quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Sobre o pátio dos gentios

Desde que, nas vésperas do Natal de 2009, o Papa Bento XVI falou na necessidade de instituir (de novo) um "Pátio dos Gentios", a exemplo daquele que existia nos templos dos israelitas, que muitos hierarcas andam com a expressão na boca.
O Conselho Pontifício para a Cultura acaba de anunciar para os dias 24 e 25 de Março, em Paris, o lançamento de "uma nova instituição permanente do Vaticano destinada a promover os intercâmbios e encontros entre crentes e não crentes", designada precisamente Átrio dos Gentios.
Sob o tema genérico "Religião, luz e razão", o acontecimento irá compor-se de um conjunto de debates a ter lugar na sede da UNESCO, na Sorbonne, no Institut de France e no Collège des Bernardins. No segundo dia à noite, será organizada uma festa aberta a todos, sobretudo aos jovens, sobre o "Átrio do Desconhecido", a realizar no átrio da Catedral de Notre Dame.
Este tipo de iniciativas é certamente importante e pessoalmente julgo que deles poderão esperar-se resultados promissores, mesmo que não imediatamente visíveis. Há que prestar, no entanto, atenção a alguns aspectos, sob pena de muitas das boas intenções ficarem minadas à partida.
Palavras são palavras. Valem o que valem. Mas muitas delas carregam um peso histórico muito forte. E gentio é uma delas. Porque se define pela negativa: os que são pagãos, os que não podiam entrar no templo (pelo menos em certas partes reservadas aos israelitas). Porque não, antes, o Pátio dos Encontros, o pátio dos desconhecidos que querem encontrar-se e conhecer-se?
Quando se organiza este tipo de iniciativas na esperança secreta (ou confessada) de que as 'ovelhas tresmalhadas' encontrem o (ou regressem ao) redil, julgo que já é difícil haver aqui verdadeiro diálogo e interconhecimento. O que existe é vontade de ser conhecido. Não tanto de conhecer.
Este 'Atrio dos Gentios' não deveria ser um espaço apenas para que aqueles que buscam o caminho, a verdade e a vida entrem em contacto com o Deus da fraternidade e da justiça. Mas um espaço para que as mulheres e homens que se dizem seguidores desse Deus se aproximem e escutem os seus semelhantes, os seus anseios, os seus testemunhos, as suas inquietações e expectativas. A comunicação não resulta se não for também para escutar, para se aproximar e, eventualmente, para aprender com todos, sejam crentes ou não crentes. Se assim não for, como esperar que outros aprendam com (e escutem quem) organiza esse pátio dos gentios?

Informação complementar:

2 comentários:

Anónimo disse...

Boa tarde,
Comentando o artigo do Frei Bento Domingues «Sobre o pátio dos gentios»:
Tal como Deus não se percebe no conceito a sua compreensão processa-se da mesma forma. Dessa forma, nem com diferente/separada nem com pagã, conseguirei imaginar-me. Identifico-me com a falta de identificação total a qualquer religião existente, no respeito das diferentes condutas. Sou judaico-cristã por influência cultural mas não católica, cheguei mesmo a desbatizar-me.
No concreto biográfico, há precisamente uma semana, solicitei ao Sr. Padre de uma vila com cerca de 8 mil habitantes, situada no centro interior do país, para participar no coro dominical. Tinha sido a 1ª vez que ía à missa, sou uma recém-chegada e pretendo cá permanecer. Ele acolheu o meu pedido com espanto, estranhesa e ressalva «venha e logo se vê». Esta reação deve-se ao facto de lhe ter revelado a minha crença e se o fiz foi por sentir o dever de aprovação, revelei-lhe que não estava batizada (desbatizei-me à 3 anos atrás) e falei-lhe da minha necessidade de comunhão mantendo-me neutra na profissão de fé, muito embora assuma a sua influência direta na minha identidade e indireta na personalidade. Para mim, qualquer religião é válida se ambicionar elevar o espírito humano e orientar a felicidade na perseverança aos valores humanos inspirados no amor.
Ana Cláudia Pereira Carvalho

maria disse...

Completa concordância. Quando li sobre o tema, desagradou-me a palavra "gentios". quer queiramos quer não, muitas vezes, as palavras que usamos captam ou escapam ao sentido que as originou.

E na Igreja Católica (não só mas também)ainda se olha com demasiadas reservas ao "dentro" e ao "fora".