quinta-feira, 10 de junho de 2010

"Não podemos imaginar Jesus como chefe de Estado"


Alex Zanotelli é um conhecido missionário comboniano que se tem distinguido pela dedicação às causas da justiça e da paz. A mais recente é a do combate à privatização da água. Numa entrevista dada há dias ao jornal Affari Italiani, defende com vigor uma reforma da Igreja Católica, a começar pela Cúria vaticana. Acabar com o Estado do Vaticano tornaria o Papa mais livre. Mas uma reforma dessa envergadura só um Concílio a poderia fazer. Eis as partes mais relevantes da entrevista:

P - Em 2005, escreveu uma carta aberta ao recém-eleito papa Bento XVI pedindo um compromisso com a África, na esteira do seu antecessor João Paulo II. Também afirmava que não podem conviver na mesma Igreja "homens de dores" e "outros tantos Pilatos". Cinco anos depois, acredita que o Papa Joseph Ratzinger tenha percebido as suas esperanças, em relação ao Terceiro Mundo?

R - É difícil medir isso no curto prazo. O Papa realizou várias intervenções e declarações bastante claras, como a encíclica "Caritas in veritate", que é um bom documento sobre estas questões. Mas é um ensinamento que não consegue chegar ao nível da base, que não entra no dia-a-dia, que não cabe na catequese das paróquias, nas homilias dos sacerdotes. Nós não o tornamos nosso. No Ocidente, há uma esquizofrenia profunda entre o que anunciamos na igreja e aquilo que vivemos.

P - Em 11 de Junho, encerra o ano sacerdotal. Nos últimos meses, a imagem do padre sofreu graves golpes, incluindo a descoberta de vários casos de pedofilia entre os religiosos. Considera que a figura do sacerdote está em crise? E em caso afirmativo, por quê?

R - Não é só a sociedade mas também a Igreja que está a passar por um momento difícil. Reconheço ao Papa Ratzinger pelo menos a coragem de ter dito a verdade. Ele reconheceu que esta é uma igreja ferida, que necessita de conversão. A pedofilia é um crime, com tudo o que implica em termos de perda de confiança da parte das pessoas. Mas o maior problema para os padres é o da pouca esperança. Há o sentimento de que muitos deles que têm puxado os remos do barco já não sabem para onde ir. E, infelizmente, ao nível das conferências episcopais e dos bispos, não há um impulso forte: existe medo. Sou de opinião que se torna necessária uma reconversão estrutural da Igreja, não só pessoal. A conversão deve começar pela Cúria romana. E isso apenas um concílio pode fazê-lo, não é um papa que o pode fazer.

P - Prevê um terceiro Concílio Vaticano?

R - Um dos erros do Concílio Vaticano II residiu em não ter feito a reforma da Cúria.
A propósito de reformas: o celibato dos sacerdotes é um problema?
Sim, é um problema problemas, mas eu tento pensar numa perspectiva estrutural.

P - A saber...?

Chegou a hora de repensar o Vaticano. Que pensar do facto de o Papa ser chefe de Estado? Imaginemos Jesus Cristo como chefe de Estado. Impossível, ele recusou isso! No último século, a única maneira de dar independência ao papado foi instituí-lo em torno do conceito de Estado. Mas hoje a ONU é reconhecida em todo o mundo e não é um estado. Imaginemos que o papa não era um chefe de Estado: como seria livre de se movimentar e de ir ao encontro daqueles que gostasse de conhecer! Ou recusar, por exemplo, no caso de ditadores sanguinários. O Vaticano deveria abandonar este conceito de Estado (...). Urge repensar toda a estrutura, a relação entre centro e periferia. Agora, existem cinco mil bispos, o que é uma estrutura grande. Precisamos de algo muito mais ágil e simples. E só um concílio poderia desencadear essa reforma.

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A propósito desta entrevista, José Manuel Vidal, editor de Periodista Digital, comenta o seguinte:
"Hay ya un amplio consenso en la Iglesia acerca de la necesidad penrentoria y urgente de reformar la Curia romana. El problema es el cómo. ¿Desde arriba o desde abajo? El poder tiende a perpetuarse, no a disolverse. Por eso, al contrario de Zanotelli, muchos teólogos (Faus, Pikaza, Espeja...) sostienen que la reforma vendrá de las bases y con mucha resistencia por parte de la cúpula. Me gustaría seguir creyendo que la reforma es posible por los dos caminos a la vez: urgida desde las bases y puesta en marcha por la cúpula. Para eso, necesitamos que el Espíritu sople como un viento huracanado. Como en la época de la primavera de Juan XXIII".

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