No dia em que o papa e o presidente dos Estados Unidos se encontram no Vaticano, gostaria de sugerir a leitura de um artigo que a revista italiana 30 Giorni acaba de publicar, da autoria do cardeal Georges Cottier, O.P, teólogo emérito da Casa Pontifícia, intitulado "A política, a moral e o pecado original". Nele o autor comenta dois discursos recentes de Obama: aquele que foi proferido na University of Notre Dame, em 17 de Maio passado, e outro, que teve mais eco mediático, intitulado "Um novo começo" e proferido na Universidade Islâmica Al-Azhar, no Cairo, no dia 4 de Junho último.
No primeiro discurso, Obama pegou de frente na polémica questão do aborto, sobretudo para apelar à procura de um "terreno comum" [common ground] em que aqueles que entendem que o aborto é, em si mesmo um mal, se possam encontrar na busca de soluções comuns.
No Cairo, dirigindo-se aos milhões de muçulmanos, a questão de fundo não andou muito longe da anterior: como é possível encontrar nas diferenças entre o tal "common ground" que nos permita viver em paz e trabalhar juntos, sem necessariamente anular as identidades e as diferenças.
Os discursos valem o que valem e devem ser confrontados com as acções e as suas circunstâncias. Mas não deixa de ser sintomático que este apelo ao debate e ao diálogo, em vez do anátema, tenha sido seguido com curiosidade e interesse no Cairo e, pelo contrário, com gritos insultuosos, protestos, vigílias de reparação e boicotes por parte de largos sectores católicos, incluindo de muitos bispos, nos Estados Unidos.
E não deixa de ser, também, significativo, que neste processo, a posição mais aberta e dialogante - adoptada, por exemplo, pelo Osservatore Romano e, agora, por alguém que foi o "teólogo oficial", digamos assim, dos papas João Paulo II e Bento XVI - venha do Vaticano.
Os pragmáticos e os cínicos dirão que se trata de manobras tácticas de aproximação. Acredito que há mais do que isso no que tem vindo a passar-se.
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