"O homem prende-se a muitas coisas inúteis: riqueza, ambição, interesses mesquinhos: vive emaranhado numa teia. De forma que não tem tempo de ver, nem de ouvir, nem de se conhecer. Quantas criaturas existem que nunca olharam para o céu? Natureza, árvores, montes, rios, esse pélago que vejo do meu quarto deixa-os indiferentes, as horas de preguiça e de sonho deixam-os indiferentes. Nunca tiveram tempo para amar as coisas simples e grandes da vida. O que é eterno não o viveram. Alguns morrem sem terem reparado que existiram. (...) Habituar-se a gente a viver com ideias simples é como habituar-se a andar com fatos velhos e rotos. Indigna os outros. De forma que tem de se viver arredado.
Para se ser feliz na vida é preciso ser-se pobre. Sentir-se que o pão que se come não é tirado a nenhuma boca, nem o lume que nos aquece roubado a alguma velhice friorenta. As coisas desprezadas são as melhores da vida: a paz, as horas esquecidas, a água desnevada que se bebe, os minutos de silêncio em que se sente Deus connosco. De que serve acumular ódios, ambições, riquezas? Não é isto demais para uma vida terrena? A vida artificial é que transformou o homem. Da vida artificial é que nasceu o orgulho, a ambição, os erros, o crime, e até a piedade. Se todos vivêssemos da verdadeira existência, o homem seria feliz. Como se pode redimir tudo isto? Pregando o Amor. Só o Amor nos pode ainda salvar."
Raul Brandão, Os Pobres [nos 81 anos da sua morte, que hoje ocorrem]
(Obrigado, Helena Teixeira da Silva)
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