A família Dabbah, "encalhada" na Turquia,
que aguarda a possibilidade de viver em Portugal,
uma das histórias da reportagem de Catarina Santos na Renascença, citada no final
O Papa Francisco deseja que,
durante o ano de 2018, se consigam definir e aprovar dois pactos mundiais: um
para migrações seguras, ordenadas e regulares, outro referido aos refugiados. O
anseio é manifestado na sua mensagem para o 51º Dia Mundial da Paz, que a Igreja Católica assinala
depois de amanhã, dia 1 de Janeiro. Desta vez, o texto é dedicado ao tema Migrantes e refugiados: homens e mulheres em
busca de paz
É importante que tais documentos “sejam
inspirados por sentimentos de compaixão, clarividência e coragem, de modo a
aproveitar todas as ocasiões para fazer avançar a construção da paz: só assim o
necessário realismo da política internacional não se tornará uma capitulação ao
cinismo e à globalização da indiferença”, acrescenta o Papa.
Na mensagem, disponível aqui na íntegra, Francisco recorda os “mais de 250
milhões de migrantes no mundo, dos quais 22 milhões e meio são refugiados” (os
números do Alto Comissariado das Nações Unidas apontavam, em 2016, para mais de
60 milhões de refugiados e deslocados internos no mundo). E diz que eles são mulheres
e homens que apenas buscam um lugar para viver em paz. “Para o encontrar, muitos
deles estão prontos a arriscar a vida numa viagem que se revela, em grande
parte dos casos, longa e perigosa, a sujeitar-se a fadigas e sofrimentos, a
enfrentar arames farpados e muros erguidos para os manter longe da meta.”
As pessoas fogem de conflitos
armados, mas também levadas pelo “desejo de uma vida melhor, unido muitas vezes
ao intento de deixar para trás o ‘desespero’ de um futuro impossível de
construir”. E se a maioria o faz através de um percurso legal, “há quem tome
outros caminhos, sobretudo por causa do desespero, quando a pátria não lhes
oferece segurança nem oportunidades, e todas as vias legais parecem
impraticáveis, bloqueadas ou demasiado lentas”.
O Papa contesta a retórica,
largamente generalizada em muitos países de destino, “que enfatiza os riscos
para a segurança nacional ou o peso do acolhimento dos recém-chegados,
desprezando assim a dignidade humana que se deve reconhecer a todos, enquanto
filhos e filhas de Deus.”
Num comentário à mensagem,
publicado no National Catholic Reporter, que pode ser lido aqui em inglês, Tony Magliano afirma que
“numerosos estudos indicam que a imigração traz o crime”, referindo
concretamente a realidade dos Estados Unidos – e que se confirma também em
muitos outros países. Pelo contrário: “A maior parte dos dados revelam que, em
média, quando a imigração aumenta, o crime diminui.”
Acrescenta o Papa: “Quem fomenta o
medo contra os migrantes, talvez com fins políticos, em vez de construir a paz,
semeia violência, discriminação racial e xenofobia, que são fonte de grande
preocupação para quantos têm a peito a tutela de todos os seres humanos.”
Francisco diz ainda que é possível
descobrir que os migrantes e refugiados “não chegam de mãos vazias: trazem uma
bagagem feita de coragem, capacidades, energias e aspirações, para além dos
tesouros das suas culturas nativas, e deste modo enriquecem a vida das nações
que os acolhem”. E encontram muitas vezes também “a criatividade, a tenacidade
e o espírito de sacrifício de inúmeras pessoas, famílias e comunidades que, em
todas as partes do mundo, abrem a porta e o coração”, mesmo quando “não abundam
os recursos”.
Uma das pessoas que foi exemplo
destas atitudes é evocada pelo Papa no final da mensagem: Francisca Xavier Cabrini ( em 1850-1917), canonizada em 1946 e
considerada como padroeira dos migrantes, dedicou grande parte da sua vida ao
serviço dessas populações nos Estados Unidos, para onde ela própria, italiana,
foi trabalhar., já depois de ter aberto uma escola gratuita para crianças
pobres em Roma. Conhecida como a “mãe dos emigrados”, ela percorria casas,
cidades, quilómetros e quilómetros, apoiando os migrantes na sua luta por
trabalho, contra a fome e a doença. Morreu em Illinois (Chicago), a 22 de dezembro
de 1917, com 67 anos.
Na mensagem, Francisco propõe
ainda que “não basta abrir os nossos corações ao sofrimento dos outros”. Inspirando-se no texto bíblico, o
Papa diz propõe a imagem da nova Jerusalém: “O livro do profeta Isaías (cap.
60) e, em seguida, o Apocalipse (cap. 21) descrevem-na como uma cidade com as
portas sempre abertas, para deixar entrar gente de todas as nações, que a
admira e enche de riquezas. A paz é o soberano que a guia, e a justiça o
princípio que governa a convivência dentro dela.”
Destacando o papel dos governantes
e responsáveis políticos, o Papa sugere, no entanto, que todos têm um papel
nesta questão. E propõe quatro marcos para a acção: “«Acolher» faz apelo à
exigência de ampliar as possibilidades de entrada legal (...) «Proteger» lembra
o dever de reconhecer e tutelar a dignidade inviolável daqueles que fogem dum
perigo real em busca de asilo e segurança, de impedir a sua exploração. (...) «Promover»
alude ao apoio para o desenvolvimento humano integral de migrantes e refugiados.
(...) «integrar» significa permitir que refugiados e migrantes participem
plenamente na vida da sociedade que os acolhe.”
Acerca do tema dos refugiados,
sugerem-se estes outros trabalhos recentes na imprensa:
- Nós, os muçulmanos, do
fotógrafo José Carlos Carvalho, que venceu há poucos dias o prémio
Comunicação pela Diversidade Cultural, do Alto Comissariado para as Migrações;
disponível aqui.
- A reportagem Encalhados na Turquia, de Catarina Santos (com design e
ilustração de Rodrigo Machado), publicada pela Rádio Renascença; através de texto,
fotos, gráficos e vídeo, apresentam-se histórias de refugiados sírios que
aguardam a vinda para outros países europeus, incluindo Portugal, onde alguns
deles já têm família a viver e trabalhar.
- A reportagem Com os refugiados rohingya no campo 12, de Helena Ferro Gouveia,
publicada no DN, num dos campos de rohingya no Bangladesh, com os
quais o Papa também esteve, na sua recente viagem a Myanmar e Bangladesh.
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