José Mattoso tem uma extensa entrevista no Público, na qual faz, através das perguntas de Anabela Mota Ribeiro, uma revsião e uma leitura de alguns dos momentos da sua trajectória de vida. Intitula-se (de forma algo redutora): José Mattoso diz que não é um génio.
Do que diz, fica um extracto no qual fala da sua experiência-visão de Deus e dos humanos:
Porque é que é tão importante não dar nada por adquirido, não cristalizar nas coisas? Ter várias vidas.
Não há nada neste mundo que possa preencher todos os nossos desejos, todas as oportunidades que a vida nos oferece. A vida oferece tantas... Só podemos responder a uma parte muito pequena dessas. Isto é o que me ensina uma reflexão sobre o Ser, uma reflexão sobre Deus, sobre a "espantosa realidade das coisas".
Nunca deixou de acreditar em Deus? Teve momentos de profunda dúvida?
Não. Simplesmente a minha concepção de Deus foi-se - não sei se é pretensão de mais dizê-lo - aperfeiçoando. Foi perdendo os aspectos antropomórficos, os aspectos lógicos. Os Vedas falam na meditação da escuridão que cobre a escuridão. A escuridão é o mistério de Deus, coberta por outra escuridão, e essa se calhar ainda por outra escuridão, e por outra, e por outra. Temos de encontrar o que está por detrás, que nunca é exprimível. Há aproximações metafóricas, metafísicas, conceptuais.
O seu Deus foi perdendo aspectos antropomórficos. Mas isso coincide com o período da sua vida em que mais está entre os homens, no terreno, com a vida de todos os dias.
Sim. A revelação de Deus é feita pelo filho do Homem, pelo filho de Deus. Antropomorfismo centrado na personalidade de Jesus Cristo, nos valores que ele representa, e que podem ser do nível da dignidade, do sofrimento, da abnegação, da confiança, da ternura para com o Pai, na atenção aos pobres, do fascínio pelas crianças. Isto tem alguma relação com aquilo que eu dizia quando falava da nossa família: cada um de nós nunca procurou ser nada de especial neste mundo. Deus revela-se também no homem quotidiano.
Ter constituído a sua família, amar uma mulher, foi uma coisa que mudou completamente a sua vida? É uma dimensão que não estava contemplada nas primeiras opções da sua vida.
Acho que isso se relaciona ainda com essa concepção da humanidade. O Homem é homem e mulher. O amor faz parte daquilo que completa o Homem. Se não existir, é uma mutilação. É uma falha irreparável. A relação entre o masculino e o feminino faz parte disso que estava a dizer - viver várias vidas, haver muita coisa que não se chega a completar.
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