Evangelho de São Mateus 22, 9
Domingo XXVIII do Tempo Comum
Não há festa humana sem um petisco ou uma boa refeição. E as palavras trocadas tornam-se mais profundas quando comemos juntos. Nascemos com fome e com sede, e dos berros do bebé que procura a mama da mãe, aos últimos desejos do moribundo que saboreia um caldinho pela última vez, a nossa vida anda entrelaçada com a comida. Fazemos da culinária uma arte e preparar o alimento para quem amamos tem algo de sacramental. Mas também continua a ser uma das grandes desumanidades neste novo milénio haver pessoas a morrer de fome (cerca de mil em cada hora!) num mundo de tanta abundância. Não podia, pois, Deus revelar-se sem que se pusesse à mesa connosco, nos comprometesse com a fome dos irmãos, e preparasse para todos o banquete do seu amor.
Jesus escandalizou os legalistas do seu tempo com as refeições que tomava com os pecadores, e sentimos a sua alegria ao entrar na casa de Marta e Maria, ou na de Zaqueu, o cobrador de impostos. Muitas das suas palavras têm o cheiro da mesa em que foram pronunciadas, ou da colina onde multiplicou os pães e os peixes. É o banquete a partir da pobreza e aberto aos pobres, onde não há senhores nem servos, mas irmãos. E a ceia pascal tornou-se o encontro essencial da Igreja, em que Ele mesmo se dá como alimento no pão e no vinho, tornados seu corpo e sangue. Comungar Jesus é comungar do seu amor e da sua acção para que ninguém passe fome, nenhuma espécie de fome. Como não havia de escandalizar a parábola da boda das festas nupciais do filho do rei? E será que perdeu actualidade?
D. Helder Câmara, o arcebispo de Olinda-Recife no Brasil sonhava com o ano 2000 sem fome. Dizia: “A fome dos outros condena a civilização dos que não têm fome” e também, “o verdadeiro cristianismo rejeita a ideia de que uns nascem pobres e outros ricos, e que os pobres devem atribuir a sua pobreza à vontade de Deus.” Se o banquete do evangelho é aberto a todos, isso também significa a participação e responsabilidade de todos. Não é indiferente trazer ou não a veste nupcial: é como quando dizemos “vestir a camisola”. Trazer a veste baptismal significa fazer a opção fundamental de viver e amar como Jesus Cristo, neste mundo e nas circunstâncias actuais. Insiste D. Hélder: “Todo homem, cada homem, é responsável pelo destino da humanidade por suas ações e omissões”. Assim o banquete da Eucaristia prolonga-se na vida que se faz alimento, que é partida aos bocadinhos como o pão e saboreada em goles como o vinho. Como tudo o que é bom, quando se acumula apodrece, quando se dá, multiplica-se.
(Comentário aos textos da liturgia católica, publicado na edição da Voz da Verdade de 09.19.2011 - imagem tirada daqui)
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