Agenda
Entre o Dito e o Dizer: novas declinações da misericórdia em José
Augusto Mourão é o título do encontro que, neste sábado à tarde, decorre
nas Monjas Dominicanas do Lumiar, em Lisboa (Quinta do Frade, à Praça D.
Filipa). O encontro, que se inicia às 15h30, conta com a intervenção de Maria
José Vaz Pinto e Rui Pedro Vasconcelos, que têm investigado a obra de frei
Mourão.
O encontro encerra o ciclo de
conferências A Misericórdia: um Evangelho por Habitar, tema geral escolhido
pelas Dominicanas para este ano.
Na intervenção que fará, Rui Pedro
Vasconcelos começará por sublinhar a distância entre a teologia académica e a
poesia ou a literatura, para referir depois o trabalho que frei Mourão tinha
nas homilias que fazia. Reproduz-se a seguir um excerto dessa intervenção, como
aperitivo para a participação no encontro:
O meu primeiro contacto com a obra
de José Augusto Mourão deu-se em 2012, um ano após a sua morte. Frequentei uma
inteira licenciatura em teologia sem nunca ter ouvido – nem sequer de passagem –
uma referência ao seu nome e ao seu trabalho. Tal não será de admirar pois,
tendo feito essa licenciatura no Porto, não tive, no meu plano de estudos,
qualquer tipo de seminário ou curso breve sobre poesia e literatura – sendo o
Porto a cidade de Sophia de Mello Breyner, e tendo a faculdade de teologia sido
a casa de Daniel Faria. Tal poderá ser um sinal do divórcio que ainda existe
actualmente entre a teologia – na sua vertente académica – e a literatura, a
estética ou a arte, mesmo quando representam uma procura e uma expressão do
Mistério.
O contacto com a obra de José
Augusto Mourão deu-se através da sua poesia reunida – O Nome e a Forma – e de uma colectânea de homilias – Quem vigia o vento não semeia. Penso que
comecei pela poesia. Trabalhava nessa altura numa pequena livraria dedicada às
publicações de âmbito cristão, e sentia uma certa saturação da literatura
teológica, sempre preocupada em explicar e sistematizar o Mistério do
cristianismo. Sentia-me atraído antes pela poesia: foi nesse período que a
Assírio publicou uma nova edição da Poesia
de Daniel Faria, foi aí que conheci nomes como Rilke, Herberto Hélder ou as
traduções de José Bento. Procurava, talvez, as poucas palavras com que
alimentar a minha oração. E a Poesia de Mourão convocou-me, convidou-me a
aceder ao imprevisto.
Das suas Homilias, ficava-me o
paradoxo: dificilmente as compreendia. Terminava a leitura de uma homilia sem
conseguir ficar com uma ideia comum, geral, com a “mensagem a retirar”, como
habitualmente se diz. Tal é muito raro de suceder: quando celebro a fé a cada
domingo, dá-se muitas vezes o fenómeno de, lido antes o Evangelho, eu conseguir
adivinhar as ideias que serão transmitidas na homilia. A escrita de Mourão
apontava-me para o não-dito, para um intercalar muito sintetizado de uma
sucessão de intuições, quase de pensamentos-fulgor: não me esqueço de
expressões como “a comparação é a porta de entrada do diabo”, “para os outros
quase sempre só temos sobras – left overs” ou “Deus é como um anti-destino na
nossa vida”. Não há em Mourão, parece-me, uma intenção de apresentar uma
explicação desenvolvida de uma mensagem bíblica: há, antes, a preocupação de
suscitar no ouvinte/legente a busca de um Mistério, a atenção perante as
diversas experiências do real. A explicação pode afogar, soterrar o crente no
já-dito, numa fé decorada e assumida: parece-me que a pregação de Mourão – o
seu ministério como dominicano – se orientou pelo desejo de despertar o crente
através de passos difíceis e de sentenças tão realistas como poéticas, não
deixando adormecer num discurso já habitual.
(Na altura da morte de frei Mourão,
publiquei no Público uma evocação da sua vida e do seu pensamento, com o título
O frade que trouxe a semiótica para
Portugal. O texto pode ser lido aqui; o livro Diálogos com Deus em Fundo, ed. Gradiva, inclui uma entrevista com frei Mourão, feita em 2001 e publicada igualmente no Público, com o título São precisos net-monges.)
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