O pregador da Cúria Pontifícia, Raniero Cantalamessa, (pregador com é e não com e fechado, como ouvi nas notícias da Antena 1 da RDP, neste sábado de manhã cedo) fez uma homilia na sexta-feira em que, como é sabido, desencadeou a reacção de alguns sectores judaicos, por causa de uma curta passagem em que citou parte de uma carta que havia recebido de um amigo judeu.
O teólogo e pregador já pediu desculpas pelo ruído que originou e, para futuro, do episódio pocuo mais restará.
Mas o que a maioria dos consumidores dos media - que não pode ou não se dá ao trabalho de ir às fontes - ficou sem saber foi que Cantalamessa fez, na mesma homilia, e de forma muito mais funda e veemente do que relativamente à citada carta de apoio de um judeu ao papa, uma reflexão sobre a violência com uma concretização como raramente se faz em instâncias como aquela em que interveio.
Referindo-se ao sacrifício de Cristo, considerou que ele "contém uma mensagem formidável para o mundo de hoje". "Grita para o mundo - explicou - que a violência é um resíduo arcaico, uma regressão a estágios primitivos e superados da história humana e, em se tratando de crentes, um retardamento censurável e escandaloso frente à tomada de consciência do salto de qualidade operado por Cristo".
O P. Cantalamessa faz, depois, notar que a nossa cultura, que se mostra contrária à violência, é, por outro lado, e paradoxalmente, a primeira a promovê-la "nas páginas dos jornais ou nos programas de televisão". Exemplos do mecanismo da violência, temo-los, conforme explicitou, "nos estádios de futebol, no bullying nas escolas e em certas manifestações públicas que deixam um rastro de destruição por onde passam. Uma geração de jovens que teve o raríssimo privilégio de não ter conhecido uma verdadeira guerra e de não terem sido jamais convocados às armas, diverte-se (por que se trata de uma brincadeira, ainda que estúpida e eventualmente trágica) inventando pequenas guerras, impelidos pelos mesmos instintos que moviam as hordas primordiais".
A reflexão do teólogo vai mais longe quando se debruça sobre o problema da violência contra a mulher e da violência doméstica:
"Trata-se de uma violência - explicou ele - que se torna ainda mais grave quando cometida no abrigo e na intimidade do lar, frequentemente justificada com base em preconceitos pseudo-religiosos e culturais. As vítimas encontram-se desesperadamente sós e indefesas. Somente hoje, graças ao apoio das muitas associações e instituições, é que algumas mulheres encontram forças para denunciar seus agressores. Muito dessa violência tem um fundo sexual. É o macho que acredita demonstrar sua virilidade ao submeter a mulher, sem se dar conta de que, desse modo, evidencia tão simplesmente sua insegurança e sua covardia".
E o P. Raniero Cantalamessa termina, ainda sobre este assunto, deste modo:
"João Paulo II inaugurou a prática de pedir perdão por erros colectivos. Um desses pedidos de perdão, talvez entre os mais justos e necessários, é o perdão que uma metade da humanidade deveria pedir à outra metade, os homens às mulheres. Esse pedido não deve permanecer genérico ou abstracto. Deve levar a gestos concretos de conversão, a palavras de desculpas e de reconciliação no seio da família e da sociedade."
(Para conhecer o texto integral da homilia, clicar AQUI)
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