segunda-feira, 31 de maio de 2010

O balanço de Anselmo Borges sobre a visita do Papa

No DN de sábado, Anselmo Borges completa o seu balanço da visita do Papa, começando por afirmar:

É possível fazer um balanço da viagem do Papa? O que aí fica não passa de breve tentativa. 1. Quem é que nos visitou? Um Papa que é um intelectual afamado, reconhecido por crentes e não crentes. Foi um dos peritos do Concílio Vaticano II.
Amigo do colega teólogo Hans Küng, seguiram caminhos diferentes a partir de 1968. Quando viu a ameaça do radicalismo ateu dos estudantes de Teologia, que consideravam a cruz uma "expressão da adoração sadomasoquista da dor" e o Novo Testamento um "meio de enganar as massas", deixou a Universidade de Tubinga e foi para Ratisbona. Hans Küng escreveu nas suas Memórias: "Ratzinger rejeitou totalmente aquele caos de 1968 e creio que foi esse o ponto decisivo da sua mudança para uma orientação conservadora."

A continuação do tetxo pode ser lida aqui. O primeiro artigo, que não foi ainda reproduzido no blogue, pode também ler-se aqui.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Artes do Claustro em São Vicente de Fora

Teresa d'Ávila dizia que Deus andava também entre os tachos e panelas. Talvez seja essa uma das razões para que, dos conventos e mosteiros, sempre tenham saído coisas doces. Mas não só: também há cada vez mais artesanato, pintura, ícones, escultura ou objectos para a devoção pessoal.

Desde esta sexta-feira, até dia 6 de Junho, no Mosteiro de São Vicente de Fora, em Lisboa, decorre a 1.ª Mostra de Produtos Conventuais. Bolachas, compotas, licores e também objectos religiosos, ícones, pinturas, esculturas, artesanato e outros estão à disposição dos interessados em conhecer o que se faz nos mosteiros e conventos portugueses.

São 14 as ordens e congregações religiosas (mais um seminário, um centro de espiritualidade e uma paróquia) participantes nestas Artes do Claustro. A ideia começou por ser pensada só para a área de Lisboa, mas rapidamente foi alargada a todo o país, se bem que ainda a um âmbito reduzido. Criar um ritmo anual e alargar a participação ao maior leque possível de mosteiros e conventos são as duas ideias em perspectiva.

A mostra está aberta todos os dias (excepto segunda) das 12h às 22h (sextas e sábados até às 24h). Nos dias 29 de Maio, 1, 3 e 5 de Junho, haverá chá no mosteiro, às 17h, servido pelo Convento dos Cardaes. Hoje, sábado, às 19h30, há um concerto de cravo com Flávia Castro e na sexta-feira, dia 4, um outro com o coro da Universidade Católica.

Esta sexta e sábado decorre o colóquio Mosteiro de São Vicente de Fora - Arte e História, que incluiu a apresentação de uma monografia sobre o mesmo. A publicação resulta de uma investigação sobre o património e a história do mosteiro - que na época filipina era definido como "hum dos mayores e magníficos templos não só de todo o Reyno mas da Europa".

Na apresentação, esta sexta ao fim da tarde, o bispo Carlos Azevedo destacou que "raros são os estudos rigorosos sobre monumentos". Reunindo um conjunto de investigadores, este trabalho pretende ser a primeira obra de referência sobre São Vicente de Fora. O colóquio inclui, nesta tarde de sábado, visitas guiadas aos vários espaços - incluindo ao extraordinário património de azulejo, numa viagem guiada por José Meco, a partir das 15h30.

No mesmo espaço, na entrada do Museu, está patente a exposição "Perspectivas", com algumas das fotos incluídas no volume agora apresentado, mas tratadas a preto e branco. A não perder.

(adaptação de notícia publicada na edição do Público de dia 27)

A entrevista do Patriarca

O Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo (JP), dá hoje uma entrevista à Rádio Renascença que merece ser lida com atenção (pode também ser ouvida e vista no site daquela emissora). Deixamos aqui dois trechos:
Sobre os movimentos carismáticos

Renascença - O Papa falou, aliás, na necessidade de acolher novos carismas...

JP - Aí está, o Papa pôs o dedo, não digo na ferida, mas no ponto quente. Porque, por um lado, a criatividade carismática é justa e sempre existiu na Igreja e, neste, últimos anos, temos vivido ao ritmo de uma grande pujança daquilo a que se chamaram novos movimentos ou novos carismas, mas isto tem que ser vivido no realismo da unidade da Igreja.

Renascença - Há, de qualquer forma, nalgumas destas novas formas eclesiais, uma certa postura quase de provocação, de desafio a uma nova postura da hierarquia. Sente isso?
JP - A provocação e o desafio têm lugar na missão da Igreja, quando se trata de quebrar o marasmo das coisas adquiridas, a incapacidade de responder às necessidades da evangelização no mundo contemporâneo. A provocação é boa.

Renascença - Vê isso como positivo?
JP - Vejo como positivo. Agora, o problema do desafio é o da unidade. Há um autor que diz, poeticamente, que é preciso que esses movimentos não façam a confusão da ostra, que confunde o oceano com a água que tem dentro da sua concha. Este é um grande desafio, de parte a parte.

Sobre o veto de Cavaco Silva

Renascença - Nos últimos quatro anos, assistimos a uma alteração da legislação da família de que o último ponto foi a promulgação da lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Desiludiu-o a atitude de Cavaco Silva?
JP - Com toda a franqueza, eu esperava que ele usasse o veto político. Sabemos a fragilidade do veto político na nossa actual Constituição, mas penso que ele, pela sua identidade cultural, de católico, precisava de marcar uma posição também pessoal. Já não lhe exigíamos que fosse tão longe como o rei da Bélgica, que abdicou por um dia para não assinar uma lei que não queria assinar. Mas se o fizesse [o veto] ganhava as eleições. Agora, não nos competia a nós dar sugestões nesse campo. Tenho pena de que o professor Cavaco Silva não tenha usado o veto político.

Renascença - Portanto, não o convenceu o argumento prático de que a lei, de qualquer forma, passaria na Assembleia e de que seria mau o atraso, o arrastar do caso...
JP - O discurso do senhor Presidente, e ele sabe a amizade que lhe tenho, levava a uma conclusão que depois não aconteceu. Temos muita difi culdade em ver como é que um veto político prejudicaria o combate à crise económica. Aquela relação causa-efeito, a mim, não me convenceu. Mas o argumento principal não era o da efi cácia política, era o do gesto dele, como pessoa, como Presidente eleito pelos portugueses e pela maioria dos votos dos católicos portugueses, de se distanciar pessoalmente. Quando assinasse, fá-lo-ia porque tinha mesmo de ser. Naquela altura, não tinha de ser.

Renascença - No fundo, quando diz que se o Presidente tivesse feito diferente ganharia as eleições, está subjacente que acha que assim as perde?
JP - Não sei. Daqui a alguns meses, comentamos isso, está bem?...

Que vamos fazer?

"(...) Agora, depois da visita, agora sim, não há uns melhores que outros, temos que ser todos melhores. Pobres de nós, se ficássemos na mesma. Logo na Igreja. Que vamos fazer? Será que acordámos ou continuamos adormecidos? Será que nos voltámos para o mundo, que é o nosso lugar, ou continuamos fechados, olhando o nosso umbigo? Será que nos convertemos para dar aos homens outro – o verdadeiro – rosto da Igreja, ou continuamos a privilegiar o funcionalismo e o bonito? (...)"

D. Manuel Martins, in Página 1, 27.5.2010

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Os Mistérios da Missa, de Calderón de la Barca

O Teatro do Ourives, um grupo recém-formado cujo nome se inspira na peça de Karol Wojtyla/João Paulo II, apresenta-se esta sexta-feira na sua estreia, com a peça Os Mistérios da Missa, de Pedro Calderón de la Barca. Será no Castelo de Sesimbra, às 21h30 com reposição dia 2 de Junho no Seminário de S. Paulo (Almada), às 21h30 e a 11 de Junho, no Lavradio, às 21h00 (sempre com entrada livre). A peça será representada por José Nogueira Ramos, José Reis Jorge e ainda Sara Ideias, Carla do Carmo Bulhões, José Sebastião, Bruno Couto e Bruno Moreira. Na apresentação, escreve Júlio Martin da Fonseca, que encena:

Religando o que foi com o que será
(Karol Wojtyla in "A Loja do Ourives")

Ao reler estas palavras, revemo-nos na presença dialogante entre a tradição cultural e espiritual e o futuro como uma realidade aberta. A viagem anunciada é a de procurar e encontrar na contemporaneidade, para além do imediatismo estéril, a fértil intemporalidade.

A obra de Pedro Calderón de la Barca é um destes casos exemplares. Os seus Autos Sacramentais, coetaneamente representados na rua, em ambiente de festa social, no dia do Corpo de Deus, continuam a potenciar, para além de um género dramático-religioso, uma fonte de participação estética e emocional, aberta a uma constante reelaboração das mundividências pessoais e colectivas, sendo Os Mistérios da Missa, uma verdadeira obra-prima de didactismo teatral, que dá a ver a Liturgia como uma Poética de construção de sentidos e de relações.

Este é o caminho do Teatro do Ourives, a atenção à presença encarnada e a escuta às palavras, aos gestos e à suave brisa de uma Nova Primavera!

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Círculo vicioso

"De cada vez que nos fechamos ou fechamos os outros no círculo vicioso da acusação - culpabilização é porque nos esquecemos que o coração da fé cristã não é a lei, mas Cristo"
Marguerite Léna, filósofa
in Croire.com

sábado, 22 de maio de 2010

A criação do mundo
























"No primeiro dia da criação,
criou Deus o Céu e a Terra e os elementos,
e é certo em boa filosofia, que não ficou
nenhum vácuo no Mundo, tudo estava cheio.
Com isto ser assim, e parecer que não havia já
lugar para caber mais nada,
ao terceiro dia vieram as ervas, as plantas, e as árvores;
e com serem tantas em número
e tão grandes, couberam todas.
Ao quarto dia veio o Sol, e sendo aquele imenso planeta
cento e sessenta e seis vezes maior que a Terra,
coube também o Sol;
vieram no mesmo dia as estrelas tantas mil,
e cada uma de tantas mil léguas,
e couberam as estrelas.
Ao quinto dia vieram as aves ao ar, e couberam as aves;
vieram os peixes ao mar,
e com haver neles tantos monstros de disforme grandeza,
couberam os peixes.
No sexto dia vieram os animais
tantos e tão grandes à Terra, e couberam os animais:
finalmente veio o homem,
e foi o homem o primeiro que começou a não caber (...)".

Pe. António Vieira
Sermão pregado na Capela Real, no ano de 1650

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Músicas que falam com Deus (5) - Os Salmos e a Torá de Moni Ovadia


Moni Ovadia, nascido em 1946 na Bulgária, é músico, cantor, actor, escritor e autor teatral. Judeu, vivendo em Itália desde criança, Moni fundara, em 1972, o Gruppo Folk Internazionale, cujo repertório era dedicado à música dos Balcãs. Entre as suas obras literárias ou teatrais, destacam-se «Dybbuk», sobre a Shoah, considerada a mais importante peça sobre o Holocausto. A sua música, onde a inspiração do Judaísmo e da música klezmer é evidente, assenta quase só na sua voz intensa e vigorosa, funda e forte. Neste disco, Ovadia recorda que a Torá conta que o Universo foi criado a partir da palavra de Deus: «Disse luz e foi a luz.» Ou seja, a criação «é um fenómeno acústico», tal como a revelação a Abraão e a Moisés, no Sinai. Por isso devemos falar em «teofonia» no monoteísmo, propõe. Neste disco, nem sempre fácil, Ovadia canta orações, salmos bíblicos ou o sh’má judaico: «Escuta, Israel, o Senhor é nosso Deus, o Senhor é um.»


Título: Kavanàh; Autor: Moni Ovadia; Edição: Promomusic; informações: http://www.moniovadia.it/

(Texto publicado na revista Além-Mar, de Maio de 2010)

Diálogo entre a Igreja e a Arte no Câmara Clara


Vídeo: RTP | Emissão: 16 de Maio de 2010, RTP2

domingo, 16 de maio de 2010

O que vai sobrar desta viagem está nas mãos dos católicos

(Foto: Adriano Miranda, no Público)

Dias profissionalmente intensos e, por isso, menos possibilidade de ir comentando aqui a visita de Bento XVI a Portugal. Por isso, deixo um comentário que escrevi no Público deste sábado, em jeito de síntese de algumas questões importantes. Acrescente-se que as alusões do Papa ao "espaço novo de liberdade" que a instauração da república trouxe à Igreja são significativas, tendo em conta tantas vozes na Igreja que teimam em apenas ver as perseguições que existiram (um pouco como na questão da pedofilia). Aqui ficam então, algumas notas sobre a primeira viagem a Portugal de um Papa cuja imagem perante muitos portugueses, católicos e não católicos, mudou em quatro dias. Também por caua da forma como ele quebrou o proocolo e as estritas regras de segurança e se aproximou das pessoas:

1. A viagem de Bento XVI a Portugal ficará marcada pelas declarações do Papa acerca dos abusos sexuais de membros do clero: "A maior perseguição da Igreja não vem de inimigos externos, mas nasce do pecado na Igreja." Esta ideia devia ser evidente para todos os crentes, mais ainda para os responsáveis da instituição eclesiástica. Se sabemos que ninguém é perfeito e que, em linguagem da teologia cristã, o pecado habita a Igreja, mais essa consciência deveria existir.

Não parece ter sido assim nesta crise. Pelo menos, para vários responsáveis do Vaticano, que viram na divulgação de notícias dos casos de pedofilia uma campanha contra a Igreja. Não sou ingénuo a ponto de ignorar que há quem queira alimentar ou amplificar determinadas realidades. Mas esta não é a realidade principal.

Os responsáveis católicos que assim falaram esqueceram, aliás, factos elementares e importantes como o ter sido a Conferência Episcopal Alemã a criar uma comissão que investigou os casos que, nos últimos dois meses, vieram a público naquele país. Essa atitude dos bispos alemães coincide com a frase do Papa: só uma consciência do seu próprio pecado pode levar a Igreja (e cada crente) a purificar-se. Convém, por isso, que esses responsáveis saibam aprender com Bento XVI.

2. Uma visita de um Papa a um país permite apenas a comunicação unidireccional. O Papa veio a Portugal, pronunciou discursos, saudações e homilias, foi saudado em cada encontro que teve por alguém representativo e foi escutado, mal ou bem, pelas multidões ou convidados que acorreram às diferentes iniciativas.

Longe vão os tempos das primeiras viagens de João Paulo II, quando, nas intervenções com que era saudado, o Papa Wojtyla ouviu mesmo referências críticas a posições da hierarquia. Também já não é praticamente possível a relação directa do Papa com as pessoas. As razões de segurança sobrepuseram-se às razões da comunidade.

Mesmo se Ratzinger foi surpreendente em Lisboa, em Fátima e no Porto, quebrando essas regras e aproximando-se das pessoas por diversas vezes, isso não é suficiente para que o Papa possa perceber sentires mais profundos das comunidades.

3. Faltaram dois encontros: um com as minorias religiosas, outro com os jovens. Ambos foram remediados, o primeiro com convites para o encontro com a cultura no CCB, o segundo com uma ida organizada dos jovens à nunciatura para a serenata. As minorias religiosas mereciam mais. Ou talvez não: o clima inter-religioso em Portugal é simpático e cordial, falta um verdadeiro processo de diálogo, cuja responsabilidade maior cabe, neste caso, à maioria. Quanto aos jovens: a um ano da Jornada Mundial da Juventude em Madrid, teria sido interessante ver a capacidade mobilizadora deste Papa para um tal evento.

4. Foi pena que, no encontro das instituições de acção social da Igreja, as únicas palmas que se tenham escutado tenham sido para as alusões do Papa ao aborto e ao casamento. Provavelmente, os participantes escutaram mal - à semelhança do que aconteceu em alguns meios de comunicação: o Papa não fez uma enésima condenação do aborto, antes elogiou os que "procuram lutar contra os mecanismos socioeconómicos e culturais que levam ao aborto e que têm em vista a defesa da vida e a reconciliação e cura das pessoas feridas pelo drama do aborto". Se está implícita aqui a doutrina tradicional da Igreja sobre o tema, a frase diz muito mais que isso. E, nesta afirmação, cada palavra é importante. Nesse discurso, foi pena o Papa não ter feito uma referência mais circunstanciada à actual crise económica e à responsabilidade do sistema financeiro, na linha do que escreveu na sua última encíclica.

5. O encontro do Papa no Centro Cultural de Belém, com os agentes culturais, mostrou um Papa preocupado com a modernidade, com o diálogo intercultural, com a arte e com a busca das possibilidades de encontro. Este encontro abriu possibilidades novas num caminho que a Igreja em Portugal tem sabido percorrer.

6. Desta viagem, sobrará muita coisa. Ou nada. Tudo depende da capacidade dos católicos - e da hierarquia, em primeiro lugar - em captar algumas questões essenciais.

sábado, 15 de maio de 2010

Visita de Bento XVI a Portugal - "Em jeito de balanço"

Por Esther Mucznik * [in PÚBLICO, 15.5.2010]



No final da visita de Bento XVI, não há como negá-lo: a fé católica está viva e bem viva na população portuguesa. Pode não se querer ver, atribuir aos media, ridicularizar, rebaixar, lastimar, mas não se pode negar que o que se passou aqui, durante os quatro dias da visita papal, foi um impressionante testemunho de fé. Não apenas por parte dos velhos, dos pobres, dos desesperados: a presença do Papa desencadeou o que muitos mais escondem ou guardam para si: "Não tenhais medo de falar de Deus e de ostentar sem vergonha os sinais da fé", pediu o Papa. Creio que foi ouvido.

Isto põe em causa duas ideias mestras das nossas sociedades ocidentais nos dias que correm: a primeira é o desaparecimento de Deus, tornado inútil e dispensável pela razão humana; a segunda é o mito multiculturalista - a convivência de culturas no mundo ocidental, necessária e enriquecedora, não torna de facto obsoleta aquela que está na raiz da identidade colectiva de um povo.

O que fica desta visita papal? Em primeiro lugar, a humildade e a coragem de uma visão autocrítica do homem que veio até nós "como peregrino". Bento XVI não hesitou em dizer que as principais ameaças à igreja vêm de dentro e não de fora e, fundamental, que o perdão não se substitui à justiça. Não hesitou em criticar os que colocam demasiada confiança nas estruturas e nos poderes, em vez de se virarem para o mundo e exortou os fiéis a irem para a rua, para onde corre a vida. O Papa "conservador" falou de mudança e falou claro.

Em segundo lugar, Bento XVI verbalizou uma verdade histórica, que ainda hoje não é frequente ouvir da boca de muitos católicos portugueses: que a República "abriu, na distinção entre Igreja e Estado, um espaço novo de liberdade para a Igreja". Sem distinção, não há de facto liberdade, não apenas para a igreja - qualquer igreja - mas sobretudo para as pessoas. A separação da religião e do Estado, para além de condição de liberdade inerente a qualquer sistema democrático, é também condição indispensável da não- perversão dos valores religiosos. Dito de outra maneira, a força vital de uma religião não vem da promiscuidade com o poder, mas da tensão com esse mesmo poder: a sua criatividade vem do espaço de liberdade em que se move, não do poder que a desertifica. E só essa liberdade permite a busca de sentido de que fala Bento XVI.

Em terceiro lugar, o Papa insistiu na necessidade de retomar o diálogo entre cultura e religião, tal como se tem empenhado em conciliar razão e fé. Estas duas linhas têm sido uma constante no pontificado de Bento XVI. Diz-se que a religião é o mundo das certezas e o mundo da arte ou da cultura, das interrogações e da dúvida. Não vou por aí: uma e outra comungam da mesma dúvida, da mesma busca, seja esta entendida como uma busca mística, ou simplesmente como uma força espiritual que nos eleva acima de nós próprios - ou seja, à verdadeira beleza. Em cada verdadeira obra de arte há sempre uma centelha "divina".

O que fica da visita de Bento XVI? A imagem de um homem de fé intensa, contida e serena, provavelmente diferente do que muitos portugueses estavam à espera. À pergunta dos jornalistas aos peregrinos de Fátima: "O que sentiu?", as pessoas respondiam quase invariavelmente: "Não sei explicar", "não tenho palavras", "foi único", "uma grande emoção". A corrente passou entre os católicos portugueses e o Papa. E é evidente que este se sentiu em casa...

Uma nota para terminar: é de destacar a excelente organização da estadia do Papa, o empenho dos católicos, da Igreja e das instituições oficiais, que fez desta visita um sucesso. Mas não posso deixar de estranhar o facto de não ter sido previsto um encontro, mesmo breve, de Bento XVI com confissões religiosas não- católicas. Seria o reconhecimento de que no Portugal de hoje existem "outros" que fazem parte integrante da sociedade, não apenas como pessoas de cultura, tal como foram convidados para o Centro Cultural de Belém, mas como representantes de confissões não-católicas, nas quais se reconhecem muitos cidadãos portugueses. Talvez em 2017, quando o Papa voltar a Fátima...
(*) Investigadora em assuntos judaicos


(Crédito da foto: Página 1, 13.5.2010)

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Visita do Papa Bento XVI através de algumas frases

Palavras do Papa:

“(...) não é só de fora que surgem os ataques ao Papa e à Igreja. Os sofrimentos da Igreja surgem dentro da própria Igreja e dos pecados que existem na Igreja (...)
Sempre se sabia isto, mas hoje vemo-lo realmente de modo mais aterrador, ou seja, a maior perseguição à Igreja não surge dos inimigos que estão fora, mas nasce do pecado dentro da Igreja e, por isso, a Igreja tem uma profunda necessidade de reaprender a penitência,de aceitar a purificação”.
(Aos jornalistas no avião, no trajecto Roma - Lisboa)

"A Igreja está aberta a colaborar com quem não marginaliza nem privatiza a essencial consideração do sentido humano da vida".
(Ao desembarcar no aeroporto da Portela)

"Colocou-se uma confiança talvez excessiva nas estruturas e nos programas eclesiais, na distribuição de poderes e funções; mas que acontece se o sal se tornar insípido?".
(Homilia no Terreiro do Paço)

“Há toda uma aprendizagem a fazer quanto à forma de a Igreja estar no mundo, levando a sociedade a perceber que, proclamando a verdade, é um serviço que a Igreja presta à sociedade, abrindo horizontes novos de futuro, de grandeza e dignidade.”
(No Centro Cultural de Belém)

“A convivência da Igreja, na sua adesão firme ao carácter perene da verdade, com o respeito por outras ‘verdades’ ou com a verdade dos outros, é uma aprendizagem que a própria Igreja está
a fazer”.
(No Centro Cultural de Belém)

“Fazei coisas belas, mas sobretudo tornai as vossas vidas lugares de beleza.”
(No Centro Cultural de Belém)


[Crédito da foto: BRUNO FONSECA / LUSA]

Outras vozes


"A missa de ontem foi uma cerimónia digna e bem organizada, apesar de ser impressionante o facto de no altar não haver uma presença feminina"
(Maria João Sande Lemos, No Diário de Notícias)

"Confesso que não percebo a campanha "Foi o Pai que me ensinou", que está por todas as ruas para comemorar a visita papal. Sei que este Pai se escreve com maiúscula porque foi assim que a Agência Ecclesia escreveu no despacho que anunciava a campanha".
(José Vítor Malheiros, Público, 12.5.2010)

"Face au Tage, dans le cadre grandiose de la place Terreiro de Paco, dans une liturgie aussi simple que belle, balayée par le souffle de l'Atlantique, le dialogue entre un pape porteur de la Tradition vivante de l'Église et un peuple travaillé par les forces de la sécularisation pouvait commencer".
(...)
"Tout se passe comme si, depuis son arrivée au Portugal, Benoit XVI avait décide de reprendre la main. Reprendre la main sur la gestion médiatique de la crise pédophile en affirmant, dès le décollage de Rome, que le péché était présent a l' intérieur de l'Église, que la persécution pouvait aussi venir de l'intérieur".
La Croix, 12.5.2010

domingo, 9 de maio de 2010

Bento e Anselmo, a vinda do Papa e a pretensa ideologia de Jesus Cristo

Bento Domingues escreve no "Público" de hoje que "a vinda do Bispo de Roma, com responsabilidade colegial pelas situações das comunidades católicas de todo o mundo, deveria servir para um encontro dos católicos portugueses, nas suas diversas tendências, com as questões que agitam a cristandade e a forma como são vividas em Portugal. Se o Papa deve ter muito que dizer, também deve ter muito que ouvir. De outra forma, não haverá encontro". Um assunto para seguir esta semana.

Anselmo Borges, no DN de ontem, dizia que "no fim, o que estará em julgamento é a justiça e o amor: "Destes-me de comer, de beber, de vestir, fostes visitar-me à cadeia e ao hospital." "Sempre que o fizestes a um qualquer foi a mim que o fizestes". (…) A pergunta decisiva não é então se Jesus é de direita ou de esquerda, mas quantos católicos tentam ser cristãos". Ler tudo aqui.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Sobre a exploração da visita do Papa

A 'devoção' leva muitos media a explorar até ao tutano a vinda de Bento XVI a Portugal. Os títulos não enganam:
Claro que não existe festa sem comércio e os actos públicos e de multidões que caracterizam a visita tonam a exploração comercial praticamente inevitável. Mas não é seguro que se Cristo voltasse e visse esta feira, não pegasse, não digo num chicote para expulsar os vendilhões (Jo 2,13-17), mas não dissesse que o seu Reino não é deste mundo e actuasse em conformidade. No diário 'Página 1' de ontem publiquei, com alusões a este assunto o texto que segue:
"É já visível que a generalidade dos grandes meios de difusão colectiva se preparam para apostar forte na cobertura da viagem do papa a Portugal. Aqui não há direitos exclusivos de transmissão. Todos se podem juntar e até cooperar para fazer da visita um grande acontecimento, dos maiores, se não mesmo o maior deste ano, entre nós.
É claro que o interesse dos media não se deve a uma súbita descoberta da importância da dimensão religiosa e cristã na vida de tantas pessoas. Deve-se em primeiro lugar à percepção de que uma visita papal, com tudo o que a envolve de simbolismo, espectáculo e exotismo, é susceptível de fabricar audiência. O papa (e a visita papal) é uma “marca” que vende e, numa sociedade em que tudo se mercadeja, não se pode desperdiçar a ocasião. É ver como não são apenas as redacções que se mobilizam: bem antes delas, os departamentos de marketing dos media já começaram a trabalhar afanosamente e até os jornais das escandaleiras se entregam devotamente a apregoar um qualquer produto que explore a visita do papa.
Certo é que a dimensão e impacto desta deslocação de Bento XVI a Portugal é indissociável da cobertura mediática, que dá a muitos milhares de pessoas a oportunidade de acompanhar a distância o que se vai passar em Lisboa, em Fátima e no Porto. Importa, porém, considerar que este acontecimento se dá num quadro bastante particular, quer do ponto de vista da sociedade, quer dos media (para já não falar da própria Igreja).
De facto, encontramo-nos mergulhados numa espécie de Inverno sócio-económico e político, marcado por uma crise profunda de valores e por desigualdades cada vez mais gritantes. Em que medida a descrença crescente nas instituições da democracia e a dificuldade de encontrar um sentido para a vida serão marcados por (e marcarão) esta viagem do papa?
No plano mediático, é certo que, apesar da crise, os grandes meios, e em especial a TV, mantêm uma centralidade saliente no quotidiano. Mas os novos media e particularmente as redes sociais disputam um lugar próprio no comentário, no escrutínio, na mobilização e na participação. Esta é uma realidade nova, que não existia, em 2000, aquando da última visita de João Paulo II. Que papel terão estas redes e modalidades de comunicação antes, durante e depois da estadia de Bento XVI em Portugal? Eis o que vale a pena analisar".

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Critérios para avaliar uma religião

"Penso, com efeito, que uma religião se avalia pela sua capacidade
de melhorar a sorte do homem, de melhorar a sociedade e
de conduzir ao bem".

André Gounelle
in René Girard (2009)O Bode Expiatório e Deus. Covilhã:UBI

domingo, 2 de maio de 2010

Anselmo Borges: Católicos em autogestão?

Pessoas da política e dos media pediram-me para escrever um texto sobre o que é ser católico. Porque por vezes "discutem entre si, acusando-se mutuamente: quem é o católico?"

Apesar da dificuldade, fica aí uma tentativa simples, quase ingénua.

Afinal, o católico é antes de mais o cristão baptizado na Igreja Católica. O acento tem de estar no "cristão". Ora, quem é o cristão?

Ler mais aqui.

Bento Domingues: Jesus Cristo num hospital

sábado, 1 de maio de 2010

Mário Rui de Oliveira - A caruma e os pinhões de Roma


No Público de hoje, está um texto com o retrato de quatro padres portugueses que trabalham no Vaticano ou em instituições católicas em Roma. Este é o retrato de Mário Rui Oliveira.

A praça junto do Panteão está apinhada nesta sexta-feira de sol, em Roma. O padre Mário Rui de Oliveira, de 37 anos, que trabalha no supremo tribunal da Igreja Católica, consegue, mesmo assim, ver pormenores escondidos: as cores das casas em volta, uma "edicola", o nicho com uma pintura de Nossa Senhora numa das paredes...

O café tomara-se antes, no Sant"Eustachio, onde se bebe um dos melhores cafés em Roma. Instantes depois, diante da sóbria grandeza do Panteão, símbolo da história da cidade, confessa que "há um Mário antes de Roma e um Mário depois de Roma". Não por acaso: a capital italiana está presente nos dois livros de poesia que publicou: Bairro Judaico e Vento da Noite (ed. Assírio & Alvim).

"Saio de casa para olhar o mundo", escreveu num poema. "Essa descoberta, esse desejo de olhar o mundo, é fruto de Roma. É reencontrarmo-nos com o que se deixa nestas ruas", diz, por entre grupos que tiram fotos, comem ou riem. Ou que apenas conjugam o verbo estar, neste princípio de tarde como só Roma oferece.

O padre Mário Rui vive entre a ordem do Direito Canónico e a desordem da cidade: "Mesmo no meio do caos e da agressão, Roma torna-nos atentos à santidade e à beleza." Por isso é possível ver toda a cidade fazendo percursos através das pequenas fontes ou da pintura de Caravaggio, sugere. "A caruma e os pinhões são um dom de Roma", escreveu, num outro poema.

"Estar na Piazza Navona, com o sol a bater nos edifícios de Borromini dá-nos a sensação de estar só com o que se ama, como se fosse só meu."

Sente vontade de voltar a publicar - talvez ainda este ano. "Com o volume de trabalho, a poesia é também salvação." Mas que trabalho é este? Mário Rui de Oliveira está desde 2007 na Assinatura Apostólica, o supremo tribunal da Igreja onde, por exemplo, aprecia pedidos de nulidade matrimonial.

Um modo de ajudar, diz o canonista. "Para alguém com fé, poder celebrá-la de novo e evitar o sofrimento pode ser importante." Recorda um casal que pediu a nulidade do casamento e teve resposta afirmativa, depois negativa em segunda instância. Teria que ser resolvido em Roma, com longa demora. O casal pediu para o caso ser apreciado em terceira instância em Portugal, para poupar tempo. A resposta foi positiva. "Está em execução e as pessoas estão livres."

Recuperar essas vidas "daria um grande romance". Como ir ao encontro das pessoas e perguntar "que vidas têm agora". Sobra tempo para sonhar esses sonhos ou para "passear, partilhar uma boa "pasta" e um bom vinho, participar na oração da Comunidade de Santo Egídio, rezar as vésperas na Capela Sistina com 50 ou 60 pessoas ou acompanhar um grupo de idosos e doentes que se correspondem com condenados à morte no Texas".

"Talvez as vidas sejam tocadas, mesmo que levemente, pelo sorriso de Deus", escreve em outro poema. "No meio do sofrimento, descobrir que Deus continua a sorrir e entra na vida das pessoas é criar uma alma", diz agora, diante do Panteão.