quinta-feira, 17 de março de 2011

Um judeu que não quer ser absolvido da morte de Jesus


Joseph Weiler é o advogado de defesa de um grupo de nações, lideradas pela Itália, que recorreu da decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que dizia que os crucifixos nas salas de aula italianas violavam a liberdade religiosa (o recurso ainda não obteve resposta). É um dos maiores especialistas em direito constitucional europeu. Na questão dos crucifixos, argumenta que
remover a cruz é algo realmente iliberal. Permitir a cruz é a posição liberal, a posição pluralista, porque a Europa tem tanto uma França quanto uma Grã-Bretanha. A França é um Estado oficialmente laico, mas, na Inglaterra, o hino nacional é "God Save the Queen", e a Rainha é a chefe da Igreja da Inglaterra. Toda imagem da Rainha em uma sala de aula britânica é tanto um símbolo nacional quanto religioso. Você poderia dizer que essa é uma grande tradição, que é a Europa autêntica. A posição esclarecida é aceitar uma Europa tanto com a França, quanto com uma Grã-Bretanha, e não afirmar que, como a Câmara fez, que todos têm que ser como a França – ou, neste caso, como os EUA. O que é preciso fazer é capacitar uma potencial maioria a se sentir que está fazendo a coisa certa, que deveriam se orgulhar por isso. Isso não é, de nenhuma forma, antieuropeu, antiliberal ou reacionário.
Acontece que Joseph Weiler é judeu. Nasceu na África do Sul, filho de um rabino da Letónia. “Judeu ortodoxo profundamente fiel”. Deu uma entrevista a John L. Allen Jr., do “National Catholic Reporter”, na qual insiste que a defunta Constituição Europeia deveria ter referido as raízes cristãs.
As pessoas me perguntam um milhão de vezes como um judeu praticante pode defender uma referência às raízes cristãs na Constituição Europeia, e eu digo que, nesse contexto, não sou um judeu praticante. Eu sou um constitucionalista praticante. Sou um pluralista praticante.
Mas a parte mais interessante da entrevista é aquela em que aborda o julgamento de Jesus. Afirma três teses e vale a pena ler a entrevista toda (e confronta-la, por exemplo com o que Bento XVI escreve sobre o mesmo episódio evangélico), porque este resumo é necessariamente limitado:

1. O julgamento de Jesus não foi suficientemente apreciado como o alicerce das sensibilidades ocidentais em relação à justiça.

2. Jesus é a pessoa referida em Dt 13,1-5, que diz que se deve matar o visionário que mostrar sinais e prodígios e (diz a Bíblia, mas não Weiler), mandar seguir deuses estrangeiros, pelo que os judeus (sim, os judeus como colectivo), mataram Jesus, cumprindo a ordem de Deus. “Se Jesus tem que morrer inocentemente, alguém tem que matá-lo injustamente”… obedecendo a Deus. No entanto, não há, no cristianismo, uma teologia do julgamento, o que constitui uma lacuna notável.

3. Houve uma transferência de responsabilidade da cruz para o julgamento. O mesmo é dizer: dos romanos para os judeus. No Vaticano II, a Igreja “desmontou” a responsabilidade colectiva dos judeus na morte de Jesus, desculpabilizando-se  inconscientemente a ela própria, no presente, pela perseguição aos judeus no passado (coisa que João Paulo II, ao pedir perdão pela Igreja, contrariou). Ora Weiler, ao arrepio de tudo, quer manter a responsabilidade colectiva dos judeus.
(…) Eu também não quero ser "absolvido". Temos que diferenciar entre culpa e responsabilidade. Eu quero ser capaz de dizer: "Sim, os judeus levaram Cristo à morte, porque é isso que o Senhor nos ordenou a fazer". Claro, pessoalmente, eu não sou responsável, eu não sou Caifás. Mas, como judeu, eu quero ser capaz de dizer que, quando alguém veio como profeta que operava sinais e prodígios e tentou mudar a lei, nós fizemos o que Deus nos pediu para fazer.
Joseph Weiler está a escrever um livro que deverá estar concluído no final do ano. As teses são muito discutíveis, a começar pelo facto de a questão da responsabilidade colectiva versus responsabilidade individual evoluir ao longo dos tempos bíblicos. E não são inéditas as tentativas de reconstituição moderna do julgamento de Jesus com resultados semelhantes ao verificado nos evangelhos. De qualquer forma, promete debate.

A entrevista pode ser lida aqui em português e aqui em inglês.

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