sexta-feira, 27 de julho de 2018

Papa Francisco e os abusos sexuais do (alto) clero: quando já não bastam soluções paliativas



 A última edição antes de férias da "Carta de Roma", que Robert Mickens hoje publica en La Croix International suscita questões de grande acuidade, que são outros tantos desafios para o Papa Francisco e para a Igreja Católica, depois de semanas em que o comportamento, por ação e omissão, de bispos e até de cardeais, fizeram escalar uma crise que já era grave.

Ainda que o texto seja longo e aborde outros assuntos, ficam aqui traduzidos os parágrafos mais relevantes:

"O verão longo e quente do Papa
(...)
Se o papa decidir atacar a raiz da crise dos abusos sexuais do clero e a resposta desastrosa e inadequada que a hierarquia lhe tem vindo a dar, terá que dedicar o resto de seu pontificado quase exclusivamente a esse gigantesco empreendimento.
Importa ter em conta que Francisco, nos seus 81 anos, chegou até aqui com relutância. E à luz dos eventos chocantes recentes e da enorme tarefa que tem agora diante dele é mais fácil entender a razão pela qual cuidadosamente evitou, nos seus primeiros anos como bispo de Roma, sequer mencionar a crise dos abusos sexuais do clero.
Se tivesse feito isso, ele ter-se-ia arriscado a que o seu pontificado ficasse atolado nos esforços para curar o que tem sido, até agora, um cancro incurável.
Ele não pode ignorar mais aquela que é claramente a maior crise a atingir a Igreja Católica, pelo menos desde a Reforma. E é uma crise que mal começou e que pode propagar-se na Igreja em outras partes do mundo.
Até este momento, Francisco e seus predecessores apenas aplicaram medidas paliativas, pensadas em grande medida para controlar as consequências do abuso sexual.
Quer eles quer outras autoridades católicas podem vangloriar-se de terem implementado uma série de novos protocolos de salvaguarda, procedimentos de triagem e novos instrumentos disciplinares que visam evitar futuros abusos.
Mas recusaram (ou foram incapazes de) implementar mecanismos jurídicos que responsabilizem os bispos por encobrirem ou ignorarem alegações (e até mesmo casos comprovados) de abuso sexual de clérigos.
Mesmo que Francisco alcançasse este último objectivo de exigir a prestação de contas do mais alto escalão da hierarquia católica, se ele não levasse a sua Igreja a mudar radicalmente de rumo, de forma planeada, isso não passaria de uma medida curativa.
Contudo, optar por ir à raiz do problema será extremamente doloroso e deparará com feroz resistência por parte de muitos cardeais, bispos e sacerdotes, bem como de boa parte dos fiéis.
Estará o papa, que fará 82 anos em dezembro, à altura da tarefa? Terá ele a resistência e, mais do que isso, a vontade de fazer mudanças profundas que terão o efeito de um remédio potente?

(...)"
Fonte: Robert Mickens, The Pope's Long, Hot Summer, La Croix International


ATUALIZAÇÃO:
O jornalista John L. Allen Jr, no jornal Crux, a propósito do anúncio do Vaticano, este sábado, de que o Papa Francisco aceitou a renúncia do Cardeal Theodore McCarrick ao Colégio Cardinalício:
"É um movimento sem precedentes nos Estados Unidos, a primeira vez que um cardeal americano renunciou a seu chapéu vermelho, e é a primeira vez em qualquer lugar do mundo que um cardeal saiu do colégio enfrentando acusações de abuso sexual. É, portanto, a confirmação mais tangível de que quando Francisco fala em ‘tolerância zero’, vale para todo mundo. […]
A partir de sábado, McCarrick não é mais cardeal. O único paralelo completo para tal movimento nos últimos 100 anos seria o jesuíta francês Louis Billot, cardeal de Pio X, em 1911, que renunciou ao cargo em 1927. Billot era um forte defensor do movimento francês conservador - Action Française -, e se recusou a recuar ao pedido papal, levando a uma audiência tempestuosa entre ele e o Papa Pio XI e a saída de Billot do colégio.” [Cf a tradução do artigo feita pela Newsleter da Unisinos AQUI]


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