(foto: missa de início do conclave de 2013; reproduzida daqui)
No momento em que se aguarda a nomeação de um novo Secretário de Estado do Vaticano,
o cardeal Walter Kasper,
ex-presidente do Conselho Pontifício para a Unidade dos Cristãos, diz que não
importa tanto qual é o novo nome do mais próximo colaborador do Papa, mas, principalmente, saber
até que ponto ele traduzirá a mudança de “mentalidade” que é necessária no interior
da Cúria Romana. Em entrevista ao jornal
italiano Il Foglio, depois reproduzida e traduzida aqui, o cardeal diz que a Cúria é obrigada a abandonar o
“poder” e a “burocracia” em favor do “serviço à Igreja
universal e, é claro, às Igrejas locais”.
No livro Francisco,
Pastor para uma nova Época (ed. Paulinas), escrevi um texto intitulado Sete Desafios à Igreja do papa Francisco.
Publico a seguir um excerto do capítulo 6, “Uma estrutura ao serviço do
Evangelho”:
Sendo um órgão de aconselhamento e de
apoio do Papa no seu governo, a Cúria não pode tornar-se, ela própria, o
governo. O centralismo do papado e da Cúria acentuou-se nos últimos dois
séculos, com a maior facilidade das comunicações. Antes, a autonomia dos bispos
e a descentralização era muito maior. Hoje, tem de ser possível fazer a síntese
entre a necessária liderança universal, a autonomia das dioceses e o serviço
comum.
Dois aspectos particulares – o lugar do
IOR e o papel da diplomacia do Vaticano – devem merecer uma profunda reflexão.
Se, em determinada época histórica, pode ter sido importante criar um instituto
bancário para gerir as poupanças da Santa Sé, de ordens e institutos
religiosos, hoje a existência do «banco» do Vaticano não é mais sustentável.
Não bastará a sua remodelação e a garantia internacional de que tudo está a ser
feito para que o IOR não sirva para a lavagem de dinheiro. Há que colocar a
questão prévia: uma instituição como esta tem algo a ver com o Evangelho? A
resposta parece evidente demais...
No discurso de Bento XVI aos
seminaristas de Roma, a 15 de Fevereiro de 2012, o agora Papa emérito alertara
já para o risco da submissão à dimensão financeira:
«Vemos
como o mundo das finanças pode dominar o homem, que o ter e o parecer dominam o
mundo e escravizam-no. O mundo das finanças já não representa um instrumento
para favorecer o bem-estar, para favorecer a vida do homem, mas torna-se um
poder que o oprime, que deve ser quase adorado: Mamona, a verdadeira divindade
falsa que domina o mundo. Contra este conformismo da submissão a este poder,
devemos ser não conformistas: não conta o ter, mas o ser! Não nos submetamos a
isto, usemo-lo como meio, mas com a liberdade dos filhos de Deus».
A questão da diplomacia do Vaticano
pode não ter uma resposta tão clara, mas a pergunta inicial tem de ser também
sobre o modo como uma estrutura destas serve ou não o Evangelho. Por vezes, o
trabalho diplomático é mais um jogo de interesses do que um serviço à verdade.
Podemos recordar um exemplo: nas décadas em que a questão de Timor esteve na
agenda internacional, a diplomacia do Vaticano preocupou-se essencialmente,
usando uma linguagem ambígua, em menosprezar a reivindicação de liberdade e
autonomia dos timorenses, para não perturbar as boas relações da Igreja
católica com o regime ditatorial indonésio. A linguagem da Igreja não pode ser
a dos interesses, mas a da defesa profética da dignidade das pessoas, da
liberdade e dos direitos humanos. Por isso, há que colocar em questão o papel
da estrutura diplomática da Santa Sé.
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