Notas sobre a "Nova Evangelização"
O congresso que na semana passada ocorreu em Lisboa teve o condão de agitar algumas águas e de colocar sobre a mesa a dimensão religiosa / cristã da vida, pelo menos para aqueles que a acolhem e a vivem.
Pelo que fui lendo e ouvindo, houve iniciativas interessantes e diversificadas nesse Congresso, reveladoras de preocupação com a busca de novas linguagens para dizer e expressar a fé e de pontes com expressões e universos culturais menos cultivados em ambiente eclesial.
Por outro lado, registo que uma procissão de velas com a dimensão e o aparato daquela que percorreu algumas das principais avenidas de Lisboa no fim do sábado passado não tenha originado a cega-rega daqueles que convivem mal com o religioso, sobretudo com o religioso católico e que preferiam, talvez, que tal tipo de manifestações não saísse do perímetro dos tempos. Estou em crer que não terá sido por terem passado a reconhecê-las.
Não gostei nada de ouvir, na Rádio Renascença, durante a procissão, umas comentadoras eufóricas com o convencimento manifestado de que mais ninguém consegue reunir uma multidão como a daquela procissão. Além da ilusão em que a meu ver assenta, tal atitude sugere uma sobranceria irritante inclusive para quem olha com apreço para o que se passou naquela tarde na capital do país.
Ficou-me, por outro lado, uma interrogação que já vem a bailar há bastante tempo e que não encontrou resposta satisfatória naquilo que vi e ouvi (e que reconheço poderá ter estado distante da riqueza do que ocorreu no Congresso). Refere-se justamente ao próprio conceito ou projecto de "nova evangelização". Um cardeal, creio que o de Paris, dizia que a atitude deveria ser a de uma abordagem não apenas para as pessoas, mas com as pessoas. Já é alguma coisa, ainda que me pareça que, no que se ouve e lê, o que perpassa é um processo unilateral, assimétrico, transferencial, de quem tem ou julga que tem (algo a anunciar), para quem imputadamente não tem e que precisa (do anúncio e da matéria anunciada).
Será que não se poderia pensar e propor essa "nova evangelização" de um ponto de vista e numa atitude diversas? Acentuando mais o caminho com as pessoas, todas as pessoas "de boa vontade"? Porque é que a evangelização há-de ser apenas de uns para os outros? Porque é que não poderá passar (muito) pelo escutar, pelo estar? No fim de contas, porque não há-de haver - também - uma acção evangelizadora de sentido inverso, feita a partir dos outros, do "mundo"? Se a mensagem (os apelos, os sonhos, as riquezas, as angústias) que nos chega permanentemente de quem nos rodeia não é escutada e acolhida, acaso poderemos acreditar que esses escutem quem lhes diz que tem para eles uma boa nova?
Perguntas que deixo, suspensas, carentes de contributos.
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