No artigo de hoje no Público, frei Bento Domingues escreve sobre o casamento católico e a forma esse acontecimento é preparado pela Igreja. Aqui fica o texto.
1.O alarme foi dado pelos meios de comunicação social baseado em dados estatísticos: em 10 anos, na diocese de Lisboa, os casamentos católicos baixaram 62%. Observaram-me que, se este ritmo se mantiver, em poucos anos, deixará de haver divórcios de casais católicos e um tema recorrente nestas crónicas – a situação dos divorciados na Igreja – também estará esgotado. É melhor, no entanto, não fazer previsões.
Dir-se-á que, depois de alguma alergia ao institucional, do proclamado desinteresse pela política, pelos partidos, pelos actos eleitorais, as instituições da Igreja e a Igreja como instituição também não poderiam fugir muito à tendência geral. Em parte assim será, mas o realce que a notícia teve, nos meios de comunicação social, dava a ideia de que o catolicismo, em Portugal, estaria em acentuado declínio e a hierarquia católica não poderia continuar a alimentar a ficção de que só existe o modelo católico de família que defende.
Não adianta muito pensar que este decréscimo brutal dos casamentos católicos seja apenas o fruto de políticas laicas acerca da família nem a sua estrepitosa divulgação seja regozijo com a perda de influência do catolicismo. Em Portugal, a liberdade religiosa não está em perigo, nem o direito ao casamento católico. A questão de fundo é outra: que fazer para que as famílias se transformem numa fonte de vida evangelizadora das novas gerações? A estatística citada sugere que as novas gerações só poderão receber uma herança se esta for um convite à invenção de novas formas de ser cristão.
2. Para a compreensão e vivência do casamento católico, surgiu, em Paris, em 1938, um inspirado movimento, obra do Padre Henri Caffarel (1903-1996). Em 2006 foi aceite o pedido de abertura do processo da sua beatificação.
Durante a Segunda Guerra Mundial, o movimento expandiu-se e foi criada a revista "L'Anneau d'Or", divulgando a experiência das pequenas equipas e a sua espiritualidade. Em 1947, o movimento organizou-se e foi elaborado um documento fundador: a "Carta das Equipas de Nossa Senhora”, revista em 1976. Em 2002, o Pontifício Conselho para os Leigos reconheceu, finalmente, as Equipas de Nossa Senhora (ENS) como Movimento de Fiéis Leigos. O Movimento expandiu-se por todos os continentes. Entrou, em Portugal, em 1957.
Sessenta anos depois, são celebrados os êxitos imensos deste Movimento de espiritualidade conjugal, apesar das dificuldades e dos limites que a moral familiar oficial impõe. No entanto, muitos casais das ENS interrogam-se: onde teremos falhado para que alguns dos nossos filhos não se casem pela Igreja e nem os seus filhos querem baptizar? Andaram em colégios católicos, foram à catequese, alguns até foram catequistas, pertenceram a movimentos juvenis da Igreja e, depois, nada! Resta-lhes a consolação de que alguns valores essenciais informem as suas vidas.
3. Esta sensação de culpa não tem, por vezes, muita razão de ser. Já não estamos no tempo em que os pais e as mediações de formação da Igreja eram as únicas referências no crescimento dos filhos. Vivemos em sociedades abertas e os mais novos, para além da natural rebeldia da juventude, podem dizer aos pais, de forma clara ou velada: eu já não vou por aí.
Uma observação destas não pode servir, todavia, para a resignação dos pais, dos educadores católicos e da pastoral da Igreja no seu conjunto.
Tendo em conta o que está a acontecer, seria preciso, depois de um debate alargado a paróquias, dioceses, movimentos e universidades católicas, reunir um Concílio dedicado exclusivamente à moral familiar proposta na Igreja e ao reexame do que se passa nas outras religiões e nas diversas manifestações da sociedade civil.
Para o vigente Código de Direito Canónico, "O pacto matrimonial, pelo qual o homem e a mulher constituem entre si a comunhão íntima de toda a vida, ordenada por sua índole natural ao bem dos cônjuges e à procriação e educação da prole, entre baptizados foi elevado por Cristo nosso Senhor à dignidade de sacramento. Pelo que, entre baptizados, não pode haver contrato matrimonial válido que não seja, pelo mesmo facto, sacramento." (Cân. 1055).
As implicações teóricas e práticas desta apresentação do casamento merecem um amplo debate que não é para esta crónica. A pergunta que deixo é outra: que pretende quem procura celebrar um casamento católico e o que recusa quem, embora baptizado, não quer casar pela Igreja?
As dimensões de vida, a importância, as ambiguidades e mesmo os equívocos, que envolvem a opção por uma união de facto, um casamento civil ou um casamento religioso, não cabem em apreciações e valorizações esquemáticas.
É normal que a celebração do matrimónio suscite uma vontade de festa que não tem de ser uma exibição de riqueza real ou aparente. A Igreja, sem negar a importância de uma grande festa, deve propor, aos ricos, uma ocasião para repartir com os pobres. Os Encontros de Preparação para o Matrimónio (CPM), devem ajudar a perceber que os noivos não estão obrigados a promover a indústria dos “casamentos de sonho”.
Sem comentários:
Enviar um comentário