O Papa Bento XVI voltou a apelar, na audiência-geral desta quarta-feira,
ao respeito do domingo como “dia de descanso”, pedindo atenção à necessidade do
“equilíbrio entre duas questões estreitamente ligadas: a família e o trabalho”,
noticiou a Ecclesia.
Na sua alocução, Bento XVI referiu mesmo que o trabalho “não deveria
colocar obstáculos à família, mas, pelo contrário, sustentá-la e uni-la,
ajudá-la à abrir-se à vida e a entrar em relação com a sociedade e com a
Igreja”.
A intervenção do Papa não pode vir mais a propósito, nestes tempos de
crise económica em toda a Europa e poucos dias depois de ter sido anunciado o
acordo entre Portugal e a Santa Sé acerca da suspensão de dois feriados
religiosos – o Corpo de Deus e o Dia de Todos os Santos – além dos dois civis
(5 de Outubro e 1 de Dezembro) cuja suspensão (ou eliminação) o Governo também
já decidira.
Nos últimos anos, e mais ainda nos últimos meses, tem-se instalado um
discurso que pretende convencer-nos que as pessoas estão destinadas apenas a
ser máquinas de produção. Temos todos que produzir mais, que trabalhar mais,
que fazer mais, dizem-nos. Mesmo se todas as estatísticas nos mostram que
Portugal é já dos países da União Europeia (e mesmo da OCDE) com mais horas de
trabalho por dia ou por semana, como se pode reler aqui.
O problema, portanto, não está em trabalhar mais (talvez esteja, sim, na
deficiente organização do trabalho; ou na falta de cultura de muitos
empresários; ou na pequena corrupção; ou na injusta remuneração e consequente
incapacidade de mobilizar as pessoas para objectivos comuns; ou...). Até porque,
agora, ao trabalhar mais corresponde receber menos (pelo menos para quem já
recebe menos, como se soube segunda-feira, a propósito das 20 maiores empresas
cotadas na Bolsa de Lisboa; ao contrário, quem já recebia mais, mais ficou a
ganhar).
A questão dos feriados não é, por isso, uma questão menor. E esteve mal
a hierarquia católica em Portugal, ao aceitar abdicar de duas datas festivas
sem ter chamado a atenção do Governo para as duas questões centrais que estavam
em causa: que a antropologia cristã, como tantas vezes lemos e ouvimos, nos diz
que as pessoas não são apenas máquinas de produzir e que necessitam também do
lazer, da festa, da família, dos amigos, do desporto, da cultura, do espírito;
e que dois feriados a menos não são solução de espécie alguma para a economia
portuguesa, como tantos economistas e investigadores têm feito notar.
Pena que o discurso do Papa não tenha tido mais eco.
Já agora: também é pena que alguns sectores e algumas pessoas barafustem
tanto com a “intromissão” do Vaticano na vida do país; era mais saudável se
protestassem antes contra o que verdadeiramente está em causa – a dignidade
humana e uma concepção de pessoa que não nos vê apenas como roldanas de uma
máquina.
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