(Crónica do P. Vítor Gonçalves, de comentário aos textos da liturgia católica)
“Serão maus os teus olhos porque eu sou bom?”
(Evangelho de S. Mateus 20, 15 - Domingo XXV do Tempo Comum)
Estes dias de Setembro parecem trautear aquela canção de Ivan Lins que começa assim: “Começar de novo e contar comigo /Vai valer a pena ter amanhecido.” São os recomeços após algum tempo de férias (para os que as puderam saborear), a azáfama à volta do ensinar e do aprender, o reacender de ideias e projectos como se um novo ano começasse agora. Por entre as nuvens carregadas do pessimismo económico não haverá pequenos raios de sol que estimulam a criatividade, a simplicidade, a ultrapassagem da rotina e do acomodamento? Uma solidariedade a promover é também a de propor a aventura de “começar de novo”, em qualquer tempo e lugar.
Não pretende Jesus fazer um tratado sobre o trabalho humano com a parábola dos contratados para a vinha. Muito menos sobre a justa retribuição do trabalho realizado. A não ser na afirmação incondicional de que ninguém deve ficar sem trabalhar. É admirável o constante movimento do dono da vinha que sai, por cinco vezes, a contratar trabalhadores. Pois do empenho de todos depende o sucesso da vindima. E se assim é o “Reino dos Céus” também é a vida do mundo. A grandeza de uma sociedade mede-se mais pelo valor reconhecido ao trabalho de todos do que pela riqueza produzida. No trabalho de cada um há uma participação no próprio trabalho de Deus, um prolongamento da criação nasce do meu saber e das minhas mãos. A própria caridade não pode deixar de estimular a doação que quem recebe é capaz de fazer.
É na hora do pagamento que se revela a generosidade deste dono da vinha. A sua justiça ultrapassa as nossas contabilidades quando o denário do salário se troca por salvação, vida plena e abundante. O importante não é a competição, o julgar que “somos os melhores”, ou temos mais “direitos”, mas viver a generosidade que transborda de Deus. Se este denário é o bem total, que precisamos mais? A lógica do acumular, de ter mais para se julgar superior, de mostrar ao mundo em casas sumptuosas e em riqueza esbanjada que se está acima dos mortais, não cabe aqui. E é um grave atentado à dignidade dos mais pobres e explorados!
Mas por agora tratemos mais de trabalho do que de pagamento. E quanto a trabalho eclesial, a síntese de D. Manuel Clemente, Bispo do Porto, na Semana Bíblica em finais de Agosto, sobre a Igreja em Portugal, é um óptimo contrato a reflectir. As “sombras” e “luzes de esperança” que aponta não nos podem deixar indiferentes, a repetir “mais do mesmo”, naquele ciclo de religiosidade que refere “da terra, do sangue e dos mortos”. É possível rever os contratos de trabalho, mais cheios de direitos que de deveres, e estes, talvez vazios, que também fazemos em Igreja? Da primeira à última hora queremos mesmo acolher quem deseja trabalhar? Se não, como poderemos dizer: “vai valer a pena ter amanhecido”!
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