Livro
Pouco se sabe acerca de Maria de Nazaré que, muito jovem, foi mãe de Jesus. Mas, como escreve Jacques Duquesne (Maria, A Verdadeira História da Mãe de Jesus, ed. Asa), “esta quase desconhecida foi representada de todas as maneiras – com talento, ingenuidade ou estupidez – e sem ela a História da Arte seria completamente diferente”.
Pouco se sabe acerca de Maria de Nazaré que, muito jovem, foi mãe de Jesus. Mas, como escreve Jacques Duquesne (Maria, A Verdadeira História da Mãe de Jesus, ed. Asa), “esta quase desconhecida foi representada de todas as maneiras – com talento, ingenuidade ou estupidez – e sem ela a História da Arte seria completamente diferente”.
A escassa dezena de referências dos
quatro evangelhos canónicos à sua pessoa contrasta com a maior importância que
lhe é dada nos apócrifos (os textos não aceites como autênticos ou divinamente
inspirados, onde até se “identificam” os pais de Maria, sobre os quais não há
certeza histórica nenhuma) e, mais ainda, com todas as alusões, invocações e
atributos que, ao longo da história, se centraram na sua figura.
Resume ainda Duquesne: “Esta
mulher ignorada pelos autores do seu tempo foi proclamada três séculos mais
tarde mãe de Deus, depois rainha e mãe da Igreja e mil vezes coroada. Ela foi –
e continua a ser – invocada por milhões de homens e mulheres. São-lhe
atribuídos milhares de milagres. Nunca ninguém no mundo inspirou tantos hinos,
cânticos, poemas, histórias.” E, numa alusão a fenómenos como Fátima, lembra o
jornalista católico francês (autor também de um Jesus que causou muita polémica) que esta mulher arrasta multidões
“para os lugares onde ela apareceu, onde ela falou e falou bem mais do que nos
Evangelhos, séculos depois da sua morte”.
Foi precisamente esse fascínio de
tantos milhões que levou as autoras deste “acervo” de arte a dar-nos um retrato
dos retratos desta mulher ímpar na história da humanidade. São 370 imagens
(quase todas pinturas, algumas esculturas e algumas fotos de santuários a ela
dedicados) aqui reunidas, que nos dão o mais belo das diferentes invocações,
factos miraculosos ou histórias relacionadas com Nossa Senhora, como
popularmente é tantas vezes designada.
O pequeno álbum, em formato de
livro de bolso, mas com quase 800 páginas, percorre as etapas da vida de Maria
de Nazaré. Mas a leitura que ele constrói é mais teológica e reflexiva do que
cronológica, começando por apresentar as profecias e prefigurações marianas. Ou
seja, incluem-se aqui as narrativas que relacionam a figura venerada no
cristianismo com as mulheres que se destacam no judaísmo bíblico do Antigo
Testamento. Maria é a nova Eva, mas está também prefigurada nas matriarcas
fundadoras como Agar, Sara, Rebeca ou Raquel, ou em mulheres profetizas como
Ana e Abigail ou mulheres lutadoras como Betsabé, Jael, Judite ou Ester. Nesse
sentido, a arte acabou por traduzir a aproximação popular às figuras do
judaísmo através dos atributos e características de Maria.
Essa lógica continua em vários
outros capítulos – iconografias e símbolos, infância de Maria, Maria e Jesus,
Maria e a Paixão de Cristo, Maria e os santos, Maria no Oriente –, e apenas se
altera quando se fala de Maria ao longo dos séculos, em que se dá uma
perspectiva de evolução da história da arte relativa à sua representação. Dois
capítulos finais sobre as festividades e os santuários, bem como um anexo com a
lista dos fenómenos de aparição mariana completam a preciosa informação
iconográfica e documental do livro.
O traço comum a todas as
abordagens é a profunda relação que se estabelece entre a humanidade e o
sagrado; uma e outro estão implicados e são inseparáveis – são uma e a mesma
coisa, nessa revelação de que a humanidade é sagrada e que o sagrado só o é
quando vai ao mais fundo do humano.
Este livro, e a arte que ele
revela, mais não faz mais do que colocar a arte a recuperar a figura marcante,
mesmo se misteriosa e quase desconhecida, que foi Maria de Nazaré. Aquela capaz
de exaltar os humildes e os famintos, como faz no seu hino, a que faz perguntas
ao anjo ou ao filho, a que se alegra com o nascimento e crescimento do filho ou
sofre com a sua morte, aquela que é capaz do silêncio, a que cultiva o
quotidiano como se da eternidade se tratasse.
(texto publicado no DN de 24 de Dezembro)
Título: Maria
Autoras: Martina Degli'Innocenti e Stella Marinone
Edição: Círculo de Leitores
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