Frei Bento Domingues, na sua coluna dominical, no Público (18.09.2011):
1.
A proposta que hoje principiarei a esboçar pouco tem a ver com outras que foram surgindo ao longo dos últimos 30 anos, mesmo com as sugestões que eu próprio já fi z nestas crónicas acerca da interpretação, das formas de acolhimento prático (recepção) e do futuro do acontecimento mais marcante da Igreja Católica no séc. XX, o Concílio Vaticano II (1962-1965). Dada a velocidade com que agora tudo sucede, esse acontecimento talvez já pouco ou nada signifi que para os próprios católicos com menos
de 40 anos. É, no entanto, por causa das novas gerações, católicas ou não, que é importante não nos deixarmos atolar nas difi culdades presentes.
É normal que, no contexto das próximas evocações, estudos, balanços e desenhos de perspectivas futuras em torno dos 50 anos da convocatória dessa assembleia geral, feita pelo Papa João XXIII, a 25 de Dezembro de 1961, reapareça o confronto entre as tendências que desejam e aquelas que recusam um novo concílio. Na situação actual, basta que o Papa se pronuncie num ou noutro sentido, para saber a escolha que prevalecerá. A democracia na Igreja — a convicção de “aquilo que diz respeito a todos deve ser tratado por todos” — encontra quase sempre sofi smas e preguiça para ser desencorajada. Por outro lado, os regimes democráticos andam tão cansados que até invejam os resultados económicos da China totalitária. Mas valerá a pena preparar um novo concílio ecuménico, quando ainda estamos tão longe de ter assimilado o que há de melhor no Vaticano II?
Não são objectivos incompatíveis, antes pelo contrário. Terá de ser, porém, verdadeiramente novo e com características de universalidade que exceda tudo o que aconteceu no passado. Cinquenta anos de experiências e conquistas, com luzes, sombras e pesadas derrotas, podem ser inspiradores para entrar num processo de descoberta e reconfi guração de uma estrada larga por onde todos os seres humanos do nosso tempo, de todas as culturas, possam caminhar sem se atropelarem uns aos outros.
2.
É urgente começar. Gordon Brown, ex-primeiro-ministro do Reino Unido, num artigo recente (DN, 09/09), tem a convicção de que poucas pessoas duvidam do seguinte: hoje o mundo está à deriva, sem rumo e sem liderança, na direcção de uma segunda recessão. A política do desenrasque falhou. Com a incapacidade de concluir um acordo global, um acordo sobre políticas climáticas, um pacto de crescimento ou alteração no regime financeiro, o mundo tende a descer para um novo proteccionismo de desvalorização competitiva, guerras de moeda, restrições ao comércio e controlo de capitais.
Segundo G. Brown, feitas as contas, verifi ca-se que, por agora, a América e a Europa não podem expandir os seus gastos de consumo sem aumento de exportações e a China e os mercados emergentes não podem facilmente expandir a sua produção ou consumo sem a garantia de mercados ocidentais fortes. Torna-se indispensável restaurar uma visão ampla de cooperação global contida no pacto de crescimento do G20 que representa 80% da produção mundial. Sendo o único organismo multilateral capaz de coordenar a política económica global, tornou-se extremamente útil em 2009. Infelizmente, os Estados-membros abandonaram rapidamente esse objectivo e passaram para soluções nacionais. Como era previsível, avançar sozinho provou ser inútil para garantir a recuperação económica. Chegou novamente a vez da urgente intervenção do G20.
Em relação a Portugal, o economista José Castro Caldas é de opinião que, sem um portentoso milagre, o roteiro traçado pelo Governo português para nos salvar é o caminho mais directo para nos perder (PÚBLICO, 13/09). Sem uma mudança urgente na orientação da Europa, são previsíveis grandes turbulências e até o fi m da própria União Europeia. O Governo português, para além das medidas que terá de assumir — os países não podem fechar as portas para obras —, deveria empenhar-se com ardor nessa viragem e com mais cautelas na perigosa façanha de ultrapassar as exigências da troika para conseguir os empréstimos do “vil e mentiroso dinheiro”.
Poderia, sem dúvida, ter escolhido outras referências, para chamar a atenção para esta banalidade: o mundo
anda sem rumo, sem liderança, à deriva. Não só no plano da economia dominado pelos jogos da fi nança, em mercados sem regras e exigências éticas, sem preocupações humanas. Sem lideranças que procurem o “bem comum de toda a humanidade”, andaremos como ovelhas sem pastor, na linguagem bíblica da pastorícia, devorados pela insaciável “era da ganância”.
3.
A questão de fundo é, todavia, outra: não é possível encontrar caminhos de convergência universal sem “mudar de paradigma”, sem procurar integrar antigas e novas sabedorias nas famílias, nas escolas, na sociedade, nas políticas, uma sabedoria holística. Não para desvalorizar os caminhos das ciências e os serviços das novas tecnologias, mas para resistir às suas tentações reducionistas. O ser humano é multidimensional. Não pode ser amputado das suas raízes nem dos sonhos.
Como poderá um novo concílio convocar os seres humanos para a redescoberta do simbólico, do universo dos laços com tudo e com todos? Veremos.
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