sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Desafios à Igreja do Papa Francisco (1) - Uma estrutura ao serviço do Evangelho e os avisos do cardeal Walter Kasper


(foto: missa de início do conclave de 2013; reproduzida daqui)

No momento em que se aguarda a nomeação de um novo Secretário de Estado do Vaticano, o cardeal Walter Kasper, ex-presidente do Conselho Pontifício para a Unidade dos Cristãos, diz que não importa tanto qual é o novo nome do mais próximo colaborador do Papa, mas, principalmente, saber até que ponto ele traduzirá a mudança de “mentalidade” que é necessária no interior da Cúria Romana. Em entrevista ao jornal italiano Il Foglio, depois reproduzida e traduzida aquio cardeal diz que a Cúria é obrigada a abandonar o “poder” e a “burocracia” em favor do “serviço à Igreja universal e, é claro, às Igrejas locais”.

No livro Francisco, Pastor para uma nova Época (ed. Paulinas), escrevi um texto intitulado Sete Desafios à Igreja do papa Francisco. Publico a seguir um excerto do capítulo 6, “Uma estrutura ao serviço do Evangelho”:

Sendo um órgão de aconselhamento e de apoio do Papa no seu governo, a Cúria não pode tornar-se, ela própria, o governo. O centralismo do papado e da Cúria acentuou-se nos últimos dois séculos, com a maior facilidade das comunicações. Antes, a autonomia dos bispos e a descentralização era muito maior. Hoje, tem de ser possível fazer a síntese entre a necessária liderança universal, a autonomia das dioceses e o serviço comum.
Dois aspectos particulares – o lugar do IOR e o papel da diplomacia do Vaticano – devem merecer uma profunda reflexão. Se, em determinada época histórica, pode ter sido importante criar um instituto bancário para gerir as poupanças da Santa Sé, de ordens e institutos religiosos, hoje a existência do «banco» do Vaticano não é mais sustentável. Não bastará a sua remodelação e a garantia internacional de que tudo está a ser feito para que o IOR não sirva para a lavagem de dinheiro. Há que colocar a questão prévia: uma instituição como esta tem algo a ver com o Evangelho? A resposta parece evidente demais...
No discurso de Bento XVI aos seminaristas de Roma, a 15 de Fevereiro de 2012, o agora Papa emérito alertara já para o risco da submissão à dimensão financeira:

«Vemos como o mundo das finanças pode dominar o homem, que o ter e o parecer dominam o mundo e escravizam-no. O mundo das finanças já não representa um instrumento para favorecer o bem-estar, para favorecer a vida do homem, mas torna-se um poder que o oprime, que deve ser quase adorado: Mamona, a verdadeira divindade falsa que domina o mundo. Contra este conformismo da submissão a este poder, devemos ser não conformistas: não conta o ter, mas o ser! Não nos submetamos a isto, usemo-lo como meio, mas com a liberdade dos filhos de Deus».

A questão da diplomacia do Vaticano pode não ter uma resposta tão clara, mas a pergunta inicial tem de ser também sobre o modo como uma estrutura destas serve ou não o Evangelho. Por vezes, o trabalho diplomático é mais um jogo de interesses do que um serviço à verdade. Podemos recordar um exemplo: nas décadas em que a questão de Timor esteve na agenda internacional, a diplomacia do Vaticano preocupou-se essencialmente, usando uma linguagem ambígua, em menosprezar a reivindicação de liberdade e autonomia dos timorenses, para não perturbar as boas relações da Igreja católica com o regime ditatorial indonésio. A linguagem da Igreja não pode ser a dos interesses, mas a da defesa profética da dignidade das pessoas, da liberdade e dos direitos humanos. Por isso, há que colocar em questão o papel da estrutura diplomática da Santa Sé.

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