terça-feira, 24 de agosto de 2010

Padre Alberto Azevedo – Um Testemunho

Texto colectivo enviado ontem aos dois diários de Braga e publicado hoje no 'Diário do Minho':
Vivemos da inspiração e coerência dos testemunhos e o Padre Alberto Azevedo, há dias falecido, foi uma dessas vidas que deixam marcas e saudades. Foi coerente, solidário, intrépido e atento às pessoas concretas e à situação do país e do mundo. Ao longo de décadas, como professor, ouvia, espicaçava, municiava – em suma fazia as pessoas crescer e por isso tantos lhe devemos tanto. Na Igreja e na sociedade, inquietava, sofria, alertava, tornando-se frequentemente motivo de incómodo, o que fez dele sempre um homem certamente com defeitos, como todos nós, mas digno e inteiro.
Foi, frequentemente, sinal e ponte para muitos para quem a Igreja não foi nem mãe nem mestra, ou não a sentiram como tal. Caminhou com outros que, no meio do nevoeiro denso dos dias ou das perplexidades e contradições da vida, buscavam um sentido e insistiam na procura.
Muitos desses, de várias proveniências e trajectórias, se juntaram, na semana passada, para um adeus, na igreja de Ribeirão, incluindo um significativo número de colegas e amigos presbíteros. Teria sido ocasião para um reconhecimento por parte da Igreja – ao menos neste momento – relativamente a um dos seus padres que, bem antes, diversos sectores da sociedade já tinham reconhecido e homenageado. 
Desgraçadamente, o que vimos e ouvimos, na celebração das exéquias, por parte do bispo auxiliar que presidiu foi quase o contrário – umas palavras sem grandeza, sem justiça e quase a pedirem desculpa pela irreverência e incómodo que foi a vida do sacerdote que ia a sepultar. Ficámos estupefactos com uma homilia baça e infeliz, sem alma nem afecto, quando se esperaria, em tão solene momento, que a Igreja Diocesana reconhecesse o homem e o padre extraordinário que teve consigo, o seu contributo decisivo para que alguma credibilidade ela ainda tivesse e as portas (tantas portas!) se não fechassem de vez. Um gesto de justiça face a um homem que foi, por certo, um dos seus filhos mais dedicados e amantes.
Foi bem sentido o sururu de descontentamento e de revolta que circulou pela igreja ainda durante a homilia. Atenuou este sentimento de profunda injustiça a intervenção final de um sobrinho do Padre Alberto Azevedo, sublinhada por sentidas e prolongadas palmas, e o testemunho de uma antiga militante da JEC, já no cemitério.
Pelo nosso lado, enquanto amigos e companheiros que fomos do Padre Azevedo, só podemos lamentar que seja apesar da Igreja, e não pela e com a Igreja, que ele seja reconhecido como um testemunho de homem e de cristão. Mais ainda, escutamos, na missa de corpo presente uma diatribe contra o mundo laico que nos pareceu manifestamente desqualificadora da sua autonomia, como se a Igreja tivesse (ainda) o monopólio das exéquias fúnebres e não pudesse haver beleza em funerais não católicos. É também isto que se situa nos antípodas do modo de ser cristão do Padre Azevedo. Com ele aprendemos, de facto, e continuamos a procurar, olhar atentamente o mundo e  intervir nele de forma esclarecida, crítica e confiante, inspirados pelo seu desassombro e pela radicalidade do Evangelho. E não a ficar tolhidos ou alarmados com o que se passa à nossa volta. Afinal move-nos a esperança; uma esperança que é maior que a História e maior que a Igreja.

Armando Romano, Engenheiro
Cristina Fabião, Médica
Eugénio Peixoto, Professor
Gabriela Macedo, Professora
Helena Martinho, Professora
Luís Soares Barbosa, Professor
Manuel Pinto, Professor
Margarida Constantino, Professora
Paulo Bateira, Médico
Vera Constantino, Professora

5 comentários:

paulo disse...

Esta carta é um bom exemplo de cidadania dentro da Igreja.
E mostra que a vida do Pde Alberto Azevedo foi fecunda.
É pena não ser identificado o bispo auxiliar em causa, pois há mais que um.

Fernando Castro Martins disse...

Também me junto a tão ilustre grupo de subscritores.Temo, porém, que a causa da agora também minha indignação comprove que a nossa hora já passou, apesar de ainda estarmos vivos. Todos nós fomos de algum modo militantes de um catolicismo social, mas o ciclo que vivemos pertence ao desenterrado catolocismo sócio-caritativo.
Estou muito desmotivado, diante dos factos.
Ajudem-me, por favor...

Fernando Castro Martins disse...

Num jesuítico e rebuscado texto, uma eminentíssima criaturinha de Deus vem hoje dizer, no Diário do Minho, que os dez subscritores deste testemunho devem ter "a hombridade e bom senso de... pedir desculpas ao bispo" alvo das críticas.
É sempre o mesmo: estas sapiências acham que podem determinar sempre o que os pobres leigos devem fazer, leigos que para eles são geralmente meninos mal comportados, tenham ou não cultura/instrução. Depois queixam-se que freguesia se vai reduzindo à piedade popular...
Reitero a minha solidariedade com os abaixo-assinados.

anabenfica disse...

Ontem informaram-me que tinha saído esta carta no DM, mas como já não moro em Braga só agora a consegui encontrar.

Obrigada a quem tomou esta iniciativa e que demonstra que o Pe. Azevedo tinha amigos, verdadeiros amigos.

Infelizmente a Igreja Católica está como está e, ao contrário do que seria de esperar, tem piorado e tem regredido. Mas continuo a acreditar que pode mudar e que se pode transformar numa verdadeira Igreja.

Gostaria também de subscrever inteiramente esta carta! Vou acompanhando os desenvolvimentos através dos meus familiares em Braga e agora também através deste blog.

Obrigada

Ana Alves

Luísa Alvim disse...

Subscrevo.
A hierarquia da Igreja em Braga está cada vez mais "insuportável", devemos continuar a escrever, a falar, a insistir numa outra linguagem, noutra postura perante as realidades.