta outra reportagem.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Músicas que falam com Deus (33) - para o tempo de Natal#10 - Cantes ao Menino, a “mística do Sul” e uma “insuperável” Missa de Mozart

Semanas depois da declaração, pela UNESCO, do cante alentejano como património da humanidade, a TSF repôs o programa de Manuel Vilas Boas, Cantes ao Menino, que inclui uma entrevista com o padre José Alcobia. Na conversa, fala-se das origens do cante alentejano, com o padre Alcobia a defender que ele provém do canto gregoriano e dos conventos que existiam no Alentejo.
José Mendes Alcobia nasceu em Ferreira do Zêzere, a 28 de Novembro de 1914, fez há dias 100 anos. Estudou no Seminário dos Olivais onde foi organista e investigou o canto gregoriano. Foi pároco, no Alentejo, por mais de meio século, interessando-se pelo canto alentejano, acompanhado por Lopes Graça e Michel Giacometti. Fez vários milhares de horas de registos sonoros. Morreu em Beja, em Fevereiro de 2003, com 89 anos.
A entrevista ao padre José Alcobia foi feita por Manuel Vilas Boas, no ano 2000, no seminário de Beja e pode ser escutada aqui.

Outros cantos tradicionais de Natal foram interpretados dia 14 de Dezembro pelo Grupo Vocal Discantus, na Igreja Matriz de S. Domingos de Rana (Cascais). “Visitar as diversas tradições musicais portuguesas, desenvolvidas no contexto das festas da natividade cristã, é descobrir um Natal vincadamente diferente daquele que vemos representado na cena mediática. Nas tradições portuguesas, encontramos o que se poderia apelidar de ‘mística do sul’. Os imaginários e as narrativas centram-se na figura do Menino Jesus, na Sagrada Família, nos Pastores e nos chamados Reis Magos”, escreve Alfredo Teixeira, que dirige o Discantus.
Mais informações e diversos vídeos deste concerto podem ser vistos neste endereço.

Nesta noite de consoada, a RTP 2 transmite, a partir das 20h30, a missa de Natal a partir do Vaticano. Presidida pelo Papa, a celebração incluirá a peça Et Incarnatus Est, da Missa em Dó Menor, de Mozart. “Na música gosto muito de Mozart, obviamente. Aquele ‘Et incarnatus est’, da sua Missa em Dó Menor, é insuperável: leva-te a Deus! Mozart preenche-me: não posso pensá-lo, devo ouvi-lo”, disse o Papa numa entrevista, em 2013.
O trecho Et incarnatus est remete para o prólogo do Evangelho segundo S. João: “O Verbo fez-se carne e habitou entre nós.” Composta entre 1781 e 1782, em Viena, a Missa em Dó Menor, que ficou incompleta, resultou de uma promessa pela cura da futura esposa, Constanze.
Mais informações sobre a Missa de Mozart e a celebração desta noite podem ser lidas aqui.
A seguir fica uma interpretação da peça que esta noite será interpretada. 





Ressurreição e Turquia, Europa e cristianismo, Estados Unidos e Cuba

Crónicas

Na crónica de domingo, no Público, frei Bento Domingues retoma alguns temas da viagem do Papa à Turquia e pergunta Quantos Cristos Ressuscitaram:

À Igreja, os primeiros Padres chamavam-lhe mysterium lunae, o mistério da lua, porquê? Porque dá luz, mas não tem luz própria; é a que lhe vem do sol. E, quando a Igreja olha demasiado para si mesma, aparecem as divisões. Foi o que sucedeu depois do primeiro milénio. Hoje, à mesa, falávamos do momento, de uma terra – não me lembro qual – em que um cardeal foi comunicar a excomunhão do Papa ao Patriarca (ortodoxo). Naquele momento, a Igreja olhou para si mesma; não estava voltada para Cristo. Creio que todos estes problemas que surgem entre nós, entre os cristãos – falo pelo menos da nossa Igreja católica – surgem quando ela olha para si mesma: torna-se auto-referencial.
(texto integral aqui)


No DN de sábado, Anselmo Borges escreve sobre a Herança cristã da Europa:

(...) o filósofo ateu convicto e combatente, Michel Onfray, escreve no seu Tratado de Ateologia: “A carne ocidental é cristã. Incluindo a dos ateus, muçulmanos, deístas e agnósticos educados, criados ou instruídos na zona geográfica e ideológica judeo-cristã.” O filósofo André Comte-Sponville também escreve: “Sou ateu, uma vez que não creio em nenhum deus, mas fiel, porque me reconheço como parte de determinada tradição, de determinada história e dos seus valores judeo-cristãos (ou greco-cristãos), que são os nossos.”
(texto integral aqui)


No CM de sexta-feira, Fernando Calado Rodrigues escreve sobre O Papa, Cuba e os EUA

Quando no mundo se volta a matar e a fazer a guerra em nome de uma distorcida conceção da religião, é de enaltecer o contributo de um líder religioso para promover a reconciliação entre dois povos desavindos há mais de meio século.
(texto integral aqui)

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Papa Francisco nomeia quinze «doenças» da Igreja

Roberto Alborghetti

O papa Francisco elencou e explicou hoje quinze «doenças» que podem afetar os cristãos, especialmente os que detêm responsabilidades hierárquicas, durante a audiência membros da Cúria do Vaticano, por ocasião dos votos natalícios.
Da vanglória ao sentir-se indispensável, do esquecimento da espiritualidade à acumulação de dinheiro e poder, dos círculos fechados ao «terrorismo dos mexericos»: o papa apelou a um exame de consciência como preparação para o Natal.
Estas «doenças» e «tentações» não dizem respeito apenas à Cúria do Vaticano, mas «são naturalmente um perigo para cada cristão e para cada cúria, comunidade, congregação, paróquia, movimento eclesial».
«Seria belo pensar na Cúria romana como num pequeno modelo da Igreja, ou seja, como num corpo que procura seriamente e diariamente estar mais vivo, mais saudável, mais harmonioso e mais unido em si mesmo e com Cristo», afirmou.
Os colaboradores mais próximos do papa, como toda a Igreja, não podem viver «sem ter uma relação vital, pessoal» e «autêntica» com Cristo, realçou.
Francisco apresentou um «catálogo» das «doenças» eclesiais, na convicção de que ele pode contribuir para celebrar melhor o sacramento da Reconciliação.
  • A doença do sentir-se imortal ou indispensável
  • A doença da excessiva operosidade
  • A doença da excessiva planificação
  • A doença da má coordenação
  • A doença do Alzheimer espiritual
  • A doença da rivalidade e da vanglória
  • A doença da esquizofrenia existencial
  • A doença dos boatos e dos mexericos
  • A doença de divinizar os superiores
  • A doença da indiferença em relação aos outros
  • A doença da cara fúnebre
  • A doença do acumular
  • A doença dos círculos fechados
  • A doença do lucro mundano, dos exibicionismos

domingo, 21 de dezembro de 2014

Músicas que falam com Deus (32) - para o tempo de Natal#9 - Natal: Sonhar com a casa e com a paz

Os soldados escoceses desafiam o seu capelão a tocar “Sonho com a minha casa” na gaita de foles. Os alemães respondem com uma árvore de Natal e cantando Stille Nacht, Noite de Paz. A mais bela canção de Natal mostra aos soldados que improvisavam uma consoada nas trincheiras da I Guerra Mundial como a música pode ajudar-nos a recuperar o melhor de humanidade que cada um tem dentro de si. E mostra que, com o Natal, ganhamos a consciência de que a paz é o sonho maior.
Esse foi o primeiro passo para uma das mais belas histórias no meio da tragédia que foi a I Guerra Mundial: no Natal de 1914, soldados alemães, franceses, escoceses e ingleses interromperam a carnificina durante dois dias para cantar juntos, jogar futebol, trocar abraços, enterrar os mortos e descobrir que, nos rostos inimigos, moravam afinal rostos de pessoas dignas.
Reconstruindo esta história, o filme Feliz Natal, que pode ser visto a seguir na íntegra, mostra que a música pode ajudar a recuperar o melhor da humanidade. E que o melhor da humanidade se pode recuperar através de pequenos gestos.


Um século depois do episódio retratado neste filme, a 27 de Julho de 2014, o centenário do último dia de paz na Europa, antes da I Guerra Mundial, foi assinalado pelo toque do Silêncio em vários países envolvidos no conflito – entre os quais Portugal. A ideia foi do jornalista e escritor italiano Paolo Rumiz e foi assumida pela Estrutura de Missão para os Aniversários de Interesse Nacional.

Em Itália, o Silêncio foi tocado pelo trompetista Paolo Fresu. A peça foi ouvida também na Albânia, Austrália, Brasil, Bulgária, Costa Rica, Estados Unidos, França, Grécia, Hungria, Macedónia, Montenegro, Sérvia, Polónia, Portugal (Mosteiro da Batalha), Reino Unido, Roménia, Rússia. O vídeo do acontecimento pode ser visto a seguir.