Encontro Terra Justa sensibiliza
para o acolhimento dos refugiados e homenageia Enfermeiras Paraquedistas
Portuguesas
Espectáculo de rua no Encontro Terra Justa, em Fafe
(foto Câmara Municipal de Fafe)
Uma promessa: detrás desta
cortina, podemos ver o rosto de um refugiado. Levanta-se o pano e um espelho
mostra a própria face. Um refugiado pode ser qualquer um de nós, é a mensagem
que as iniciativas de rua do Terra Justa – Encontro Internacional de Causas e
Valores da Humanidade, pretendem passar no centro de Fafe, desde terça-feira.
As frases no túnel que fecha o
Caminho das Causas pretendem colocar cada visitante na pele do outro: “E se de
repente a sua casa ficasse destruída? E se de repente tudo o que conhece
desaparecesse?” Nem de propósito, a iniciativa coincide com o projecto nacional
de colocar os alunos das escolas portuguesas a pensar o que levariam numa
mochila, se tivessem de fugir de repente.
“E se de repente tivesse de fugir
para se salvar e os seus familiares?”, pergunta outro cartaz do túnel. “Nunca
ninguém em falou em querer sair” do seu país, responde Eugénio Fonseca,
presidente da Cáritas Portuguesa, que participou esta quarta-feira, dia 6 de
Abril, numa das conversas de café programadas.
Eugénio Fonseca esteve
recentemente em campos de refugiados no Líbano. Neste país, em cada três
pessoas, uma é refugiada (e em cada quatro, uma é refugiado sírio). “O que os
refugiados queriam era regressar à Síria”, afirma o presidente da Cáritas. “Os
que estão a vir [para a Europa] não são os mais pobres. Os que estão a vir são
os que ainda conseguem pagar a redes de criminosos que os colocam no mar, à
procura de um país que os acolha.”
Eugénio Fonseca participava no
debate com o título “Eu tu e eles, que mundo é este?” A resposta à pergunta é
curta: “O modelo civilizacional que temos está dominado pelo ninho das vespas
dos offshores; a riqueza existe, mas
tem estado escondida”, diagnostica Eugénio Fonseca.
O presidente da Cáritas quer que
se desfaçam medos. Nas paredes exteriores do túnel, lêem-se mensagens que
tentam desfazer preconceitos e ignorâncias: “Porque é que os países muçulmanos
não recebem refugiados?” Não, não é verdade: Turquia, Líbano, Jordânia, Egipto
e outros países de maioria muçulmana recebem muitos refugiados. “Os refugiados
não são pobres, até têm smartphones.” Pudera, esse é um instrumento “vital” de
sobrevivência e contacto para quem foge de uma guerra.
O presidente da Cáritas contesta outro
preconceito: “Esta não é uma questão religiosa. Há outros interesses e muitos
posicionam-se na defesa destas pessoas, mas continuam a alimentar a guerra na
Síria”, por exemplo. E acrescenta: “Quando grita mais alto a sobrevivência e o
perigo de perder a vida, não há fronteiras que resistam.”
Referindo a importância da
anunciada viagem do Papa Francisco à ilha de Lesbos, na próxima semana, Eugénio
Fonseca contesta ainda a actual política europeia sobre o tema: “A Europa não
tem sido capaz de lidar com o problema, porque perdeu identidade. Os refugiados
que procuram a Europa vêm também à procura de um modelo político diferente do
modelo ditatorial” do qual fogem.
Um salto em paraquedas
O festival Terra Justa decorre
até sábado. Esta quinta-feira, serão homenageados dois eritreus: o padre Mussie
Zerai, conhecido como o “112 do Mediterrâneo”, por ajudar a salvar muitos
refugiados em risco; e Tareke Brhane, do Comité 3 de Outubro. Na sexta, será
António Guterres, ex-alto comissário da ONU para os refugiados.
A tarde do segundo dia do Terra
Justa iniciou-se com o “salto pela memória”, de cinco paraquedistas da equipa
“Facões Negros” para a praça Mártires do Fascismo. Foi a forma de iniciar a
homenagem ao corpo de Enfermeiras Paraquedistas Portuguesas (EPP), que existiu
durante a guerra colonial, para fazer evacuações de feridos.
As EPP foram um “enorme exemplo
de solidariedade e companheirismo”, disse o tenente-coronel José Aparício, na
conversa que decorreu na pastelaria Shake, no centro de Fafe. “Naquele tempo,
ser mulher, enfermeira e paraquedista era um passo impensável. E elas apareciam
sempre que havia um ferido grave.”
As 46 mulheres – que mal acabavam
uma missão começavam outra – “viram e ouviram coisas que ainda hoje não contam”.
Rosa Serra confirma: esteve mais
de três anos em teatros de guerra, entre a Guiné, Angola e Moçambique, depois
de integrar as EPP desde 1967. Em Janeiro de 1970, na Guiné, numa região
conhecida como “corredor da morte”. Um batalhão atingido por um ataque ficou
com vários feridos e o helicóptero de evacuação já não tinha lugar. O
comandante pediu-lhe por tudo para levar um terceiro ferido, meio inconsciente.
“Recordo o olhar de súplica do comandante, porque eles também sofriam por ver
os outros sofrer...”
O comandante sentou o ferido ao
lado do condutor e Rosa teve de viajar a segurá-lo de lado, para ele não cair
para cima do piloto. “Tento não me lembrar... Essas memórias não são como fantasmas,
mas são muito dolorosas...”
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