sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Luís Miguel Cintra: "Sou actor do mistério do mundo"

O actor Luís Miguel Cintra lançou hoje, em Lisboa, três discos onde lê textos de padre António Vieira, do apóstolo São João e de Luís de Camões. A este propósito, o jornalista Tiago Bartolomeu Costa publica hoje no caderno P2, do Público, um trabalho de três páginas que, a partir de uma conversa com o encenador, conta "A viagem que o trouxe até à fé" e que "demorou o tempo de uma vida". Num texto bem urdido, acompanhamos esse percurso inquieto e inquietante, entremeado de episódios e de falas. É destas que ficam aqui alguns registos, que não dispensam a leitura do trabalho publicado.
  •  “Desde sempre precisei de exemplos. De santos. Do exemplo de vidas políticas. Voltadas para os outros e voltadas para Deus. A nós, menos grandes, e sobretudo já passada a idade de crescer, são quem nos defende do Mal, do cinismo. E nos deixam o desejo. Ainda vontade de conhecer.” 
  • “Não fui formado para aderir a determinada ideologia e dizer que sou marxista ou ateu. Sempre vivi numa grande dúvida e incertezas. Agi sempre com aquilo que me parecia correcto e grande sentido de responsabilidade” (...) “Com a idade percebi a intimidade e a lealdade para comigo, e a resolução das questões no interior de mim mesmo. Isto tem a ver com ser actor, não apenas espectador dos outros, dos espectáculos ou dos actores, nem do mistério do mundo.” “Sou actor do mistério do mundo”
  •  “Há um desejo de pensar a vida de forma mais vasta que não a materialista, que se exalta na construção de metáforas ou de espectáculos e também no que se pode chamar fé, crença ou um espanto [em uma] transcendência da vida que a torna num mistério inexplicável.” 
  • “Custa-me a ideia de missão universal, a de tornar todo o mundo cristão. Não me passaria pela cabeça que um árabe passasse a ser cristão, mas comove-me tanto um árabe virado para Meca como um cristão de joelhos num altar.” A questão é mais profunda: “Como é que é possível não se ter fé? Como se pode viver sem necessidade de acreditar em nada a não ser o que é comprovado cientifi camente? É deixar escapar uma parte principal da vida”. E resume: “É por isso que me comovo.” 
  • “Os textos são metáforas que exigem uma interpretação individual. Quando uma pessoa está a meu lado na missa e diz ‘Creio em Deus Pai’, respeito que a essa imagem corresponda uma pintura que tenha visto num museu ou uma ideia de superpai que ela tenha na cabeça. A Igreja não devia impor às pessoas uma unidade tal que despersonalize o envolvimento das pessoas naquilo e que torne as pessoas burras. A Igreja devia produzir a apropriação individual de toda a mitologia cristã, mesmo que isso levasse ao fim do poder da Igreja.” 
  • “Acreditar em Deus é acreditar também numa parte misteriosa da condição humana. Não consigo dissociar as duas coisas. Deus existirá ou não na capacidade de os homens o pensarem e de lhe darem um verdadeiro sentido. O que me agrada no cristianismo é a ideia de que Deus se torna homem. Não tem forma, ao contrário dos deuses gregos, e toma a forma humana. A forma humana pôde, um dia, conter divindade. Isso para mim é fundamental porque diz que é do ser humano que parte a sua transcendência. E é a isso que se chama alma, porque o anima.” 
  • “Gosto imenso da vida, mas tenho que me conciliar com a ideia de que ela vai acabar. Só o consigo fazer se pensar que a vida não é só a minha, mas a das outras pessoas todas.” (...) “Tenho que pensar que sou pó. Eu e toda a gente. Quanto mais me habituo à ideia de que vou morrer, mais necessidade tenho de pensar que existem outras vidas que vão continuar. E fi co a gostar mais da vida, porque gosto do que as outras pessoas vivem e fazem. Há uma espécie de corrente que transcende o destino individual e que se vai prolongando entre gerações. O que vivi provoca mais vida.”
(Crédito da foto: Público)

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