Foi um daqueles professores que não se esquecem mais. Não tanto pelo que ensinam das matérias do programa, mas pelo modo como estão com os alunos e como são pessoas com eles e para eles. Na homenagem que tantos amigos lhe prestaram em 2000, por altura dos seus 50 anos de padre, Anselmo Borges considerou-o um homem "inquieto e inquietante".
Conheci-o faz agora quarenta anos, vivo, combativo, anti-demagógico, homem de fé, num encontro nacional da JEC, num tempo em que os movimentos da Acção Católica eram dos escassíssimos espaços abertos em que se discutia a situação do país, e em que um dos documentos de fundo dos conselhos nacionais daquele movimento estudantil se intitulava "Análise da Situação do Meio". Foi nessa escola que o Padre Azevedo se fez e ajudou a formar muitas pessoas.
Dele só fui aluno na vida. Seu aluno foi, por exemplo, o não há muito desaparecido jornalista Torcato Sepúlveda, que escreveu em 20 de Janeiro de 1996 um depoimento no Público, que dá bem a ideia da grandeza de espírito deste sacerdote e professor:
0 padre Alberto Azevedo aguentou tudo. Foi meu professor durante seis anos, no Liceu Sá de Miranda, em Braga, e aguentou tudo. Quando acabáramos de sair da primeira adolescência, aturou os nossos primeiros arroubos de materialismo primário: "Eu não vejo Deus, eu não vejo Deus. Como é que ele existe se a gente não o vê?" [...]. Depois, quando já contávamos a provecta idade de quinze, dezasseis ou dezassete anos, a coisa complicou-se. Na turma rodavam umas obras - hoje consideradas inocentíssimas: mas imaginem a cidade de Braga nos anos 60... -como "Porque não sou cristão", de Bertrand Russell, ou "A Relíquia", de Eça de Queirós, ou "O Cavaleiro da Esperança», de Jorge Amado. A coisa passou a piar mais fino. [...] eu estava a ler, na aula de Religião e Moral, esse ensaio superlativamente subversivo "Porque não sou cristão". Um rapaz denunciou-me: "Aqui o colega está a ler um livro mau." Padre Azevedo dirigiu-se pausadamente à carteira onde eu cabulava e exigiu ver a capa do ensaio. E desabafou: "Faz ele muito bem. Este livro vale mais do que o que eu estou a dizer." E ameaçou o denunciante que, se ele reincidisse na canalhada, o punha fora da aula com falta de castigo.[...] Um dia os meus pais resolveram ir a Fátima. Havia que comungar. Declarei, em casa, que não o faria. Choro e ranger de dentes do poder paternal. Desesperado, fui ao liceu e «confessei-me» ao padre Azevedo. Que se tirou das suas tamanquinhas, foi falar com os meus pais e lhes ralhou: "O rapaz tem direito à liberdade. Fará o que quiser. Só ele pode escolher.» Um cidadão destes - numa terra devagaríssima como Braga -, era forçoso que se tornasse mito.[...]»
Público (20 de Janeiro de 1996)
ACTUALIZAÇÃO (em 26/08):
- RECORDAR O PADRE ALBERTO DE AZEVEDO, Por Guilherme d’Oliveira Martins, in Público, 21.08.2010
3 comentários:
Sugeria a leitura deste post: http://notciasdabeataalexandrina.blogspot.com/2010/08/faleceu-o-pe-alberto-azevedo.html
Nunca esquecerei a forma como o Padre Azevedo se nos dirigiu durante um colóquio que promovi para debater o período histórico vivido no Liceu durante o Marcelismo."Estes homens são uns heróis",foi a sua frase inicial.Demonstrou-se assim mais uma vez a relação compreensiva e cúmplice que este homem, que desempenhou funções importantes em orgãos da Igreja Católica,manteve com os estudantes maoistas,trotskistas e afins que exerciam militância antifascista.
Também eu fui aluna do Pe. Azevedo e hoje com muita tristeza recebi a notícia da "viagem" dele...
Ainda me custa acreditar que partiu um amigo, sim...um amigo, porque acima do professor esteve sempre o amigo...
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