A propósito do chamado Vatileaks (desvio e publicação de documentos secretos da Casa Pontifícia) e de outros casos estranhos recentes no Vaticano, o historiador da Igreja italiano Alberto Melloni publicou nesta segunda-feira, dia 4, no jornal Corriere della Sera um texto importante que, entretanto, a newsletter do Instituto Humanitas Unisinos publicou (tradução de Moisés Sbardelotto):
"E, assim, não acabou. Depois da demissão de Gotti Tedeschi e da prisão de um empregado do papa,chegam outros pedaços de papel, que, como em toda estratégia de tensão, aumentam a confusão, não tanto por aquilo que dizem, mas sim pelo próprio fato de existirem. Para não continuarmos sendo prisioneiros dos detalhes, é preciso então levantar o olhar: e tentar definir os três problemas objetivos, as três explicações possíveis e as três reformas que esse pandemônio torna mais urgentes.
Os problemas que florescem dizem respeito à formação, à seleção, à cultura da classe dirigente do catolicismo do século XXI.
A medíocre encenação das indiscrições diz que existem agitadores, agentes, organizações, com livros de pagamento, lobbies de carreira e o calendário do campeonato da luta livre entre movimentos. Um mundo diversificado nos objetivos: mas unido pela convicção de que a Igreja precisa deles no poder mais do que do evangelho, e permeado por uma lógica de violência à qual nos adaptamos apenas se formos treinados por mestres competentes.
Nessa catástrofe formativa – que contagiou sem aparentes distinções o clero secular, o clero regular e o clero dos movimentos –, desencadeia-se o fato de que muitos dos piores fizeram carreira na Cúria. Um fenômeno que leva a nos perguntarmos com ainda mais angústia por que aqueles anticorpos de sabedoria que devem existir também aí correm o risco de parecer áfonos e invisíveis.
Até esse desequilíbrio, no entanto, seria remediável se, no episcopado, nas Igrejas, nos movimentos, fosse preservada uma cultura de diálogo. A abertura sincera ao exame atento das questões, a capacidade de tratar com seriedade dos problemas difíceis e de cultivar a pluralidade de sabedorias foram sacrificadas pela obsessão de uma teologia que glosa o catecismo, murmura a missa em latim errando os acentos e louva enfaticamente a última encíclica, na certeza de que esse excesso de zelo não induzirá à suspeição, mas será considerado um mérito.
Esses fatos, sem a orientação de insiders infiéis, podem ser explicados dentro de três cenários possíveis.
A primeira é que eles estão na presença de uma luta de poder digna das malebolge [vales do inferno] de Dante. O cardeal Bertone – o confidente de uma vida que, independentemente dos dotes e dos limites do seu governo, é o escudo humano de Bento XVI – é um alvo não inerte, mas transitório. Quem desencadeia tal desordem não quer o posto do número dois. A soma desse projeto de luta entre semipoderosos, em que entram por escolha ou por acaso o secretário particular, os aspirantes a secretários de Estado (certamente não quem foi secretário de Estado) faz o resto. E assim, entre aqueles que se passam por "ajudantes" de uma suposta purificação ratzingeriana e os porta-estandartes de uma radicalização ultraconservadora do douto conservadorismo de Bento XVI, teria se gerado uma reação fora de controle, com muito fogo amigo e ações de cobertura.
A outra possibilidade é que essa confusão seja toda e somente italiana, em sentido estrito: isto é, que projete sobre a Igreja aquele desastre político-moral que vai muito além dos spread e do tratamento Monti. O populismo inescrupuloso (que nestas horas vimos em ação até contra o sentido do Estado de Giorgio Napolitano), misturado com uma relação desprotegida com as finanças e com a direita italiana, enfim, teria emprestado à Igreja métodos e brutalidade que só nós, italianos, sabemos ler sobre a filigrana da eleição do prefeito de Roma ou dos equilíbrios de qualquer holding.
A terceira possibilidade é que um marasmo aparentemente padresco faça parte do jogo da grande política. Se as agências que se fazem chamar de "mercado" apontaram para o fato de que os alemães (a chanceler alemã, o papa alemão) não sentirão pesar sobre a sua consciência o pesadelo de reabrir, com o fim do euro e da Europa, a porta para a guerra pela terceira vez em 100 anos –, então, manter ocupada a Igreja sobre indecências menores teria um sentido maior.
As três reformas institucionais – que sempre foram a pinça com a qual a Igreja de Roma aferra as questões espirituais – referem-se à Cúria, à diplomacia e ao episcopado.
Por mais de um século, a Secretaria de Estado não funciona, e o sonho montiniano de dar ao papa um primeiro-ministro fracassou. Se o papa coloca na Segunda Loggia alguém grande, ele se submete à sua sombra: e pode chegar a deixar vago o posto como fez Pio XII. Se o Papa escolhe um homem mais evasivo, a lamentação é forte, e a desordem, também. O nó, portanto, deve ser abordado em um quadro eclesiológico de conjunto, como aquele proposto por canonistas do porte de Eugenio Corecco e Francesco M. Pompedda entre os anos 1980 e 1990.
A segunda reforma diz respeito à diplomacia pontifícia: a pelotão dos núncios papais é o primeiro a sofrer de uma marginalidade que se reflete no silêncio eclesial sobre os grandes nós geopolíticos do presente, primeiros dentre todos o europeu e o chinês. Mas 150 diplomatas não são geríveis. Portanto, é preciso um pequeníssimo número de supernunciaturas continentais, confiadas a diplomatas purpurados, ouvidos regularmente em Roma e capazes de fazer pesar sobre as grandes mesas globais a voz da única família do mundo onde todos contam igualmente.
A terceira reforma é uma palavra esquecida do Vaticano II: colegialidade. O papa – viu-se em Milão – precisa se confrontar com aqueles que, por causa da consagração episcopal, recebem um poder sobre a Igreja universal: dessa comunhão, o vigário de Pedro tira a vantagem no plano humano e teológico, sem fazer sombra sobre as suas prerrogativas. Um órgão colegial permanente é esperado desde 1964 e não é o Sínodo dos Bispos convocado com funções consultivas: demorar para se perguntar sobre como dar vazão a esse aspecto da comunhão significa fazer com que o papa se torne um alvo para quem "o ajuda" e tornar a Igreja o motivo de deboche da mídia.
Que é exatamente o que está acontecendo."
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