O antigo mestre geral da Ordem dos Pregadores (Dominicanos),
Timothy Radcliffe, estará no próximo fim-de-semana em Lisboa, onde fará duas
conferências, sobre temas que lhe são caros e sobre os quais tem desenvolvido muita
reflexão. A primeira é no sábado, 28, com o título How can the conscience of the Laity be heard? (Como pode a consciência dos leigos ser
escutada?). Iniciativa conjunta do Instituto São Tomás de Aquino (ISTA) e do
movimento Nós Somos Igreja, a conferência será proferida em inglês mas estará
disponível um texto com a tradução em português.
Timothy Radcliffe (foto reproduzida daqui)
No
domingo, 29, o tema será The holiness of
the body (A santidade do corpo), numa iniciativa do ISTA. Proferida em
espanhol, a conferência também terá disponível uma tradução em português. Decorrem
ambas a partir das 15h30 no Convento de São Domingos de Lisboa (R. João Freitas
Branco, 12; metro: Alto dos Moinhos).
Biblista e teólogo, Radcliffe é considerado um dos mais originais
autores católicos contemporâneos, tendo sido o único dominicano da província
inglesa a exercer o cargo de mestre-geral da Ordem (entre 1992 e 2001), desde a
sua fundação, em 1216. Nas Paulinas estão publicados vários livros seus: As Sete Últimas Palavras, Ir à Igreja, Porquê?, Ser cristão para quê?, e Imersos na vida de Deus. No sábado, 28,
após a conferência, serão apresentados dois novos títulos de fr. Timothy: Na Margem do Mistério, e Via-Sacra – Carregou as nossas dores.
Em 1999, numa visita enquanto mestre-geral da Ordem à província
portuguesa, fiz uma entrevista a Timothy Radcliffe, entretanto publicada
na íntegra no livro Deus Vem a Público – Entrevistas Sobre a Transcendência (ed. Pedra Angular/Sistema Solar).
Reproduzo a seguir o texto.
Timothy
Radcliffe: Temos de estar nos lugares onde as pessoas sofrem
Os dominicanos e os
cristãos têm que estar onde as pessoas sofrem. Deus está para lá das concepções
pessoais. E o desafio da Igreja na Europa é a construção de comunidades numa
sociedade fragmentada. Ideias e Timothy Radcliffe, que foi mestre geral dos
dominicanos entre 1992 e 2001. Naquele cargo, o padre Radcliffe dizia que
gastava muito tempo a viajar – oito meses no ano – para “estar em contacto com
os irmãos: a unidade da ordem depende da escuta dos irmãos”.
Nascido em Londres
(Inglaterra), a 22 de Agosto de 1945, Timothy Peter Joseph Radcliffe tomou o
hábito dominicano aos 20 anos e foi ordenado padre em Oxford, em 1971. No
capítulo geral da ordem, realizado no México em 1992, foi eleito mestre geral
da ordem fundada por S. Domingos em 1216. Autor de várias obras sobre
espiritualidade, vida religiosa e sexualidade, colaborador regular de várias
publicações (entre as quais The Tablet
e National Catholic Reporter),
continua a ser solicitado em todo o mundo.
Na visita canónica que fez
à província portuguesa dos dominicanos, em 1999, queria perguntar aos seus
confrades: “Onde estão as pessoas a fazer perguntas? Quais são as perguntas”
que se fazem à Igreja? “E como respondemos nós a essas perguntas?”
Vários textos da sua autoria
estão publicados em edição policopiada pelas Monjas Dominicanas do Mosteiro de
Santa Maria, no Lumiar (Lisboa).
Costuma
visitar lugares onde os dominicanos enfrentam situações sociais graves de
guerra ou injustiça. Qual é a relação desse trabalho com a missão original da
ordem?
TIMOTHY RADCLIFFE – Fomos
fundados para ser pregadores. Para isso, não se pode falar às pessoas sem as
ouvir primeiro. Para nós, é um grande desafio: como estamos presentes nos
lugares onde as pessoas pensam? Como estamos nos lugares onde as pessoas fazem
perguntas? Tem que se estar nos lugares onde as pessoas sofrem, onde as pessoas
são pobres. E isto é um desafio para um mundo onde a pobreza se torna cada vez
mais dolorosa.
Qual
é a grande falha do cristianismo europeu?
A grande dificuldade tem
sido a de construir comunidade nesta sociedade. A descoberta do indivíduo é uma
das belezas da cultura ocidental e uma verdadeira riqueza para todo o mundo.
Mas basta olhar por esta janela para ver como é fragmentada a cultura que se pode
produzir: todos esses pequenos apartamentos, muita dessa gente vivendo
sozinha... Não diria que é o nosso erro, mas o nosso desafio...
Quais
são os caminhos para lutar pela justiça e pela paz?
Há muitos caminhos. Às
vezes é preciso tomar posição: na altura própria, o conselho geral dominicano e
eu escrevemos um comunicado muito claro contra os bombardeamentos do Iraque
pelos Estados Unidos e – envergonho-me de o dizer – o meu próprio país. Gastei
muitos dos meus anos a protestar – contra o “apartheid”, contra as bombas
nucleares. Mas não é suficiente acusar, ou estar de fora, apontando o dedo.
Uma coisa que se pode fazer
é dialogar com os que tomam decisões. Outro modo é desenvolver uma estratégia
que traga as questões de direitos humanos à opinião pública. Outro é
desenvolver pequenos projectos. Há um irmão dominicano no Ruanda que trabalha
com crianças que sofrem de trauma de guerra, cujos pais morreram. Nunca vi um
artigo sobre ele, mas de um modo silencioso ele trabalha com as crianças.
Os
dominicanos têm uma grande pluralidade de opções religiosas ou sociais, por
vezes opostas. Como é possível?
Muitos dominicanos vêm com
a paixão da verdade. Mas não têm que ter a mesma visão da verdade. Nem têm que
ter a mesma ideologia ou a mesma visão da espiritualidade dominicana. E isso
foi assim desde o início.
O que nos deveria juntar
era a cultura de diálogo. O mistério de Deus está para lá das minhas
concepções. Posso ter a minha teologia e devo aprofundá-la sempre. Mas não
podemos nunca absolutizar a nossa própria abordagem teológica, não podemos
apanhar o nosso Deus e dizer-lhe: “Apanhei-te.”
Escreveu
sobre as diferentes orientações sexuais, mesmo entre os dominicanos, trabalhou
com pessoas doentes de sida. Não são atitudes comuns na Igreja...
Trabalhei com pessoas com
sida porque estavam a morrer. Eram excluídos, não queria saber se eram
homossexuais ou toxicodependentes. Um dia, na comunidade, perguntei se um
doente podia lá ficar. E a comunidade respondeu-me: “Primeiro: sim; segundo,
nunca mais tens que perguntar”.
Sobre a questão da
orientação sexual: é evidente que todo o ser humano é chamado por Deus às
mesmas regras de viver casto. O que eu escrevi é que a pessoa não deve viver
obcecada pela orientação sexual. Isso é o que a maior parte dos bispos pensa,
talvez nunca o tenham dito.
Quando
se fala dos dominicanos na História, fala-se da Inquisição. Como foi possível
ter havido responsabilidade dos dominicanos na Inquisição? Foi pela paixão da
verdade de que falou?
Essa é a pergunta que
fazemos. Já houve um simpósio em Roma, com muitos dominicanos, organizado pelo
dominicano Georges Cottier.
Primeiro, temos que
compreender: porquê? porquê? Segundo, diria que, se houver verdadeira paixão
pela verdade, não se pode ser intolerante. Terceiro, tem que se reconhecer que,
na mesma época, muita gente morreu na Inglaterra, sem Inquisição.
Era um tempo de transição
na sociedade europeia, com muitas transformações sociais – peste, divisão
social, divisão religiosa –, em que era muito fácil encontrar vítimas e
matá-las. Não podemos desculpar a Inquisição e devemos assumir a nossa
responsabilidade. Mas temos que reconhecer que, na época, era o mais justo
tribunal na Europa, onde muita gente era morta.
Publicação anterior no blogue
Sobre o futebol e outros suicídios do jornalismo (ou como jornalistas e católicos são tão parecidos) - intervenção no 4º Congresso de Jornalistas Portugueses
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