A este propósito, a agência Zenit, que evoca estes factos, cita o Pe. Michel Remaud, director do Instituto Cristão de Estudos Judeus e de Literatura Hebraica de Jerusalém, o qual esclarece que «todo o debate suscitado por esta decisão se concentrou em uma palavra que não aparece no texto, ‘conversão’», e que «pedir a Deus que ilumine os corações é uma coisa, e pressionar as pessoas para tentar convencê-las é outra. A diferença é mais que de matiz».
Por isso, adianta a agência, o Pe. Remaud propõe este questionamento «mais fundamental»: se o cristão considera Jesus como «o Salvador de todos os homens» e expressa esta convicção em sua liturgia, pode-se impedir seu diálogo com quem não compartilha sua fé?
A leitura que Zenit faz esquece que durante séculos os judeus foram considerados, nos meios católicos como "pérfidos", precisamente por lhes ser imputada a morte de Jesus. Este dado estava profundamente enraizado na cultura católica e não é por acaso que, entre outros, o Abade de Baçal, nas suas Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança, tenha sentido necessidade de dedicar perto de uma centena de páginas a desmontar os argumentos contra os judeus. A História de Portugal (e não só de Portugal) é, de resto, rica em factos, muitos deles tenebrosos, de perseguição e expulsão.
Contudo, os comentários do director do Instituto Cristão de Estudos Judeus e de Literatura Hebraica de Jerusalém suscitam reflexões várias, que podem ser consideradas relevantes para o diálogo inter-religioso, especialmente numa semana voltada para a unidade dos cristãos.
Se os cristãos consideram Cristo «o Salvador de todos os homens», isso significa que também salva os judeus, tal como os muçulmanos, os hindus, os ateus, os indiferentes às religiões... Porquê, então, direccionar a oração para os judeus? Não será ainda um vestígio do velho parti-pris?
«Pedir a Deus que ilumine os corações é uma coisa, e pressionar as pessoas para tentar convencê-las é outra. A diferença é mais que de matiz», observa o P. Remaud. Mas porque havemos de pedir a Deus que ilumine uns corações em especial? E os nossos próprios corações? E que dizer daqueles que têm o seu próprio «o Salvador de todos os homens» e que talvez também tenham o direito de pedir a Deus que nos ilumine?
Está visto que esta construção só se aguenta se considerarmos que a verdade está do nosso lado e que a única possibilidade de verdade do outro reside na convergência para a nossa verdade.
Quem acredita que Jesus é "o caminho, a verdade e a vida" deveria acreditar também que esse caminho vale por si, se manifesta num verdadeiro encontro que reconhece a alteridade do outro. É esse outro que, a partir da sua história, das suas buscas e dos seus encontros, haverá de descobrir o caminho que quer percorrer. O sinal de Deus que os cristãos são para ele pode ser um facto que venha a desabrochar e a adquirir significado na sua vida. E vice-versa. Essa é a riqueza dos filhos de Deus.
Não julgo que isto seja relativismo. Como pode sê-lo se radica numa atitude de escuta e de caminho com o outro?
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