sábado, 9 de abril de 2011

À Procura da Palavra - TIRAR AS PEDRAS


(Crónica do P. Vítor Gonçalves, de comentário aos textos da liturgia católica)


"Disse Jesus: ‘Tirai a pedra'.”

(Evangelho segundo São João 11, 39 - Domingo V da Quaresma)

(Foto copiada
daqui)

Depois de um incêndio numa floresta a morte ganha uma expressão visual tremenda. A aflição do fogo devorador dá lugar ao silêncio e ao coração apertado. Lembro-me de ter andado, há anos, pelo meio de cinzas e arbustos carbonizados depois de um incêndio na serra da Arrábida. O céu azul e o sol pareciam envergonhados perante aquela desolação. Mas, de repente, por entre o negro e a cinza, junto a um tronco queimado, um rebento verde ousava desafiar aquele espectáculo de morte. Frágil, aparentemente impotente, era um grito de vida espantoso. Como me lembro tanto do poema do Sebastião da Gama que começa assim: “Que a Morte, quando vier,/ não venha matar um morto”!

Há mortes e mortes, e cada uma é única, e todas nos incomodam. Não temos palavras para esses momentos. O abraço, as lágrimas, as mãos apertadas trocam-se em silêncio. Não é a presença a melhor palavra de amor e comunhão? Verdadeiramente não nos habituaremos à morte (e ainda bem, porque ela não é o nosso fim) mas como abraçamos a vida? Como juntamos forças para retirar as pedras que fazem sepulcros antes de tempo? O que fazemos para vencer o desânimo que deixa cair os braços ou fecha cada um no seu casulo? Que ressurreições estão ao nosso alcance?

Por entre a burocracia em que se transformou, por exemplo, muito do esforço de educar, há testemunhos de quem não se acomoda à exigência dos números ou dos papéis. Procuram “tirar as pedras” que encerram capacidades, energias, confiança, sonhos, valor próprio, de tantas crianças e jovens. Um de cada vez, à maneira de madre Teresa de Calcutá e de Jesus (que ligava pouco a números, excepto na compaixão por todos), aproximando-se com a delicadeza que a “raposa” ensinou ao “Principezinho”, talvez até sentando-se no chão em companhia inesperada, agem para evitar a ”morte anunciada” de meninos e meninas pouco amados. Não pedem nada em troca, dói-lhes apenas a “funcionalização” do educar, como se fosse mais uma pequena “morte”. Ressuscitar é acção de Deus, mas reanimar, restaurar a confiança, levantar quem caiu, promover quem é excluído, recriar a dignidade e o valor que cada pessoa tem, procurar em comum razões de esperança e de vida, tudo isto é tarefa nossa!

Gosto deste pedido de Jesus: “Tirai a pedra”! Ainda que “já cheire mal” (quando tudo já parece perdido), é preciso “ser vivo” até ao fim. Pedras de indiferença e exclusão, de egoísmo e auto-suficiência. Pedras de dentro e de fora. Ressuscitar não é uma tarefa solitária: precisamos de Deus e também Ele precisa de nós!

1 comentário:

Paulo disse...

Que excelente e fabulosa reflexão. Adorei...simplesmente...belo.