Há cinco anos, fez dia 10, estava eu em Barcelona a acompanhar o Parlamento Mundial das Religiões e a notícia apanhou-me de surpresa, lida pela manhã no site do Público: Maria de Lourdes Pintasilgo tinha-nos deixado. Vivi um dia solitário e triste, recordando uma mulher que tanta vida e alegrias nos dera, e que tanto nos falara da comunidade, do empenhamento colectivo, da possibilidade de um mundo mais feliz para todos.
Lourdes Pintasilgo nunca coube na mediocridade nacional. A sua vida e experiência internacionais ultrapassavam-nos a todos, olhavam o mundo como uma família inteira que precisava de sarar e alimentar muitos dos seus membros, que precisava de formar e educar as pessoas para a saúde, para a responsabilidade cívica e política, para a participação na vida das comunidades. E fazia-o, sempre, em nome da fé que a animava, em nome de uma mística que ligava a fé e a cidadania, porque ambas são indissociáveis.
No site da Fundação Cuidar o Futuro, que ela instituiu e que herdou o espólio dessa vida cheia, pode encontrar-se um documento sobre o sagrado e a política, objecto de uma conferência na Gulbenkian em Abril de 1989. Nele se lê:
"Porque o cristianismo não é, em primeiro lugar, uma religião, não há, para o homem da fé, distinção entre o sagrado e o profano.
Três notas apenas a recordá-lo:
Primeiro, o cristianismo está para além do espaço sagrado. Após a expulsão dos vendilhões, Cristo responde aos fariseus dizendo-lhes que, se quiserem, poderão destruir o templo porque Ele o reconstruirá em três dias; desloca o espaço sagrado para a sua própria existência.
Segundo, o cristianismo está para além de um tenpo sagrado. Quando os fariseus o interpelam por curar um paralítico ao sábado, Ele responde-lhes que é Senhor do sábado.
Finalmente, a decisão tomada pelos apóstolos no I Concílio de Jerusalém de não exigirem a circuncisão, significa a liertação do cristianismo nascente em relação ao ritual sagrado. E Pedro vai mesmo mais longe ao dizer, na sua primeira carta, que o sacrifício necessário é um sacrifício espiritual, uma vida santa, misericordiosa, compassiva.
Ao homem do sagrado - do ritual e do sacrifício - contrapõe-se o homem espiritual, o homem cujo estatuto próprio é o de uma fundamental liberdade. (...) Para o homem espiritual, a grande questão face à política não é a distinção entre o sagrado e o profano. É, antes, a relação íntima entre a mística e a política."
O documento na íntegra pode ser lido aqui.
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