domingo, 31 de janeiro de 2010
quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
65 anos depois da libertação de Auschwitz
Dois extractos:
“Reprenant ici très fidèlement une réflexion orale amorcée un jour par Émile Touati, on peut se demander si, soixante-cinq ans après, le monde actuel est meilleur, plus civilisé ou simplement plus lucide que celui de l'avant-guerre. Du double programme de la moralité active : combattre le mal et faire le bien, on n'a réalisé (et encore très partiellement et très imparfaitement) que la première partie. Le nazisme, expression du mal absolu, a heureusement été vaincu, mais non éradiqué. Cependant, les grandes illusions de 1945 ont été rapidement déçues. La création de l'ONU, du Fonds monétaire international, les accords de Bretton Woods faisaient espérer un nouvel ordre international, politique, économique et financier, tandis que les promoteurs du Welfare State promettaient une société plus juste, débarrassée du spectre du chômage. À cet égard, force est d'enregistrer un bilan de faillite quasi général. Les conflits nationalistes, idéologiques, ethniques ou tribaux sévissent un peu partout et ne sont pas résolus. Le terrorisme international, cancer de notre époque, constitue pour certains une « contre- société » potentielle dans laquelle la mort - ou le retour au néant paradisiaque - représente le seul refuge contre le mal. Quant à l'économie mondiale, elle semble vouée aux déséquilibres, aux crises, aux spéculations sans frein et à l'élimination des plus faibles.”
“Nous vivons à l'ère des ingénieurs - une ère plus préoccupée par le souci d'innover que de comprendre l'événement. C'est une époque de transformation radicale, réfractaire, comme souvent en pareil cas, à l'histoire. À cet égard, ce que l'humanité doit aussi comprendre d'Auschwitz, c'est qu'elle doit adopter une position de plus grande réserve face à la civilisation performante et triomphante qui nous a trahis hier. Une position d'homme face au monde, faite sinon de méfiance, au moins de discernement et d'une adhésion mesurée aux réussites, aux ors brillants et aux leurres de toutes sortes. Notre époque est aussi celle du dénombrement, des statistiques, de la réduction du divers au semblable - ce qui aboutit aux amalgames et à la confusion. La parole de Jérémie est, elle, le cri de l'individu singulier en sa souffrance à nulle autre pareille, opposable à jamais à toutes les tentatives idéologiques de compensation ou de comparaison des souffrances, à ces comptabilités démentes qui voudraient que des victimes rachètent ou effacent d'autres victimes, ou qu'elles soient en compétition les unes avec les autres.”
domingo, 24 de janeiro de 2010
sexta-feira, 22 de janeiro de 2010
Haiti: ajude as organizações reconhecidas
Observando que "quem tem perfil no Facebook já reparou em grupos de solidariedade, muitas vezes sem benefício palpável para as populações afectadas por calamidades, apenas apoio moral", nota a DECO que "é improvável que os haitianos tenham interesse em aceder ao Facebook para ler mensagens de solidariedade em português".
Para manifestar o apoio ao povo do Haiti, é, portanto, preferível optar por actos concretos, através de organizações de ajuda humanitária de confiança comprovada. A DECO cita, depois, alguns conselhos da InterAction, coligação internacional de organizações de assistência humanitária:
- a melhor forma de ajudar é doar dinheiro a organizações reconhecidas, pois permite aos profissionais procurarem o que as populações precisam e assegurar que os donativos são apropriados do ponto de vista cultural, alimentar e ambiental. Além disso, os donativos em dinheiro não sobrecarregam recursos já escassos, como transportes;
- se preferir ajudar em géneros, como alimentos, roupa ou equipamentos, contacte antes uma organização estabelecida para saber que tipo de produtos fazem falta e assegurar que o donativo chega à população afectada;
- para voluntariar-se e ajudar no terreno, sobretudo se tiver experiência em cenários de calamidade ou especialização em medicina, comunicações, engenharia, etc. registe-se no Centro de Informações sobre Desastres Internacionais, em http://www.cidi.org/.
domingo, 17 de janeiro de 2010
sexta-feira, 15 de janeiro de 2010
"Aquilo que eu tanto temia caiu sobre mim..."
(Foto reproduzida daqui)
ao homem que já não vê sentido para o seu caminho?
Em vez de comida, só me aparecem lágrimas;
servem-me gemidos em vez de água para beber.
Aquilo que eu tanto temia caiu sobre mim,
Não tenho sossego nem repouso;
vivo sem descanso, entre sobressaltos. (...)
todo o meu corpo se transiu de medo.
O vento bateu no meu rosto
e todos os meus cabelos se puseram em pé.
Estava na minha frente, mas não o reconheci;
era como uma imagem diante de mim, em silêncio. (...)
Grita, para ver se alguém te responde!
Para qual dos santos te vais voltar? (...)
Pois a injustiça não nasce da terra
nem a miséria brota do chão.
É do próprio homem que nasce a miséria,
como centelhas a saltar do fogo e voando pelo ar.
Se fosse eu, voltava-me para Deus
e contava-lhe as minhas preocupações.
Ele faz maravilhas insondáveis
e prodígios que não têm conta.
Dá a chuva à terra,
manda a água para regar os campos;
faz levantar os humildes
e dá segurança aos aflitos...
(Livro de Job, 3, 23 – 26; 4, 14 – 16; 5, 1 e 6-11, segundo a tradução d'A Bíblia Para Todos)
Ségné, vin sové nou!*
"Há males maiores...", parte 3
Uma sugestão
Sugestão de texto:
Al obispo José Ignacio Munilla quiero decir, como cristiano y católico que soy, que lamento profundamente sus declaraciones a propósito de Haiti; son declaraciones que insultan a Jesucristo, pues la pobre gente de Haiti sufre la Pasión que Jesucristo ha sofrido. Es lamentable que este señor hable en nombre de la iglesia de Jesucristo, que ha tenido toda la misericordia para todos los que sufrian. Son personas como este obispo que hacen que cada dia haya mas gente a quien no le gusta la Iglesia, porque esta (estas) persona(s) se preocupa(n) más con reglas morales y proibiciones, que con hacer felices las personas, creadas a la imagen y semejanza de Dios. Rezo por usted, obispo Munilla, para que se convierta a Jesus.
[ASSINATURA] (esperando que el message sea entregue ao obispo)
quinta-feira, 14 de janeiro de 2010
Um raro sentido de inoportunidade
Não é preciso ter lido Carlo M. Cipolla, por exemplo, para perceber o quão as afirmações do bispo representam um eloquente exemplo de estupidez humana.
Onde está Deus nestes dias?
Deus castigou-nos? Os deuses abandonaram-nos? O karma negativo das nossas vidas é demasiado forte? O fim dos tempos está próximo? O maremoto matou pessoas de todas as grandes religiões mundiais. E, por todo o mundo, os crentes interrogam-se sobre como é possível uma tragédia destas dimensões, atingindo indiscriminadamente pessoas com fé e sem fé, supostos pecadores e supostos inocentes, cristãos, hindus, muçulmanos, budistas, judeus. Num artigo publicado no "Sunday Telegraph", o arcebispo de Cantuária, Rowan Williams, considera inevitável que os fiéis se interroguem sobre a sua fé. Mas pergunta: "Se algum génio religioso surgir com uma explicação de porque é que estas mortes fazem sentido, sentir-nos-iamos mais felizes, mais seguros ou com mais confiança em Deus?".
HINDUS O KARMA NEGATIVO
Para os hindus, a explicação possível para os resultados, em custos humanos, de catástrofes em massa tem a ver com o karma colectivo, diz Ashok Hansraj, relações públicas da Comunidade Hindu de Portugal. Um acidente deste tipo não é uma condenação. E se, entre os muitos que se encontravam no local da tragédia, houve alguns que morreram e outros que se salvaram isso deve-se ao karma de cada um - as vítimas mortais "não tinham acumulado energia suficiente para poderem ser salvas". O karma, o acumular dos efeitos de cada uma das nossas acções, pode ser positivo ou negativo. E por vezes uma pessoa pode ter uma carga (positiva ou negativa) tão elevada que quando morre a carrega para a outra vida ao reencarnar. Isto explica que entre duas pessoas que nasçam e vivam em condições muito semelhantes uma possa ter muita sorte e outra não - é que, independentemente das acções nesta vida, carregam a carga da vida anterior. Não é, contudo, uma fatalidade, afirma Hansraj, porque alguém pode nascer com um "saldo negativo" e, pelas suas acções benevolentes (em relação à Humanidade e à Natureza), transformá-lo em positivo. O mundo é feito destas cargas positivas e negativas, e nos locais onde se dão tragédias o peso das cargas negativas é extremamente elevado. Mas há outro factor que, para os hindus, é muito significativo. "As nossas escrituras antigas, reveladas cinco ou seis mil anos antes de Cristo", explica Hansraj, "falam de um momento, que coincide com o nosso milénio, no qual o peso das cargas negativas na Terra será tão elevado que a própria Terra deixará de ter o seu comportamento normal e haverá muitas intempéries e catástrofes naturais". Apesar de nas condições criadas após o tsunami isso ser muito difícil, para os hindus é muito importante a cremação do corpo depois da morte, para libertar a alma. Só assim esta poderá ser julgada e se poderá avaliar a sua carga negativa ou positiva.
MUÇULMANOS O AVISO DO FIM DOS TEMPOS
Deus examina-nos constantemente, diz um dos versículos do Corão. Por isso, xeque Munir, imã da Mesquita Central de Lisboa, acredita que uma tragédia como a que vários países da Ásia estão a atravessar, e que vitimou muitos muçulmanos, é um teste de fé. O que o Islão aconselha aos que passam por uma calamidade como esta é a serem pacientes - "sem dúvida que viemos de Deus e é para Ele o nosso regresso". Se para os muçulmanos tudo depende da vontade de Deus e muitas vezes os caminhos de Alá são impenetráveis, o crente tem que aceitar o que lhe acontece e mostrar que a sua fé é suficientemente forte para resistir a estes testes divinos. O xeque afasta, contudo, a hipótese de o maremoto ser um castigo. É antes, na sua interpretação, um sinal de Deus. Sinais que, de acordo com o Corão, vão anunciar o fim do mundo. Quando este começar a aproximar-se haverá constantemente sismos, avisa o livro sagrado dos muçulmanos. Por isso, para o imã da Mesquita Central, perante a tragédia os homens devem reflectir e compreender que está na hora de deixar as guerras e de "começar a falar com Deus". Quanto aos muçulmanos que morreram - e foram muitos, tendo em conta que a Indonésia, o maior país muçulmano do mundo, foi o mais atingido - são considerados mártires, explica Munir, como todos os que morrem em acidentes. "Que tenham uma vida melhor no Além é o desejo de todos nós".
CRISTÃOS PROCURAR O BEM NO MEIO DO MAL
Se Deus é o criador do Mundo e cuida das suas criaturas, como é que existe o Mal? Esta é, segundo o padre José Manuel Pereira de Almeida, a questão para a qual os cristãos procuram resposta quando são confrontados com uma catástrofe. E se para o mal moral, aquele que pode resultar das nossas acções ou inacção, pode haver explicações, o mal físico aparece sempre como um mistério. A única resposta é que "o Mundo, como o Homem, também está muito imperfeitamente construído e carece do nosso esforço para melhorar". A lição a tirar de tragédias está, talvez, nas palavras de Santo Agostinho, que disse que Deus nunca permitiria que qualquer Mal existisse nas suas obras se não fosse para fazer sair dele o Bem. O padre Pereira de Almeida recusa qualquer ideia de castigo ou de intencionalidade divina em relação aos que morreram - "a ideia do mal físico como um castigo aparece no Antigo Testamento, mas a partir de Jesus é tudo menos isso". Afasta também aquilo a que chama uma "perspectiva masoquista" de culto do sofrimento. Se é verdade que Jesus morreu em sofrimento - e também ele perguntou "Meu Deus, porque me abandonaste?" - o que nos mostra é que "o sofrimento pode ser vivido como redentor" e que é possível a "vida não perder o sentido no sofrimento".
BUDISTAS O RESULTADO DAS NOSSAS ACÇÕES
Muito diferente é, necessariamente, a visão dos budistas, por ser uma religião que não reconhece a existência de Deus Criador, nem a ideia de desígnio divino, que faria com que algumas pessoas estivessem naquele local naquele momento. "Tudo no mundo é resultado da causalidade", diz Tsering Paldron, monja budista portuguesa. "Tudo são causas e consequências, que têm a ver com as nossas opções, escolhas, intenções, acções". Um budista não vê as coisas como castigos ou recompensas. "Este tipo de tragédias acontece por uma acumulação de causas e resultados" - nunca nos interrogamos sobre o impacto da nossa decisão quando cancelamos uma viagem de avião e nada acontece; mas interrogamo-nos quando esse mesmo avião cai. Tal como os hindus, os budistas acreditam no karma, que é a "conta-corrente resultante das nossas acções", mas, segundo Tsering, não se trata de uma visão fatalista da vida. "Tudo o que ainda não aconteceu não está pré-determinado. Tem probabilidade de vir a acontecer, mas é alterado pelas nossas acções, incluindo as que estão acontecer neste momento". Após a morte a consciência não desaparece, é um fluxo contínuo que se ligará a um novo corpo - quanto tempo demorará essa reencarnação não está definido, pode acontecer mais depressa ou mais lentamente dependendo da intensidade das acções da pessoa na sua vida anterior.
JUDEUS QUANDO DEUS SE AUSENTA DA HISTÓRIA
Para Esther Mucznik, a ideia de castigo divino é completamente inaceitável e mesmo incompatível com o judaísmo. "Senão o que seria o Holocausto, a Inquisição, toda a história judaica?". Frisando falar apenas em seu nome, Mucznik lembra o Livro de Job e a história de como um homem bom pode ser alvo dos piores castigos sem que exista uma explicação aceitável. O importante, na sua opinião, é que "não podemos conhecer os desígnios de Deus" e muito menos pensarmos que somos intérpretes desses desígnios - uma "ideia perigosa" e que leva a acções como a do assassíno do antigo primeiro-ministro israelita Yitzhak Rabin, que disse que o seu braço foi conduzido por Deus. A seguir ao Holocausto, houve uma tentativa de perceber o papel de Deus na tragédia dos judeus, e se surgiu a ideia do castigo, surgiu também a ideia de que por vezes Deus ausenta-se da História - o que para Esther Mucznik é mais aceitável. Até porque a sua visão não é a de um Deus protector. "Deus não pode ser tão interveniente na história humana", diz. E se os homens têm a liberdade de escolher desobedecer a Deus, também a Natureza tem as suas próprias leis. Para Mucznik, "o Homem e a Natureza não são apenas o reflexo da manifestação divina - só assim se pode viver com Deus".
terça-feira, 12 de janeiro de 2010
Jean-Yves Calvez [1927-2010]
O Capitalismo tem como grande defeito matar a criatividade
Esteve com frequência no Brasil, onde aprendeu Português. Com 77 anos, o padre jesuíta francês Jean-Yves Calvez tem uma vasta obra no campo da filosofia política e da doutrina social católica. Esteve esta semana em Lisboa, onde participou nas jornadas sobre o emprego, promovidas pela Fundação Ajuda à Igreja Que Sofre.
"Tocado" pelo entusiasmo da mudança de milénio, diz que, com o 11 de Setembro, "o mundo mudou". "Talvez não por razões reais, mas pela interpretação dada por Bush, criou-se uma atmosfera de receio, de inquietude", afirma, recordando que estava em Washington a 11 de Setembro. "A 'guerra ao terrorismo' é uma guerra a fantasmas. É um pouco assustadora."
PÚBLICO - Propõe, como alternativa ao abono universal e à redução do tempo de trabalho, a busca de novas formas de trabalho, de serviço "pessoa a pessoa". Quer explicar?
JEAN-YVES CALVEZ - As necessidades deslocam-se na direcção de serviços mais pessoais, de todo o género: cultural, médico, etc. [Esta verificação] será mesmo a resposta a quem diz que já não há trabalho - uma hipótese insensata, pois seria dizer que não há mais rendimentos de trabalho e que não haveria pessoas para ir comprar nos supermercados, uma impossibilidade.
Todos os processos puramente materiais são fáceis de automatizar, quando há meios mecânicos ou informáticos. Como dispomos cada vez mais desses meios, é evidente que o vamos fazer. Devemos esperar que muitas coisas passem a estar automatizadas. E não creio que haja marcha-atrás, nunca se regressa, neste tipo de coisas, ao que existia.
P. - O que alguns lamentam...
R. - Haverá gente que dirá: que pena que já não seja como era... Não o lamento de todo. Cada vez mais, à medida que as necessidades materiais forem sendo satisfeitas, as pessoas têm outras necessidades e são capazes de as manifestar.
No início, terão a impressão de que não há respostas. É o que dizem alguns velhos com necessidades reais de serviços que não encontram ou estão mal organizados... Isso quer dizer que é preciso organizar esses serviços, que as pessoas se encontrem para isso, que queiram trabalhar criando organizações, cooperativas, empresas.
P. - Isso só depende dos indivíduos?
R. - Há alguma iniciativa privada, mas será necessário haver também iniciativa pública, porque muitas destas questões dependem de decisões do poder político.
P. - Por exemplo?
R. - Ao nível da educação: preparar as pessoas para estas novas tarefas supõe que a educação pública compreenda isso, [o que acontecerá] apenas quando as autoridades o forcem.
P. - Significa que acredita numa sociedade de pleno emprego?
R. - Sim. O tempo de trabalho - que já diminuiu muito desde há um século - continuará a reduzir-se. Mas o facto de diminuir não quer dizer que não haja trabalho para toda a gente.
P. - É preciso partilhá-lo?
R. - Claro. Se o trabalho for correctamente remunerado, as pessoas não terão muito interesse em trabalhar 60 horas por semana. Simplesmente, há situações em que, por má organização, as pessoas trabalham demasiado tempo.
P. - Esse é um caminho possível?...
R. - Creio que sim. A população actual não tem o desejo de trabalhar muito tempo e, se não conseguirmos encontrar um sistema que partilhe suficientemente o trabalho, não se adaptará. A condição é que as pessoas sejam formadas nesse sentido.
P. - Foi um dos primeiros teólogos a debruçar-se sobre Karl Marx. O pensamento de Marx ainda é actual?
R. - É actual de muitas maneiras. Não se poderia compreender nada do século XIX e XX sem conhecer o pensamento de Karl Marx. É verdade que a ideia messiânica em Marx foi muito abandonada - com razão. Mas há uma grande diferença entre a sua visão messiânica da história, muito débil, e as análises [que Marx faz] da economia e a crítica do capitalismo, [que] permanecem fundamentalmente válidas. A situação a que se referenciava Marx é bem diferente da de hoje, mas as grandes linhas dessa crítica são fundadas ainda hoje.
P. - Foi nessa perspectiva crítica que escreveu o seu último livro, "Mudar o Capitalismo"?
R. - Sim, mesmo se não me ocupo muito de Marx, mas da realidade contemporânea. É possível encontrar meios de tornar o capitalismo mais igual, menos divisor da sociedade. É evidente que há uma preocupação semelhante à de Marx, na sua época, mas há uma grande diferença: Marx tinha a impressão de que o capitalismo era de todo incapaz de fazer sair as pessoas da miséria. Eu penso que, hoje, ele é capaz.
O capitalismo actual tem como grande defeito matar a iniciativa, a criatividade, de engendrar a passividade, porque tudo está determinado a partir do capital, da finança. E as pessoas - incluindo os chefes das empresas - são esmagadas por este poder demasiado anónimo. Esse é o grande defeito.
Há Resistências Políticas à Mensagem Social da Igreja
A mensagem social católica chega às pessoas, mas há resistências a ela, também ao nível político, afirma o padre Calvez. E o que o Papa diz no campo da moral individual não é muito seguido...
PÚBLICO - Tem um livro intitulado "Os Silêncios da Doutrina Social Católica"...
JEAN-YVES CALVEZ - Sim, silêncio é uma palavra muito forte. Não são silêncios voluntários...
P. - Nele diz que a Igreja deveria fazer propostas concretas sobre o emprego, por exemplo. Não há o risco de confundir essas propostas com as dos partidos políticos?
R. - Não creio. Se as coisas forem apresentadas de modo discreto, sem vontade de impor, mas de sugerir e encorajar as pessoas a procurar, penso que isso não trará dificuldades... Sei que cada vez que fazemos proposições em público, confrontamo-nos sempre com os partidos - e porque não?
P. - O Papa, a Igreja, falam do perdão da dívida externa, condenam a corrida aos armamentos, defendem a reforma agrária. Mas este discurso não chega às pessoas. Há um problema de transmissão da mensagem social?
R. - Ela chega às pessoas mas encontra, evidentemente, resistências...
P. - Ao nível político?
R. - Também ao nível político. Citou a reforma agrária: o Vaticano produziu um documento sobre o tema, muito firme. Mas tardou em publicar esse documento, que estava em preparação há muito tempo. Sabia-se que a publicação poderia provocar reacções de governos importantes para a Igreja - por exemplo, o Brasil. Só se publicou o documento após a última viagem que o Papa fez ao Brasil, no tempo do Presidente [Fernando Henrique] Cardoso. Ali, o Papa falou, de viva voz, muito firmemente. E depois publicou-se o documento.
Isto quer dizer que as autoridades da Igreja estão dependentes das relações com governos. É inevitável. O momento em que as coisas podiam ser ditas não era qualquer um. Se se tivesse apresentado de longe, a partir de Roma, "aí está um documento", poderia esperar-se uma reacção negativa das autoridades brasileiras. A que serve isso? Criaria uma espécie de conflito, que não serviria para nada.
P. - Sobre questões de moral individual, como o aborto, se o Papa diz alguma coisa, toda a gente fala...
R. - Sim, mas ao mesmo tempo, sobre esse tema, ele não será facilmente seguido. Esse é um domínio em que as declarações do Vaticano, nos últimos anos, não tiveram muito em conta as obrigações dos homens de Estado. Mesmo se eles estão em harmonia com as posições da Igreja, são obrigados a ter em conta a opinião real num país. Por consequência, não podem fazer qualquer lei.
A Igreja admitiu sempre que não há identidade entre a moral e o legal. As pessoas que fazem leis estão obrigadas a ter em conta muitos factores e opiniões importantes para o bem comum, do qual elas são responsáveis. Infelizmente, nos últimos anos, o Vaticano não foi muito sensível a este aspecto do bem comum.
P. - Não há também um paradoxo entre ser contra o aborto, por exemplo, e não defender com o mesmo vigor as condições de vida e de trabalho dignas para as pessoas?
R. - Não, penso que há o mesmo vigor...
P. - É então um problema mediático?
R. - Talvez. Porque no plano mediático, é verdade que se dá uma importância extrema a todas as declarações que se referem a questões morais, de ética da vida, etc. Isso deforma o equilíbrio das declarações, porque as autoridades da Igreja são muito sensíveis ao problema do emprego. Mesmo se não indicam soluções, são muito sensíveis.
domingo, 10 de janeiro de 2010
Maria de Lourdes Pintasilgo: um documentário sobre a mulher que queria "Cuidar o Futuro"
Já na parte final da sua vida, Pintasilgo presidiu à Comissão Independente População e Qualidade de Vida, que produziu o relatório "Cuidar o Futuro" (ed. Trinova). Trata-se de um texto fundamental para entender o nosso mundo, os grandes desafios e as soluções possíveis para os enfrentar. Nele se percebe o entendimento holístico que a antiga primeiro-ministro portuguesa tinha sobre a realidade. O modo como ela olhava o mundo fazia-nos perceber que os problemas se resolvem em articulação uns com os outros - e aí está a chave de sobrevivência do planeta e das futuras gerações. E se as questões são complexas, há modos de desatar os nós.
A propósito: não deveria alguém (mesmo uma instituição como a Assembleia da República) pensar em reeditar o texto, já que a editora que o publicou praticamente desapareceu e o livro é difícil de encontrar?
Alguns excertos das conclusões deste documento que, quase década e meia depois de concluído, está mais actual do que nunca:
- As nações desenvolvidas devem contribuir activamente e de modo credível para a desmilitarização da vida, já que nenhum Estado que tira proveito da guerra pode ser credível quando defende a paz. (...) A assistência militar, frequentemente "disfarçada" de assistência para o desenvolvimento, deve diminuir ainda mais e ser suprimida gradualmente.
- Uma crise ameaçadora de falta de água não pode ser resolvida sem mudanças políticas importantes. A água pode ser tratada e reutilizada. (...) P. ex., utilizar a água já usada, após tratamento, para irrigação e reduzir o problema dos esgotos despejados no oceano.
- É urgente aumentar substancialmente o financiamento da investigação e das aplicações em larga escala das energias renováveis.
- A política social está no centro das responsabilidades do Estado. (...) Um governo central não pode deixar de assegurar os meios e as obrigações financeiras do Estado socialmente consciente (educação, saúde pública, política habitacional, recuperação urbana), ainda que estes devam ser assegurados nos níveis governamentais mais baixos, de acordo com o princípio da subsidiariedade. (...) Tais serviços são inevitavelmente assegurados com a plena participação das pessoas envolvidas.
- Defendemos uma reorientação nos recursos financeiros que permita a transição de um modelo curativo superdesenvolvido, baseado no hospital, para clínicas comunitárias locais de cuidados primários, programas de cuidados ao domicílio e iniciativas de prevenção.
- Os programas voluntários de planeamento familiar são muito mais eficientes do que aqueles que envolvem coerção para promover o uso permanente de contraceptivos e para estimular famílias pequenas.
- Todos os processos sociais devem sublinhar o papel central dos direitos das mulheres (...). A legislação sobre a paridade da remuneração deve ser adoptada e difundida, por toda a aprte, para se conseguir a aplicação universal do princípio do salário igual para trabalho igual.
- O ponto de partida de um novo contrato social será o reconhecimento jurídico e pragmático de que a soberania reside nas pessoas: são elas que devem tornar-se sujeitos da melhoria da qualidade de vida. Dar poder às pessoas não é um desejo abstracto. Consiste em inúmeros diálogos e acções, projectos concretos, todos dentro de um quadro legal.
sábado, 9 de janeiro de 2010
Libertação e política
E. Schillebeeckx fez parte de uma plêiade excepcional de teólogos - entre eles, M. D. Chenu, H. Urs von Balthasar, Yves Congar, Henri de Lubac, Karl Rahner, J. B. Metz, Hans Küng -, que ousaram pensar e que deram uma nova orientação ao cristianismo e à Igreja. Um dos problemas maiores da Igreja actual é que precisamente essa geração está a desaparecer e não tem substitutos à altura.
O texto integral pode ser lido aqui.
sexta-feira, 8 de janeiro de 2010
Google bloqueia sugestões de pesquisa negativas para as religiões
quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
Receios sobre novas perseguições aos bahá'ís no Irão
Desde Maio de 2008 que se encontram detidos no Irão sete dirigentes da Comunidade Bahá'i. A sua detenção tem-se prolongado, sem que tenha sido formulada qualquer acusação, e têm-se registado diversos adiamentos do julgamento.
Após os tumultos do dia da Ashura (27 de Dezembro), as autoridades culparam diversos países estrangeiros pela agitação. Mas nos últimos dias, denuncia a Comunidade Bahá'i, a imprensa afecta ao regime tem associado os bahá'ís aos tumultos verificados em Dezembro.
Particularmente perseguida no Irão, a Comunidade Bahá'i está preocupada com estes novos sinais, pois considera que as autoridades estão mais uma vez a recorrer às acusações de subversão, desta vez tendo como pano de fundo a agitação política e social que se vive no país. "Estamos perante um esforço coordenado para tomar medidas extremas contra os sete dirigentes bahá'ís, tornando-se o julgamento uma mera encenação", consideram os responsáveis da fé bahá'i.
Actualmente, há 48 bahá'ís detidos no Irão. Desde Agosto de 2004, 268 crentes foram presos. Outros 75 bahá'ís estiveram presos e aguardam julgamento.
Mais informações sobre o caso podem ser lidas aqui.
Natal ortodoxo e oriental, mesmo em Portugal
“As festividades começaram ontem à noite com uma refeição especial, conhecida como Ceia Santa, na qual se evita comer leite ou carne”, refere o Padre Ivan, da comunidade greco-católica ucraniana. Hoje, será celebrada a Divina Liturgia às 19h30 na Igreja de São Jorge de Arroios, para festejar o nascimento de Jesus.
As celebrações costumam ter lugar na capela do antigo hospital de Arroios, mas “no Natal há tantos fiéis que não cabem lá, então utilizamos a igreja principal”.
Sendo um dia de grande festa e alegria, o Natal é vivido por estas comunidades com um misto de tristeza por estarem longe das suas terras e, em muitos casos, das suas famílias. “É como na Páscoa, desde crianças estamos habituados a viver este dia com a família. Em Portugal, como ainda por cima segue-se um calendário diferente, é difícil manter as tradições”.
Mensagens de Natal
A Igreja greco-católica da Ucrânia é a maior de várias igrejas orientais em comunhão com Roma. Tem a sua própria liturgia e regras, mas aceita a primazia do Papa.
Ontem, no Vaticano, Bento XVI deixou aos cristãos do Oriente os seus votos natalícios. “Tenho a alegria de dirigir os meus mais cordiais votos aos irmãos e irmãs das Igrejas Orientais que amanhã celebram o santo Natal. Que o mistério de luz seja fonte de alegria e de paz para cada família e comunidade”, disse.
Em Moscovo, o patriarca Cirilo preside às principais celebrações, tendo publicado uma mensagem de Natal para os seus fiéis, onde se pode ler que celebrar o Natal nos “aproxima do Salvador, ajuda-nos a ver melhor a sua face, a ficarmos imersos na sua boa nova”. “O Senhor renasce misteriosamente a cada dia por nós, nas nossas almas, para que possamos ter vida em abundância. O que se passou naquela noite em Belém entra hoje na nossa vida, ajuda-nos a vê-la de uma perspectiva diferente, simultaneamente, nova e inesperada. Aquilo que parecia importante e grande, de repente torna-se trivial e passageiro, abrindo caminho para a majestade e beleza eterna da verdade divina”.
(Notícia publicada no Página 1, da Renascença; ilustração: Adoração dos Magos, pintura da segunda metade do século III, na Catacumba de Priscila em Roma; os magos estão vestidos com uma túnica curta e com um barrete frígio, o que assinala a sua origem oriental)
quarta-feira, 6 de janeiro de 2010
Cinema: os 'dez mais' do ponto de vista espiritual
1. Gran Torino (2008), Clint Eastwood
“Em Gran Torino, Clint Eastwood soube contar uma história simples com uma enorme força dramática, apresentando temas espirituais de fundo, como o sentido do perdão, a redenção como sacrifício e o caminho da conversão. E do ponto de vista cristão, não somente apresenta uma imagem positiva da Igreja, representada no Pe. Janovich, mas também oferece uma poderosa imagem crítica nas decisões finais do protagonista.”
2. Amazing Grace (2006), Michael Apted
“Esta homenagem a William Wiberforce – um parlamentar da Câmara dos Comuns, que dedicou, desde a sua juventude, a sua actividade política à luta contra a escravidão e as injustiças sociais – apresenta-se com uma magnífica produção e uma série de actuações excepcionais. Marcada profundamente pela perspectiva social cristã, é um filme imprescindível para conhecer a força ética do Evangelho e sua herança em nossa cultura.”
3. Katyn (2007), Andrzej Wajda
“Surpreendente filme do mestre polaco Andrezej Wajda. Este testamento fílmico do genocídio de Katyn, perpetrado pelo comunismo soviético em 1940, afectou pessoalmente o director, já que seu pai foi um dos 20 mil oficiais e cidadãos polacos assassinados. Narrada a partir da perspectiva dos sobreviventes, especialmente mulheres, é um hino à reconciliação, da memória que busca a verdade. A fé católica é mostrada com intensidade em diversos momentos, mas de forma mais contundente nos últimos minutos.”
4. Quem Quer Ser Milionário? (2008), Danny Boyle
“O director Danny Boyle, de formação e convicções cristãs, soube contar uma dura história sobre a superação da miséria à vitória. Narrado como um conto de fadas, acompanha a história de três garotos que nascem nas barracas de Calcutá e como, a partir do protagonista Jamal, verão o triunfo da bondade e do amor, muito além da injustiça e da violência. A história apresenta uma intriga que move o espectador à esperança e que convida a reconhecer a presença da Providência, que acompanha os acontecimentos respeitando a liberdade, mas estimulando a bondade.”
5. O Visitante (2007), Thomas McCarthy
“É a história de uma visita gratuita na qual se vê envolvido um obscuro professor universitário, genialmente interpretado por Richard Jenkins, que, após ficar viúvo, vive sem sentido e cuja vida se transformará através do seu encontro com Tarek. Este sírio, que carrega a perseguição no seu coração, representa a alegria e a vontade de viver que faltam ao protagonista. Neste itinerário de transformação, veremos como cresce nele a sensibilidade e o compromisso, a capacidade de amar e o exercício responsável da liberdade. Um filme que, além do mais, é um grito contra a injustiça das leis migratórias.”
6. A Caixa de Pandora (2008), Yesim Ustaoglu.
“O mal de Alzheimer da avó abrirá a caixa de Pandora da uma família que vive nas margens da infelicidade, como se uma maldição caísse sobre eles quando a anciã, uma genial Tsilla Chelton de 89 anos, desaparece de casa. Com esta fuga, começa uma viagem rumo à verdade que envolverá todos eles, quando vão a uma aldeia de montanha na costa do Mar Negro. A lucidez da demência não conseguirá dobrar o desvario dos instalados na comodidade ou no fracasso; mas conseguirá mover os que sentem que a vida vai muito além e que sempre estão dispostos a subir uma montanha, ainda que as forças já sejam escassas. Uma aliança na qual os mais velhos transmitem a esperança aos mais jovens.”
7. A Partida (2008), Yojiro Takita
“Daigo, um violoncelista desempregado, descobre sua vocação quando abandona Tóquio com Mika, sua mulher, e vai à cidade e à casa em que viveu a sua infância. Um processo lento e surpreendente o converterá num especialista em nôkan, ritual mortuário japonês que supõe uma recordação do defunto desde o acto de embalsamento. Na sua aprendizagem, vão se cruzando várias histórias de reconciliação dos vivos com os mortos e ele irá, pouco a pouco, abrindo a sua própria história a um caminho de pacificação. O filme permite-nos contemplar a morte com uma perspectiva diferente.”
8. O Estranho Caso de Benjamin Button (2008), de David Fincher
“Baseada numa novela de F. Scott Fitzgerald, conta a vida singular de Benjamin: um estranho bebé que nasce sendo idoso e que, com o passar do tempo, acabará por se transformar num bebé. Este estranho personagem, que terá um corpo que cresce ao contrário do seu espírito, oferece-nos um personagem que amadurece de uma forma diferente e que também terá que amar Daisy – seu fiel e verdadeiro único amor – de uma forma diferente, ainda que não por isso impossível.”
9. Le Hérisson (2009), Mona Achache
“Adaptação do famoso livro de Muriel Barbery, ‘A elegância do ouriço’, e que supõe a primeira longa-metragem da directora francesa Mona Achache. Baseia-se no contraste de dois personagens: por um lado, uma menina com um rico e inteligente mundo interior; por outro, a porteira do número 7 da rua Grenelle, uma mulher descuidada e um pouco antipática. Mas ambas terão um segredo que virá à tona com a chegada de Kakuro Ozu, um elegante viúvo japonês. Esta revelação servirá de desculpa para compreender o segredo profundo das pessoas e como às vezes o essencial não está nas aparências.”
10. Rio Congelado (2008), de Courtney Hunt
“História sobre a resistência e a amizade de duas mulheres que começam em conflito, mas que criarão um profundo laço de solidariedade que tem como origem comum uma maternidade transcendida e o desejo de amar inclusive acima de suas forças. Dirigido por Courtney Hunt, apresenta os personagens com grande veracidade. A dureza e a desolação nas imagens nos permitem encontrar na alma das protagonistas uma generosidade desmedida, que devolve a confiança no ser humano, inclusive nas situações de solidão e limite que enfrentam.”"
Manoel de Oliveira discursará no CCB perante o Papa
O cineasta Manoel de Oliveira foi a personalidade escolhida para discursar no encontro do Papa Bento XVI com o mundo da cultura, que decorrerá no Centro Cultural de Belém (CCB) a 12 de Maio, de manhã, durante a visita do Papa a Portugal.
“Na auscultação, as personalidades foram unânimes na escolha de alguém que está acima de diferentes sensibilidades e que defende nos seus filmes valores cristãos”, afirmou, citado pela agência Ecclesia D. Carlos Azevedo, coordenador geral da visita de Bento XVI a Portugal.
O responsável pelo encontro do CCB, padre José Tolentino Mendonça, afirmou entretanto ao site do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura (SNPC), que está convencido de que o encontro entre o cineasta e o Papa será uma das imagens marcantes da visita de Bento XVI a Portugal.
Tolentino Mendonça, director do SNPC, foi convidado, enquanto poeta, a participar em Novembro, no Vaticano, no encontro do Papa Ratzinger com cerca de 260 artistas de todo o mundo. Na ocasião, também Manoel de Oliveira tinha sido convidado, mas o cineasta não pôde estar presente por razões pessoais.
O realizador foi agraciado, no final de 2007, com o Prémio de Cultura Árvore da Vida – Padre Manuel Antunes, atribuído pelo SNPC. Ao receber o galardão, Manoel de Oliveira fez uma espécie de profissão de fé pública: “Creio, como católico que nasci, católico como fui educado pela família, num colégio de Jesuítas, e sobrecarregado com todas as dúvidas que pesam (…) mesmo sobre os grandes santos.”
“A dúvida é um estímulo de procura. É difícil vencer essa procura. Ou, por outras palavras, é difícil encontrar o que se procura. É nisso mesmo, nessa dificuldade, que, quanto a mim, se resume o grande mérito”, acrescentou.
Ao entregar o prémio, o bispo do Porto e presidente da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais, D. Manuel Clemente, referiu-se ao cineasta como um “apaixonado juvenil da velocidade”. E acrescentou, sobre o realizador de Douro, Faina Fluvial: “Filmou o rio e a sua faina com cenas estonteantes de sugestão e ritmo. Como depois, em história infantil de correria e jogo. Mas, já então, sobressaindo o recorte de cada figura, a densidade de cada personagem. Ressaltava, em suma, a humanidade de cada figurante, ou melhor, cada figura da humanidade transportada”.
O encontro do Papa com artistas, académicos e investigadores é o último acto da presença de Bento XVI em Lisboa. Dia 12, à tarde, Ratzinger segue para Fátima, onde preside às cerimónias da peregrinação. Na tarde de 13, ainda em Fátima, encontra-se com responsáveis de instituições de solidariedade social, outro dos momentos relevantes da visita.
(Foto: Manoel de Oliveira a receber o Prémio Árvore da Vida, em Dezembro de 2007; © Rui Martins/Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura)
terça-feira, 5 de janeiro de 2010
Costa Freitas, o franciscano que ‘rezava’ a São Nietzsche
Nascido em Barroselas (Viana do Castelo), em 1928, Manuel Costa Freitas entrou para o colégio franciscano de Braga em 1939, depois de concluir o ensino primário. Ordenado padre em 1951, foi para Roma nesse ano, concluindo o curso de filosofia do Ateneu Antoniano em 1954, com uma tese sobre Leonardo Coimbra, o pensador do século XX que estudou o franciscanismo e o criacionismo.
Depois de várias escolas superiores, fixou-se na UCP em 1968, onde dirigiu o Centro de Estudos de Filosofia. Foi ainda professor convidado da Universidade de Lisboa e, episodicamente, da Universidade Nova.
“A visão franciscana da vida, nos seus rasgos de pobreza e amor à verdade, e de uma generosa atenção à existência encarnada, é o traço de continuidade mais profundo entre o seu pensamento e acção” diz, sobre Costa Freitas, José Silva Rosa, professor da Universidade da Beira Interior (UBI) e ex-assistente do franciscano, durante 10 anos, na UCP.
“Era um homem bom, íntegro, recto, com um tacto extraordinário e um humor muito fino e inteligente”, recorda José Rosa ao PÚBLICO. “Tinha uma inteligência fulgurante e grande dificuldade em lidar com a estupidez e a arrogância do poder.”
O mesmo professor recorda: quando Costa Freitas explicava, em algumas aulas, o ateísmo de Nietzsche, definia-o como “aliado da experiência cristã contra os ‘alapados e vendilhões’”. E acabava, “entre o sério e o provocador”: “São Nietzsche, ora pro nobis” [rezai por nós].
Parte da obra, em livros, enciclopédias e revistas, foi reunida em dois volumes (O Ser e os Seres. Itinerários Filosóficos, ed. Verbo). Mas muito continua por coligir, sobre o pensamento português, o franciscanismo, o espiritualismo francês e a fenomenologia da religião. Tinha em mente, diz José Rosa, uma história do sentimento religioso em Portugal.
O último trabalho foi a coordenação da tradução da Enciclopédia Interdisciplinar de Ciência e Fé (ed. Verbo), cujo segundo volume está a ser ultimado. Um pensador que, nos jardins do convento franciscano da Luz, onde morreu, gostava sobretudo de passear e ouvir os melros e os gaios. Aos quais, recorda José Rosa, “quase conhecia pelo nome”.
(este pequeno perfil que publiquei hoje no Público não dispensa o In Memoriam escrito por José Silva Rosa que se pode ler aqui; e uma pequena entrevista de Manuel Barbosa da Costa Freitas, sobre a Enciclopédia Interdisciplinar de Ciência e Fé pode ser lida aqui).
Bíblia do Surfista apresentada hoje em Lisboa
A edição, preparada pela Sociedade Bíblica e pela Christian Surfers Portugal, integra o texto d’A Bíblia Para Todos, a mais recente tradução da Bíblia em português, publicada em Outubro, e preparada por uma equipa de especialistas católicos e protestantes. No caso da Bíblia do Surfista, esta primeira edição inclui apenas o Novo Testamento.
A mostra inclui os volumes encadernados da Bíblia Manuscrita, escrita por 100 mil portugueses, em 2004, e uma réplica da prensa de Gutenberg, onde o primeiro livro (uma Bíblia) foi impresso em 1454/55. O robô copista concluirá também a redacção do Novo Testamento. A última frase do Apocalipse, ou Revelação, o último livro da Bíblia, diz: “Vem, Senhor Jesus! Que as bênçãos do Senhor Jesus estejam com todos vós.”
Balanços da década e esquecimentos jornalísticos
Uma palavra apareceu sob as cinzas dos atentados de 11 de Setembro: Deus. A motivação religiosa invocada pelos terroristas foi condenada por todas as religiões. "Patologias e doenças mortais da religião", diria o Papa Bento XVI, cinco anos depois, em Ratisbona, numa viagem que levaria milhares de muçulmanos a manifestar-se contra a frase, citada pelo Papa, em que se falava de Maomé como portador de "coisas más e desumanas".
A década foi marcada por outros factos em que a dimensão pública da religião, depois da "morte de Deus", (re)apareceu em força. Os cartoons de Maomé motivaram reacções de muçulmanos. O carisma, as viagens e o funeral, em 2005, do Papa João Paulo II atraíram milhões. O debate sobre a herança cristã da Europa, a propósito do tratado constitucional, teve momentos polémicos.
Mas também houve líderes e crentes de diferentes religiões unidos pela paz (encontros de Assis) ou no apoio a vítimas da pobreza, perseguições e catástrofes. Em Portugal, Fátima viu crescer a atracção do lugar simbólico para cinco milhões por ano, cem mil mobilizaram-se para escrever a Bíblia Manuscrita e a comunidade monástica de Taizé trouxe a Lisboa, há cinco anos, 40 mil jovens de toda a Europa - onde 67 por cento se afirmam "pessoas religiosas" e 51 por cento frequentam um serviço religioso.
O sociólogo da religião Thomas Luckmann, que há 40 anos falou da "religião invisível", diz que a religião passou a ser individual. E que essa é uma "componente estrutural nas sociedades americana e europeia". "O religioso nunca se foi embora, só mudou a sua face." Deus continua a estar em toda a parte.
(Foto: participantes no Parlamento das Religiões do Mundo, realizado na Austrália no início de Dezembro de 2009; foto de Ray Messner retirada de http://www.flickr.com/photos/raymessner/sets/72157622833738969/
Saudades de António
domingo, 3 de janeiro de 2010
sábado, 2 de janeiro de 2010
O catolicismo em França 1952-2009
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Deus é um luxo
A última vez que o encontrei foi em 1988, em Nimega (Holanda). Recebeu-me na sua cela bem modesta, e, embora a saúde já não fosse particularmente boa, concedeu-me tempo para uma longa conversa. E foi aí que lhe lembrei a sua afirmação de que Deus não é uma necessidade, mas um luxo. Ele confirmou: "Sim. Abusou-se de Deus, da palavra Deus, no sentido de que Deus foi funcionalizado, posto em função do homem, da sociedade, da natureza... Ora, a natureza, o homem e a sociedade não têm necessidade de Deus para serem o que são. Mas, por outro lado, o luxo da nossa vida humana é, por exemplo, poder receber um ramo de flores. Não é uma necessidade. É um gesto completamente gratuito. É essa a grande experiência humana."
O texto integral pode ser lido aqui. E no Público de 26 de Dezembro, tracei um perfil de Edward Schillebeeckx. Pode acrescentar-se que o teólogo esteve várias vezes em Portugal, para acompanhar a efémera edição portuguesa da revista Concilium, publicada pela Moraes.
No seu texto da semana anterior, Anselmo Borges falava do tempo:
No termo de mais um ano e na entrada de outro, são muitos os pensamentos que nos invadem. Mas talvez não seja fora de propósito também uma breve reflexão sobre o mistério do tempo. Já Pascal se interrogava na perplexidade: porque é que, num passado ilimitado e num futuro igualmente sem limites, me coube viver precisamente neste tempo que é o meu? Se soubéssemos o que é o tempo, também saberíamos o que somos. (...)
Este texto, que nos ajuda a reflectir sobre a mudança de calendário que acabamos de viver, pode ser lido na íntegra aqui.
Taizé em Poznan para abrir fronteiras
No Público de dia 31 publiquei uma notícia sobre o encontro de Poznan, a Carta da China e uma acção de divulgação de distribuição de um milhão de bíblias na China, organizada também por Taizé através da Operação Esperança. E também sobre o encontro ibérico que decorrerá no Porto em Fevereiro próximo.
No site de Taizé, podem encontrar-se fotos do encontro (como aquela que aqui se reproduz), os textos do irmão Aloïs durante as orações e muitas outras informações sobre o que ali se viveu, bem como sobre o que se prepara para 13 a 16 de Fevereiro, no Porto.
sexta-feira, 1 de janeiro de 2010
"D. Manuel Clemente aposta em novo paradigma de comunicação"
Manuel Clemente.
No próximo ano, na Diocese do Porto, cada mês terá um tema e uma mensagem do Bispo no site Youtube porque D. Manuel diz acreditar que o caminho passa pela Internet e pelo recurso às novas tecnologias.
in: Página 1, 31.12.2009