quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Solidariedade sim, mas com justiça social

Perante a situação dramática em que se encontra a economia do país, temos vindo a assistir, na sociedade e na Igreja, a um discurso que, sob a capa da "inevitabilidade" de algumas medidas, pretende que não há alternativas e que quem é vítima delas deve "comer e calar", em nome do "bem comum". Para atenuar casos extremos, lá estariam as obras de caridade e as instituições de solidariedade, nomeadamente as católicas, confiantes no apoio de um governo "mais favorável à Igreja".
Esta "doutrina", velha e relha, como todos sabemos, esquece um princípio a que as democracias modernas aderiram e que a doutrina social da Igreja defende e que é o da justiça social.
As políticas brutais que estão a ser aplicadas e que se vão agravar nos próximos anos não nos podem atirar para uma posição de aceitação resignada. Não podem impedir-nos de pensar, de analisar os valores e critérios em que assentam. Não vale tudo, em nome do saneamento necessário das finanças públicas, porque, a coberto de um objectivo aparentemente louvável, podem estar a cometer-se as maiores injustiças sociais. Daí que importa saber:
- O que se está a exigir sobretudo aos segmentos economica e socialmente mais débeis da população exige-se proporcionalmente aos grupos e sectores mais abastados?
- Está-se a considerar devidamente o alcance e a eficácia das medidas propostas? Tem-se em conta outros modos de analisar e de propor soluções para a presente crise?
- Existem razoáveis garantias de que o caminho que está a ser seguido não vai agravar as desigualdades sociais e deixar um ainda maior desequilíbrio entre o capital (nomeadamente financeiro) e o trabalho?

As notícias abaixo poderão ajudar a ver modos distintos de nos posicionarmos nestas matérias:

OE 2012: Geração de sacrifícios
Lusa Lisboa, 18 out 2011 (Ecclesia) – João César das Neves considera que a forma como Portugal encarar os sacrifícios pedidos, no atual período de crise, será “decisiva” para a sustentabilidade financeira do país. 
“Se mergulhar em contestação como os gregos, não haverá solução senão falir. Se suportar os sacrifícios e procurar novas soluções vencerá a crise. Este é o grande desafio desta geração”, defende o economista, na edição desta terça-feira do Semanário Agência ECCLESIA. 
Para o atual professor da Universidade Católica Portuguesa, a perda de “credibilidade externa”, nos últimos três anos, conduziu a nação a um cenário de “medidas dolorosas”, prefiguradas num Orçamento de Estado para 2012 que “parece mau demais para ser verdade”.
Além de promover a subida do IVA em “muitos bens de taxa reduzida”, o Governo apostou na redução de despesas relacionadas com o aparelho de Estado, cortando os “subsídios de férias e de Natal de funcionários públicos e pensionistas acima de certo nível de receita”. 

João César das Neves reconhece que este tipo de “medidas extraordinárias” representa um “violentíssimo esforço de ajustamento” das contas.
No entanto, sair deste caminho seria “admitir à partida a inevitabilidade da derrocada financeira”, o que só conduziria a “cortes imediatos ainda mais drásticos”, acrescenta. 

Recordando a “repetida” incapacidade do Governo em escapar à recessão económica, “simbolizada” na ineficácia de quatro Programas de Estabilidade e Crescimento, o economista espera que o atual Orçamento seja “justificado” através da desejada descida do défice, exigida pela troika.
Agora, “na ausência de mais truques, será dos reais 7,7 % que temos de descer em 2012 para chegar aos pretendidos 4,5% da meta desse ano”, conclui. 
JCP  

Pobreza: Organizações sociais reclamam políticas que puxem Portugal «para a frente» 
Lisboa, 18 out 2011 (Ecclesia) – Algumas das principais organizações portuguesas de solidariedade social aproveitaram esta segunda-feira a celebração do 18º Dia Mundial de Erradicação da Pobreza para pedir ao poder político uma maior intervenção a favor dos mais desfavorecidos. Em entrevista ao programa ECCLESIA, o diretor executivo da CAIS colocou o dedo na ferida, afirmando que a questão da pobreza “não está na agenda de quem tem poder para resolver, tomar decisões e puxar para a frente”. “Temos de ir pelas políticas, os direitos têm de ser salvaguardados, os deveres também, não podemos deixar a cada um fazer o que pode, porque isso não resolverá nunca”, apontou Henrique Pinto. 
Para aquele responsável, Estado e “instituições sociais no terreno” têm cometido o erro de combater a crise, a pobreza e a exclusão social através de soluções temporárias, em vez de garantirem medidas mais definitivas.
“Vamos remendando buracos, pondo pensos ali e além, dando sopas, roupa, encaminhando pessoas para os serviços de saúde, mas não estamos a ir à causa dos problemas”, reforçou.
No entender da EAPN Portugal – Rede Europeia Anti-Pobreza, descobrir as causas da pobreza tem de passar, antes de mais, por “dar maior visibilidade” a este fenómeno, recorrendo ao trabalho voluntário e às “novas tecnologias de informação”.Uma conclusão saída do III Fórum Nacional de Pessoas em Situação de Pobreza e/ou Exclusão Social, que aquela associação de solidariedade organizou esta segunda-feira, no Porto.
Cerca de um centena de pessoas em situação mais desfavorecida foram convidadas a refletir sobre a crise, os seus principais desafios e soluções a aplicar.
Depois desta fase preparatória, o debate centrou-se em quatro áreas principais: emprego/desemprego, prestações sociais, habitação e o papel do voluntário na luta contra a pobreza.
Outra das soluções propostas pelo Fórum foi a promoção de uma “interlocução dos cidadãos desfavorecidos e das organizações sociais junto do Governo e/ou das instâncias europeias, no sentido de criar mecanismos que contribuam para a diminuição das desigualdades sociais”.
Segundo o diretor da CAIS, para além da definição de novas políticas, falta também “reconstruir” todo um sentimento de comunidade, que hoje se perdeu no meio de um autêntico “apartheid social”.
“Estamos cada vez mais a viver num pais onde criamos serviços para quem é pobre, a custo social, e temos preços para quem é rico. Isto divide o país, coloca pessoas numa situação de segunda, terceira classe, e outras em primeira classe”, lamentou.(...) 
D.R.  

Mãos ao ar! 
No país que já era o mais desigual da Europa Ocidental, o que o Governo de Passos Coelho faz, com o OE para 2012, é um verdadeiro assalto fiscal às classes médias ("suicídio assistido" lhe chama o economista e professor do ISCTE Sandro Mendonça) e aos mais pobres, enquanto poupa aos sacrifícios "para todos" bens de luxo como jóias, casas sumptuosas ou carros de alta cilindrada; as próprias subvenções vitalícias aos políticos escapariam se alguns media, JN incluído, não tivessem denunciado ontem o caso. A consultora PwC [PricewaterhouseCoopers] fez as contas e concluiu que, se os contribuintes de baixos rendimentos verão em 2012 a carga fiscal agravada em relação a 2011, os de maiores rendimentos vê-la-ão, em contrapartida, amplamente reduzida. Citada pela edição online do "Expresso", a consultora apurou que contribuintes solteiros com rendimentos inferiores a 1500 euros irão pagar em 2012 mais 8% de IRS do que em 2011 enquanto os que auferem 3 000 ou mais pagarão... menos 8,9%. E o mesmo com os contribuintes casados: rendimentos até 2 500 euros (casais onde só um ganha) vêm agravado o IRS, ao passo que rendimentos de, por exemplo, 6 000 euros pagarão... menos 5,2%; e, do mesmo modo, casais com dois titulares a ganhar até 2 000 euros pagarão mais e os que ganharem acima disso pagarão menos.  Já toda a gente tinha percebido mas é sempre instrutivo verificar que os especialistas (e os números) corroboram o sentimento geral. [Manuel António Pina, Jornal de Notícias, 19.10.2011]
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