Há um “efeito” do Papa Francisco
na crise da Europa a propósito dos refugiados, a avaliar pelos resultados de
uma sondagem publicada há dias em França pelo semanário católico La Vie: 54 por cento dos católicos
interrogados no final de Abril são favoráveis ao acolhimento dos refugiados
chegados recentemente à Europa. Um mês antes, apenas 38 por cento manifestavam
essa disponibilidade. Entre as duas sondagens, o Papa realizou a sua viagem a Lesbos, a ilha grega onde têm chegado
milhares de pessoas em busca de auxílio, e levou consigo, para Roma, três
famílias sírias que tinham fugido da guerra.
Uma das famílias de refugiados sírios, já em Roma
(foto reproduzida daqui)
Jérôme Fourquet, um dos
responsáveis do instituto que fez o inquérito, diz, citado por La Vie, que “o Papa desperta as
consciências dos católicos praticantes e provoca um electrochoque, ou seja, um
sobressalto.”
No total, revela ainda a sondagem
(mais informações e resultados aqui),
46 por cento dos franceses é favorável ao acolhimento de refugiados.
Na semana passada, o Papa recebeu
o Prémio Carlos Magno, que uma associação sediada na cidade alemã de Aachen (Aix-en-Chapelle)
atribui a quem se distinga no trabalho em favor da paz e da unidade na Europa.
No seu discurso, o Papa criticou a
corrupção e os muros que se erguem contra os refugiados. E perguntou: “Que te
sucedeu, Europa humanista, paladina dos direitos humanos, da democracia e da
liberdade?” Citou ainda Robert Schuman, para afirmar: “‘A Europa não se fará
duma só vez, nem através duma construção de conjunto; far-se-á através de
realizações concretas que criem, antes de tudo, uma solidariedade de facto’. (...) é preciso voltar àquela
solidariedade de facto, à mesma generosidade concreta que se seguiu à II Guerra
Mundial, porque ‘a paz mundial – continuava Schuman – não poderá ser
salvaguardada sem esforços criativos à altura dos perigos que a ameaçam’. Os
projetos dos Pais fundadores, arautos da paz e profetas do futuro, não estão
superados: inspiram-nos hoje, mais do que nunca, a construir pontes e a
derrubar muros. (O discurso pode ser lido aqui na íntegra;
duas notícias com excertos podem ser encontrados aqui e aqui).
Uma das famílias de refugiados que
foi para Roma, e que deixou a sua casa depois de um bombardeamento, afirmava há dias, ao Religión Digital, que o Papa lhes
ofereceu “um sonho” e “uma nova oportunidade com esperança de um futuro seguro”.
Precisamente sobre o sentido da
viagem do Papa a Lesbos (e também sobre a forma como o assunto foi noticiado
nas televisões portuguesas), Eduardo Jorge Madureira escreveu, na sua crónica Os
Dias da Semana, no Diário do Minho de 17 de Abril:
Doze sírios no Vaticano
O filósofo Emmanuel Lévinas e, depois, o ensaísta Jacques
Julliard encontram-se entre os que indicaram o correcto modo de combinar a
caridade e a justiça. “A caridade é impossível sem a justiça e a justiça
deforma-se sem a caridade”, explicou Emmanuel Lévinas, em Entre nous. Essais sur le penser à l’autre (Paris: Grasset, 1991).
Em O fascismo que se avizinha
(Lisboa: Instituto Piaget, 1996), Jacques Julliard sustentou que “a justiça sem
caridade é uma ilusão, a caridade sem a justiça é uma impostura”. Praticar a
caridade e lutar pela justiça são, pois, acções que se devem associar. O Papa
Francisco conjugou-as ontem na ilha grega de Lesbos.
Os abundantes relatos noticiosos,
que dominaram a tarde informativa de ontem, destacaram o facto de, com o Papa
Francisco, terem seguido para o Vaticano 12 refugiados sírios, seis dos quais
menores. Diversos diários, como, por exemplo, Le Figaro, que diz tratar-se de uma “iniciativa absolutamente sem precedentes”, The Guardian, El País ou
The New York Times tiveram no topo
dos seus sites a notícia dessa ida
para o Vaticano das três famílias muçulmanas, que se
encontravam em vias de deportação. Entre nós, a RTP 1 esteve à altura de
entender a importância da visita papal, dando-lhe apropriado destaque na
abertura do Telejornal. A SIC referiu
a notícia na abertura Jornal da Noite,
mas empurrou o seu desenvolvimento para meia hora mais tarde, para depois dos
habituais longos minutos de publicidade. A TVI despachou o assunto a correr, também
quase meia hora depois do início do Jornal
das 8 e a seguir à publicidade; os minutos poupados distender-se-iam,
depois, para noticiar a visita do príncipe William de Gales e Kate Middleton à
Índia e descrever com minúcia o guarda-roupa que Kate aí usou.
Ao visitar Lesbos, Francisco
demonstrou querer estar próximo dos que fogem da guerra e da miséria,
manifestando-lhes a sua solidariedade. “Não estais sós”, disse o Papa aos
milhares de refugiados que se encontravam no campo de Moria. Muitos foram
cumprimentados pelo Papa, que foi acompanhado por Bartolomeu I, patriarca de
Constantinopla e líder espiritual das igrejas ortodoxas, e Jerónimo II, que
preside à Igreja de Atenas e de toda a Grécia. Francisco encontrou-se ainda com
outro grupo de refugiados, que o aguardavam sentados numa tenda. Entre os que o
esperavam, encontravam-se dezenas de crianças. Uma criança afegã proporcionou
um momento de assinalável conteúdo simbólico, ao oferecer um desenho que
fizera, no qual se podia observar um pequeno barco com a bandeira do
Afeganistão. Os jornalistas presentes retiveram as palavras que o Papa dirigiu
aos seus assessores: “Quero guardá-lo. Que não se perca, é para a minha
secretária. Isto é um símbolo”.
A visita não se esgotou na afirmação
da proximidade do Papa para com as vítimas deste drama. “Viemos para atrair a
atenção do mundo perante esta grave crise”, foi uma das afirmações de Francisco
que o diário espanhol El País
sublinhou. Notando que as viagens do Papa “têm vindo a subir de intensidade”, o
jornal citou o “veemente chamamento à responsabilidade e à solidariedade” feito
na Grécia. Atrair a atenção e reclamar que a situação se resolva. A “Europa é a
pátria dos direitos humanos”, razão por que “qualquer um que ponha o pé em solo
europeu deveria poder experimentá-lo”.
Afirmando compreender a preocupação das instituições e das pessoas, que
considerou legítima, o Papa pediu para que não seja esquecido que os emigrantes “não são números, mas pessoas com
rostos, nomes, histórias”. Francisco, como, mais uma vez, se viu, não se cansa
de associar gestos concretos aos pedidos que formula.
2 comentários:
Papa Francisco, um Homem! Pela justiça, pela paz, pela caridade, pela dignidade de todos e de cada um e cada uma. “Somos todos irmãos e irmãs”, repete tantas vezes. “Todos e todas filhos do mesmo Pai”. Que tenha uma vida longa, com saúde e lucidez, para levar a Igreja e a Humanidade à plenitude da Vida! Abraço, amigo António.
Muito, muito bom , tudo o que bem escreveu sobre o Papa Francisco na Revista E do Expresso de 30.04.2016
Muitos parabéns.
Um abraço do
Augusto
Enviar um comentário