Os pobres
Da coluna "Palavras", de Manuel António Pina, no JN de hoje:
"No meu tempo de menino tínhamos pena dos pobres. Eles cabiam naquele lugarzinho menor, carentes de tudo, mas sem perder humanidade. Os meus filhos, hoje, têm medo dos pobres. A pobreza converteu-se num lugar monstruoso. Queremos que os pobres fiquem longe, fronteirados no seu território." A passagem é de um conto de Mia Couto e ocorreu-me quando Rui Rio, durante a recente campanha autárquica, foi insultado e ameaçado nos bairros camarários por onde andou.
Sempre me intrigou o motivo por que os cães ladram aos pobres (curiosamente também ladram às fardas, o que, convenhamos, complexiza o problema). É o que nós temos vindo a fazer à pobreza, ladrar-lhe, empurrando-a progressivamente para periferias onde não a possamos ver ou encerrando-a em "bairros sociais" e em guetos étnicos de cuja existência só nos apercebemos pelos casos de polícia dos jornais ou pelos "safaris" eleitorais dos políticos de quatro em quatro anos. Porque a pobreza mete-nos medo. E, para nos protegermos dela, reclamamos mais polícias nas "nossas" ruas, mais câmaras de vídeo, mais muros e fechamo-nos em casa atrás de portas chapeadas a aço e de alarmes. E, no entanto, alimentamo-nos da pobreza, é o seu sangue que move os nossos carros topo de gama e as nossas fábricas e é à sua sombra que florescem os nossos paraísos de consumo.
Por isso, fechar os olhos não adianta. O desemprego, a toxicodependência, a exclusão, a humilhação continuam lá, e, como Rui Rio descobriu da pior maneira, dispostos a pedir-nos contas".
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