domingo, 11 de julho de 2004

Maria de Lourdes Pintasilgo (1930-2004)

Obrigado, agora, para sempre
"Descobri que certos homens e certas mulheres, com quem partilhamos a terra e o tempo históricos, através de um verso, de um canto, de uma frase, nos iluminam os caminhos por onde tentamos chegar mais longe e mais alto. E aí encontrei as razões de uma admiração, que não tinha do "pintasilguismo presidencial", de que aliás não comunguei.
Por isso, mais do que parabéns, lhe disse obrigado.
Obrigado, agora, para sempre, querida Maria de Lourdes".
Adelino Gomes

Maria de Lourdes
"O que mais me dói, minha Amiga, é saber que partiu na mágoa de um estranho momento da vida do seu país. Dói-me saber que a pressa que vestiu para a viagem, tenha sido ela própria tecida a fios de uma dor, fulminante de tão inconformada. Não o merecia, Maria de Lourdes, não o merecíamos.
Quero que saiba que os seus ensinamentos e exemplos permanecem muito vivos em mim e que, passado o desconcerto da notícia sobre a sua partida, ficaram hoje ainda mais reforçados como lição maior do que é o direito e o dever de cada um de nós de contribuir para o bem da res publica - da polis do nosso terreiro e da polis do grande quintal que é o mundo.
Falo do bem, minha Amiga, porque foi a dar-lhe brilho que sempre aplicou a sua inteligência, tão curiosa sobre todas as coisas, tão imaginativa, tão a favor das pessoas, sobretudo das que a seu favor pouco ou nada têm e pouco ou nada lhes é proposto que tenham.
Falo do bem, minha Amiga, porque o bem é uma categoria fundadora da vida privada e da vida pública dos homens e porque, com impúdica desonra e cobardia, muitos dos que em nosso nome falam e decidem, dão sinais de lhe ignorarem os atributos e as exigências.
Nesta hora de despedida, quero ainda que saiba, Maria de Lourdes, que me sinto credora da sua voz e que vou tentar merecer, sem desfalecimentos, o legado da sua herança".
Maria João Seixas

«Eis-nos sitiados»
«Deus não vem fazer aquilo que o homem não foi capaz de fazer (...). Deus deixa acontecer e toma à sua própria conta com as fatalidades da História como se tivesse provocado e querido. Deus da História, mesmo assim? Sem dúvida. Mas não do alto como um produtor de marionetas. Deus da História nos seus avanços e recuos. (...) E nós? No fundo de nós mesmos sentimo-nos sitiados . De todos os lados nos vem a imagem desoladora da nossa incapacidade para gerirmos o planeta, a nossa cidade, as nossas coisas, os nossos afectos . Que fazer então? Denunciar. Dizer. Enunciar os erros em que caímos, os becos sem saída deste mundo, do país da sociedade dos nossos afectos. Mas aí rebenta o grande escândalo (...) Porque nas sociedades entorpecidas por falsas visões não é tido por conveniente denunciar a injustiça, o erro, a ilusão. Nem sequer a zona mais íntima dos nossos afectos segue leis diferentes.»

Maria de Lourdes Pintasilgo
Do livro 'Dimensões da Mudança'

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