quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Alberto Azevedo: morreu um padre "inquieto e inquietante"

Mais tarde ou mais cedo a notícia surgiria. E veio hoje, num e-mail escrito pelo Luís Barbosa: faleceu Alberto Azevedo, um padre que marcou gerações de estudantes no Liceu Sá de Miranda, em Braga.
Foi um daqueles professores que não se esquecem mais. Não tanto pelo que ensinam das matérias do programa, mas pelo modo como estão com os alunos e como são pessoas com eles e para eles. Na homenagem que tantos amigos lhe prestaram em 2000, por altura dos seus 50 anos de padre, Anselmo Borges considerou-o um homem "inquieto e inquietante".
Conheci-o faz agora quarenta anos, vivo, combativo, anti-demagógico, homem de fé, num encontro nacional da JEC, num tempo em que os movimentos da Acção Católica eram dos escassíssimos espaços abertos em que se discutia a situação do país, e em que um dos documentos de fundo dos conselhos nacionais daquele movimento estudantil se intitulava "Análise da Situação do Meio". Foi nessa escola que o Padre Azevedo se fez e ajudou a formar muitas pessoas.
Dele só fui aluno na vida. Seu aluno foi, por exemplo, o não há muito desaparecido jornalista Torcato Sepúlveda, que escreveu em 20 de Janeiro de 1996 um depoimento no Público, que dá bem a ideia da grandeza de espírito deste sacerdote e professor:
0 padre Alberto Azevedo aguentou tudo. Foi meu professor durante seis anos, no Liceu Sá de Miranda, em Braga, e aguentou tudo. Quando acabáramos de sair da primeira adolescência, aturou os nossos primeiros arroubos de materialismo primário: "Eu não vejo Deus, eu não vejo Deus. Como é que ele existe se a gente não o vê?" [...]. Depois, quando já contávamos a provecta idade de quinze, dezasseis ou dezassete anos, a coisa complicou-se. Na turma rodavam umas obras - hoje consideradas inocentíssimas: mas imaginem a cidade de Braga nos anos 60... -como "Porque não sou cristão", de Bertrand Russell, ou "A Relíquia", de Eça de Queirós, ou "O Cavaleiro da Esperança», de Jorge Amado. A coisa passou a piar mais fino. [...] eu estava a ler, na aula de Religião e Moral, esse ensaio superlativamente subversivo "Porque não sou cristão". Um rapaz denunciou-me: "Aqui o colega está a ler um livro mau." Padre Azevedo dirigiu-se pausadamente à carteira onde eu cabulava e exigiu ver a capa do ensaio. E desabafou: "Faz ele muito bem. Este livro vale mais do que o que eu estou a dizer." E ameaçou o denunciante que, se ele reincidisse na canalhada, o punha fora da aula com falta de castigo.[...] Um dia os meus pais resolveram ir a Fátima. Havia que comungar. Declarei, em casa, que não o faria. Choro e ranger de dentes do poder paternal. Desesperado, fui ao liceu e «confessei-me» ao padre Azevedo. Que se tirou das suas tamanquinhas, foi falar com os meus pais e lhes ralhou: "O rapaz tem direito à liberdade. Fará o que quiser. Só ele pode escolher.» Um cidadão destes - numa terra devagaríssima como Braga -, era forçoso que se tornasse mito.[...]»
Público (20 de Janeiro de 1996)

ACTUALIZAÇÃO (em 26/08):
- RECORDAR O PADRE ALBERTO DE AZEVEDO, Por Guilherme d’Oliveira Martins, in Público, 21.08.2010

3 comentários:

José Ferreira disse...

Sugeria a leitura deste post: http://notciasdabeataalexandrina.blogspot.com/2010/08/faleceu-o-pe-alberto-azevedo.html

Anónimo disse...

Nunca esquecerei a forma como o Padre Azevedo se nos dirigiu durante um colóquio que promovi para debater o período histórico vivido no Liceu durante o Marcelismo."Estes homens são uns heróis",foi a sua frase inicial.Demonstrou-se assim mais uma vez a relação compreensiva e cúmplice que este homem, que desempenhou funções importantes em orgãos da Igreja Católica,manteve com os estudantes maoistas,trotskistas e afins que exerciam militância antifascista.

anabenfica disse...

Também eu fui aluna do Pe. Azevedo e hoje com muita tristeza recebi a notícia da "viagem" dele...

Ainda me custa acreditar que partiu um amigo, sim...um amigo, porque acima do professor esteve sempre o amigo...