domingo, 13 de abril de 2003

Dois catolicismos?

O historiador e fundador da Comunidade de Santo Egídio, Andrea Riccardi, considera que o desenvolvimento das posições em torno da guerra veio evidenciar uma profunda divisão entre o catolicismo e a maioria das confissões protestantes clássicas, por um lado, e os movimentos neo-protestantes americanos, por outro.
Num interesssante artigo no jornal espanhol La Vanguardia intitulado “Dois cristianismos?”, Riccardi observa que este neo-protestantismo, pouco conhecido na Europa, engloba movimentos não circunscritos a confissões religiosas tradicionais, encontra nos “tele-evangelistas” os seus grandes divulgadores e anuncia o ressurgimento religioso assente numa ética individual que defende o regresso aos valores tradicionais. Alimenta, além disso, a ideia de que aos Estados Unidos da América cabe uma missão providencial no mundo, bem ilustrada com a recente guerra. O presidente George W. Bush terá encontrado nesses movimentos apoio e inspiração, a ponto de invocar o nome de Deus para legitimar a intervenção no Iraque.
Não podiam ser mais afastadas as posições dos sectores que hoje prevalecem na Casa Branca e, nomeadamente, as do Vaticano e de várias outras importantes confissões cristãs. Está, assim, bem patente, na perspectiva de Riccardi, “um novo e profundo conflito no coração do Ocidente”.
A verdade é que a veemência que o papa, o Vaticano e diversas organizações da Igreja Católica puseram na condenação e na oposição frontal a esta guerra esteve longe de colher aceitação em diversos sectores do próprio catolicismo, em particular em países como a Itália, Espanha e Portugal.
No caso português, católicos em posição de destaque na vida política, no Governo e no Parlamento, ou se calaram ou assumiram claramente uma posição divergente da do papa e concordante com a do Governo. E mesmo ao nível episcopal, estivemos muito longe da militância que costuma surgir quando o assunto é também, por exemplo, o aborto.
No caso da guerra do Iraque, em que o nosso país acabou por estar mais envolvido do que seria desejável, é preciso que fique registado que muitos sectores que se tomam, noutras circunstâncias, pelos mais lídimos defensores das posições do papa, optaram, neste caso, pela dissidência, pelo silêncio ou pela mera afirmação de princípios, em nome de outros interesses ou, pelo menos, de outras interpretações.
É claro que não estamos perante dois catolicismos, o que seria, de resto, uma contradição nos próprios termos, mas perante modos diversos de entender e pôr em prática a mensagem de Cristo. Esse que, como tantos iraquianos, de hoje e de ontem, não morreu de morte natural, mas foi maltratado, confundido com malfeitores e, por fim, pregado numa cruz.

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