quarta-feira, 30 de junho de 2010

Papa pode ser chamado a depor nos tribunais norte-americanos

"É uma sentença ilógica. Abre-se caminho para pessoas em busca de dinheiro"

Gianni Gennari, teólogo e comentador do jornal Avvenire, dos bispos italianos, não vê "nenhuma racionalidade" na decisão tomada nesta segunda-feira pelo Supremo Tribunal norte-americano que rejeita a imunidade diplomática reivindicada pelo Vaticano, permitindo até que o Papa seja chamado a depor como testemunha ou como acusado nos casos de pedofilia. A entrevista saiu no “La Stampa” de 29 de Junho. Apareceu traduzida em português aqui.

De agora em diante, o Vaticano irá responder pelos abusos do clero?

Que uma coisa aconteça é um fato, mas não é dado que ela seja justa. Hegel se equivocou: "Nem todo o real é racional". Os juízes do tribunal dos EUA têm o direito de chamar a Santa Sé a julgamento por um crime cometido por um cidadão norte-americano, ou de outro Estado, só por ser padre? Um padre é um dependente jurídico do Vaticano? E por quê? Mesmo que viva no Pólo Sul? Mesmo se atropelar um pedestre de carro? Mesmo se roubar uma marmelada no supermercado? Que relação jurídica existe, para o direito norte-americano, entre um padre e o seu bispo quando se trata de ações totalmente pessoais e como tais incontroláveis?

A Santa Sé se sente cercada?

Vivemos um tempo de "zombarias" singulares. O limite da racionalidade parece ter sido superado. A menos que a pretensão se fundamente só no fato de que esse Papa, entristecido, reconheceu, de um lado, o horror cometido por padres como um pecado e, pela lei do Estado, também como um crime, e alguém queira se aproveitar disso para fazer dinheiro. Justamente o fato de ter decidido pela tolerância zero, por ter levado a sério as partes das vítimas seria pretexto para punir quem se recusa a proteger os réus e os entrega à justiça?

A linha defensiva da Igreja está ruindo?

Sim. Deve-se dizer, porém, que a tese defensiva de que "todo bispo é Papa em sua casa" é uma concepção ilógica da defesa, que já fez muitos danos. Todo cidadão adulto é o responsável único pelos seus atos e se, para realizá-los, usa prerrogativas de tipo associativo, como as eclesiais, comete um segundo delito, que deve ser punido com as leis da associação falsamente colocada em jogo e, assim, caluniada e prejudicada. Se nos tempos do caso Craxi, ou do caso Greganti, a polícia italiana não só tivesse entrado com força na sede do PSI e do PCI, mantendo todos presos por 10 horas, mas também tivesse escavado os túmulos de Nenni, Togliatti e Berlinguer para "procurar provas" dos crimes financeiros, além disso certos, o que se teria dito?

domingo, 27 de junho de 2010

Bento Domingues escreve sobre a conversão de Anthony Flew, Anselmo Borges fala das fracturas católicas

Texto de Anselmo Borges (no DN de ontem), "Católico e questões fracturantes", aqui.

Novos centros do debate teológico e pastoral

"No século que se aproxima, lugares tais como Jacarta, Manila, Buenos Aires e Abuja serão o que Paris, Lovaina e Milão foram para o século XVI, ou seja, os centros primeiros do novo debate teológico, do desenho da nova pastoral e da nova energia política".

John L Allen Jr, 'A global case for good government in the church', Nat. Catholic Reporter, 25.6.2010

sábado, 26 de junho de 2010

Morreu José Maria Díez-Alegría, o jesuíta "sem documentos""

Morreu na sexta-feira, 25 de Junho, na residência dos jesuítas de Alcalá de Henares, perto de Madrid, o teólogo espanhol José Maria Díez-Alegría, nascido a 22 de Outubro de 1911, em Gijón. Nasceu na sucursal do Banco de Espanha, onde o seu pai era director e, não certamente por isso, tornou-se teólogo da libertação, sempre atento à exploração dos mais frágeis.

Em 1972, quando era professor da Gregoriana, em Roma, publicou o livro “Eu creio na Esperança” e foi expulso (“exclaustrado”) da Companhia de Jesus para evitar problemas com o Vaticano. Continuou a ser padre, vivendo com o jesuíta Llanos na casa “Pozo del Tío Raimundo”, em Madrid, um importante centro de teologia da libertação.

José Maria Díez-Alegría intitulava-se “jesuíta sem documentos”, expressão que deu título a uma biografia de Pedro Lamet. Ler mais no El País ou, em português do Brasil, aqui.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Saramago: «perceber o seu “não”, mesmo discordando dele»

De uma entrevista de José Tolentino Mendonça à TSF: José Saramago: da redução da Bíblia até à fronteira última:

" (...) para ele, Saramago, não era relevante a forma como Jesus ilumina a questão de Deus, porque para ele essa questão não se põe. Mas é muito importante a forma como a figura de Jesus ilumina a questão do homem, este enigma que nós somos. Ele achava que Jesus iluminava muito esse enigma.
Isso faz com que aquilo que possamos pensar sobre Saramago e as diatribes dele, as polémicas com a Bíblia, com a herança cristã e com a Igreja mais institucional hão-de ser agora relidos com outros olhos e com aquela distância que só o tempo dá, permitindo ver como nele há uma procura espiritual que certamente o livro “Caim” não encerra, mas que pode agora ser olhada e aberta a novas interpretações.


O que é que vai guardar, não do escritor, mas do homem?
A sua estatura, a sua reivindicação. Em José Saramago há muito do que eu chamaria uma espécie de teologia do protesto. Um homem que não aceita soluções fáceis para as grandes perguntas da existência. E que a tudo diz que não, protestativamente. Isso é uma coisa que nos faz bem a todos. Numa cultura muito conformista e de assentimentos fáceis, perceber o seu “não”, mesmo discordando dele e percebendo as limitações de algumas das suas declarações e do seu pensamento.
Penso que esse ar de profeta que ele carregava é muito importante porque a cultura e um criador têm também uma responsabilidade civil que é de lançar esse inconformismo, de lançar a pergunta. Nesse sentido, a pessoa de José Saramago cumpria muito bem essa imagem.

domingo, 20 de junho de 2010

Bento Domingues fala da festas populares; Anselmo Borges reflecte sobre o vazio deixado pela morte de Deus


Anselmo Borges no DN de ontem: "Com a morte de Deus, criou-se um vazio. Os europeus instalaram-se no ter e no prazer. Sem Deus, onde está o sentido que dá unidade? Não se pode esquecer o que já Nietzsche anteviu". Ler mais aqui.

"É a vida, é a vida"

O Jornal de Notícias volta hoje, num registo mais reflexivo e analítico, ao caso dos que "morreram no Porto e só foram descobertos dias depois". A jornalista Leonor Paiva Watson, autora do trabalho, chama-lhes os "Mortos de ninguém" e escreve:
"No espaço de três dias, foram encontrados no Porto seis pessoas mortas em casa, cujos corpos estavam já em estado de decomposição. Em todos os casos, o que chamou a atenção dos vizinhos foi o cheiro. Em comum, a absoluta solidão. São mortos de ninguém".
A jornalista recolheu pela zona uma espécie de rendição aos factos: "É a vida, é a vida".

sábado, 19 de junho de 2010

Missa para Vozes Vulgares, em Lisboa

Uma sugestão, para quem ainda não tiver programa para esta tarde: às 18h de hoje, na Igreja Evangélica Presbiteriana de Lisboa (R. Tomás da Anunciação, 56 D), o coro da Associação de Residentes de Telheiras canta a Missa para Vozes Vulgares, de José Eduardo Rocha. O compositor é autor de obras como a ópera Os Fugitivos, que esteve em cena no Teatro da Trindade, e de várias peças musicais para textos de teatro encenados pelos Aryistas Unidos, por exemplo. Compôs ainda uma das peças do disco Movimentos Perpétuos, de homenagem a Carlos Paredes (aqui pode ser escurado um excerto). O coro da ART será dirigido por Luís Almeida.

Saramago: in memoriam

"Deus é o silêncio do universo e o ser humano é o grito que dá sentido a esse silêncio".
José Saramago

sexta-feira, 18 de junho de 2010

O catolicismo de Andy Warhol


(Detalhe de The Last Supper, de Andy Warhol)
A notícia vinha há dias no Yahoo News e dá conta de que Andy Warhol, para além da sua fase mais conhecida da pop art, se virou, nos anos 80, etapa final da sua vida, para uma fase inspirada, ou pelo menos referenciada, ao imaginário cristão, em especial as suas versões da Ultima Ceia. A exposição abre hoje no Brooklyn Museum sob o título "Andy Warhol: The Last Decade," e através dela se pode descortinar uma dimensão da vida do artista que é relativamente desconhecida: a sua fé em Jesus Cristo.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Cristianismo em contra-corrente

No próximo dia 25, O Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura vai debater em Fátima o tema da Igualdade. Sobre este assunto, escreve hoje no jornal diário Página 1, o secretário dessa iniciativa:

"(...) É um motivo culturalmente incómodo, mas não é de agora. Podemos mesmo dizer que no processo de autoconsciência do movimento cristão das origens, a questão da Igualdade emergiu, aos olhos dos contemporâneos, como uma reivindicação algo bizarra da mensagem cristã. Quando, por exemplo, Paulo de Tarso sintetiza num enunciado igualitário as implicações da experiência cristã, “não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem e mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus” (Gal 3,28), isso imediatamente colocou o cristianismo numa trajectória cultural de contra-corrente. Mas é sempre essa a relação que o cristianismo é chamado a manter com o horizonte cultural de todos os tempos: dialogar sem  deixar de interrogar, absorver sem baixar o sentido crítico e renovador, ser consonante sem perder a ousadia de declarar-se em alternativa, não apenas no discurso sobre Deus, mas também na visão da Pessoa Humana. Há aqui tanto caminho a fazer! (...) "

José Tolentino de Mendonça, Página 1, 17.6.2010

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Que mundo é este?


(Texto de notícia publicada na edição de hoje do jornal de Notícias, sob o título "Estava morto em casa há pelo menos um mês". Foto de Leonel de Castro).

domingo, 13 de junho de 2010

Calderón de la Barca numa missa do século XXI

(Foto: José Nogueira Ramos no papel de Moisés/© Teatro do Ourives)

Já aqui se falou antes da peça Os Mistérios da Missa, encenada por Júlio Martin e representada pelo Teatro do Ourives. Este auto sacramental de Calderón de la Barca estará em cena em Lisboa, no Convento dos Cardaes (R. do Século, 123), nos próximos dias 16, 17 e 18 de Junho. A entrada é livre e o espaço é convidativo.

No Ípsilon de dia 11, publiquei um texto sobre a peça, que aqui se reproduz como forma de convite a ir ver o espectáculo.

O novo Teatro do Ourives apresenta um texto do dramaturgo espanhol que era encenado nas ruas como uma grande festa social e como exaltação barroca e teatral da fé católica.

Pegue-se num auto sacramental de Calderón de la Barca, num grupo de teatro que nasce ao mesmo tempo que ensaia e numa encenação que procura reconstituir a festa social que, por esta altura do ano, o teatro barroco propunha na Espanha católica do século XVII.

É de tudo isto que nasce a peça Os Mistérios da Missa, interpretada pelo Teatro do Ourives – e já lá vamos ao nome. O texto é um entre as dezenas de autos sacramentais escritos por Pedro Calderón de la Barca para serem representados nas ruas. Na altura do Corpo de Deus, festa católica que o Concílio de Trento promovera com mais intensidade para exaltar a fé católica, Calderón apresentava estes textos, que o site da Biblioteca Miguel de Cervantes define como “de raiz mais ética que cristã”.

Calhando normalmente nesta altura do ano (Maio, Junho – celebrou-se este ano no passado dia 3), a festa pretendia também afirmar a diferença em relação aos Judeus e também para com os protestantes: a Reforma do século XVI colocara em causa o carácter sacralizado da missa católica (que Calderón faz questão de acentuar neste texto). As pessoas vinham para a rua, em massa, assistir à procissão do Corpus Christi, que culminava com a encenação de um dos mistérios – no caso de Madrid, onde Calderón viveu a maior parte da sua vida, era feita na Plaza Mayor.

Estas encenações eram “um espectáculo operático”, explica ao ÍPSILON Júlio Martin, 48 anos, encenador do Teatro do Ourives (e do TUT-Teatro da Universidade Técnica desde 2009, onde substituiu Jorge Listopad). Os autos eram sempre à volta do sacramento da missa, mas tinham “uma infinidade de argumentos”. Nas ruas, quatro carros andavam pelas cidades, convergindo depois para uma praça e ligando-se ao cenário já preparado no local.

Calderón de la Barca não é um estranho para Martin que, enquanto actor do TUT, protagonizou a figura de Segismundo de A Vida é Sonho, na Torre de Belém. O dramaturgo espanhol, recorda Martin, trabalhou com engenheiros italianos na criação de um “espectáculo total” – o dramaturgo levará o teatro barroco espanhol ao seu cume. Os anjos voavam, os demónios saíam de alçapões em fogo, havia trombones e música, danças… “O que ele pretendia com os autos era envolver os mistérios num ambiente de festa e que a alegria desse cobertura ao mistério e para que este não aparecesse deslocado.”

A presente encenação dos Mistérios optou, no entanto, por levá-la para dentro de igrejas e capelas – do castelo de Sesimbra e do seminário de Almada e, na próxima semana (16 a 18), no Convento dos Cardaes, em Lisboa (R. do Século, 21h30, com entrada livre). Esta não é uma escolha casual, pelo lugar mítico para a relação entre as artes e o religioso que os Cardaes representam: ali foi encenada A Troca, de Paul Claudel, já há mais de vinte anos, pelo Teatro do Mundo, após o que o espaço tem acolhido intervenções artísticas muito diversas.

“Este texto tem um lado mais intimista, optámos por fazê-lo dentro de uma igreja.” A proximidade e a festa são dadas pela deambulação dos actores entre os espectadores e pela proximidade dos músicos – que tocam ao vivo – num espaço, o de uma igreja, que remete também para uma experiência comunitária.

O texto encenado por Júlio Martin (que tem feito carreira de actor, sobretudo no Teatro Nacional D. Maria II, mas também no TUT e no Teatro Maizum) é uma adaptação em prosa (o original é em verso), do actor alemão Harry Hardt, traduzida para português por Costa Ferreira. Nesta encenação, foram introduzidas ligeiras alterações: a figura do Judeu é substituída pelo Farisaísmo e o Romano dá lugar ao Paganismo. Opções que pretenderam retirar alguma virulência da linguagem da época, “muito datada e que surgiria como ruído” – o mesmo sucedeu com referências litúrgicas entretanto em desuso.

Por isso estamos perante uma versão que humaniza o ritual litúrgico e remete para a dimensão teatral da liturgia católica – como quando o Farisaísmo rememora a paixão de Cristo e a relaciona com os paramentos, ou quando entra Adão à procura do paraíso perdido. Nesse sentido, é um texto pleno de contemporaneidade – ou, melhor ainda, de intemporalidade, já que é essa justamente “a marca da criação artística e de uma obra de arte”.

O Teatro do Ourives, enfim: inicialmente constituído por profissionais e amadores apenas para este espectáculo, o grupo evoluiu e, enquanto ensaiava, ficou a ideia de prosseguir. Como nascera à sombra da Vale d’Ácor, instituição católica de recuperação de toxicodependentes, o nome foi Júlio Martin buscá-lo à peça A Loja do Ourives, de Karol Wojtyla – o Papa João Paulo II. “Era apaixonado pelo teatro e foi actor.” Mas remete também para as “pedras preciosas que são as pessoas e as situações”. Ficou a vontade de continuar, com outros projectos, mas sem qualquer carácter de um grupo confessional. “Somos um grupo de teatro.”

No início do auto, diz a Sabedoria à Ignorância: “Em breve tu própria saberás, compreenderás, verás claramente a essência do grande mistério deste mundo.”

Bento e Anselmo sobre Deus, demónios e uma conversão

"A fé verdadeira é o acolhimento humilde de Deus na nossa finitude e dos outros como dons da sua graça", escreve Bento Domingues, referindo o caso do judeu francês com nome de árabe, esquerdista e discípulo de Nietzsche, que se converteu ao catolicismo: Fabrice Hadjadj.


Anselmo Borges, no DN de ontem, escreveu sobre a divindade impessoal e do Deus pessoal. "É frequente ouvir pessoas que se afirmam cristãs dizerem: sim, eu acredito, "ele há qualquer coisa de superior que nos governa". Pergunta-se: essas pessoas acreditam no Deus cristão? Realmente não, já que, na perspectiva cristã, Deus é invocável, da ordem do pessoal e não do impessoal..." Ler mais aqui.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

"Não podemos imaginar Jesus como chefe de Estado"


Alex Zanotelli é um conhecido missionário comboniano que se tem distinguido pela dedicação às causas da justiça e da paz. A mais recente é a do combate à privatização da água. Numa entrevista dada há dias ao jornal Affari Italiani, defende com vigor uma reforma da Igreja Católica, a começar pela Cúria vaticana. Acabar com o Estado do Vaticano tornaria o Papa mais livre. Mas uma reforma dessa envergadura só um Concílio a poderia fazer. Eis as partes mais relevantes da entrevista:

P - Em 2005, escreveu uma carta aberta ao recém-eleito papa Bento XVI pedindo um compromisso com a África, na esteira do seu antecessor João Paulo II. Também afirmava que não podem conviver na mesma Igreja "homens de dores" e "outros tantos Pilatos". Cinco anos depois, acredita que o Papa Joseph Ratzinger tenha percebido as suas esperanças, em relação ao Terceiro Mundo?

R - É difícil medir isso no curto prazo. O Papa realizou várias intervenções e declarações bastante claras, como a encíclica "Caritas in veritate", que é um bom documento sobre estas questões. Mas é um ensinamento que não consegue chegar ao nível da base, que não entra no dia-a-dia, que não cabe na catequese das paróquias, nas homilias dos sacerdotes. Nós não o tornamos nosso. No Ocidente, há uma esquizofrenia profunda entre o que anunciamos na igreja e aquilo que vivemos.

P - Em 11 de Junho, encerra o ano sacerdotal. Nos últimos meses, a imagem do padre sofreu graves golpes, incluindo a descoberta de vários casos de pedofilia entre os religiosos. Considera que a figura do sacerdote está em crise? E em caso afirmativo, por quê?

R - Não é só a sociedade mas também a Igreja que está a passar por um momento difícil. Reconheço ao Papa Ratzinger pelo menos a coragem de ter dito a verdade. Ele reconheceu que esta é uma igreja ferida, que necessita de conversão. A pedofilia é um crime, com tudo o que implica em termos de perda de confiança da parte das pessoas. Mas o maior problema para os padres é o da pouca esperança. Há o sentimento de que muitos deles que têm puxado os remos do barco já não sabem para onde ir. E, infelizmente, ao nível das conferências episcopais e dos bispos, não há um impulso forte: existe medo. Sou de opinião que se torna necessária uma reconversão estrutural da Igreja, não só pessoal. A conversão deve começar pela Cúria romana. E isso apenas um concílio pode fazê-lo, não é um papa que o pode fazer.

P - Prevê um terceiro Concílio Vaticano?

R - Um dos erros do Concílio Vaticano II residiu em não ter feito a reforma da Cúria.
A propósito de reformas: o celibato dos sacerdotes é um problema?
Sim, é um problema problemas, mas eu tento pensar numa perspectiva estrutural.

P - A saber...?

Chegou a hora de repensar o Vaticano. Que pensar do facto de o Papa ser chefe de Estado? Imaginemos Jesus Cristo como chefe de Estado. Impossível, ele recusou isso! No último século, a única maneira de dar independência ao papado foi instituí-lo em torno do conceito de Estado. Mas hoje a ONU é reconhecida em todo o mundo e não é um estado. Imaginemos que o papa não era um chefe de Estado: como seria livre de se movimentar e de ir ao encontro daqueles que gostasse de conhecer! Ou recusar, por exemplo, no caso de ditadores sanguinários. O Vaticano deveria abandonar este conceito de Estado (...). Urge repensar toda a estrutura, a relação entre centro e periferia. Agora, existem cinco mil bispos, o que é uma estrutura grande. Precisamos de algo muito mais ágil e simples. E só um concílio poderia desencadear essa reforma.

.........
A propósito desta entrevista, José Manuel Vidal, editor de Periodista Digital, comenta o seguinte:
"Hay ya un amplio consenso en la Iglesia acerca de la necesidad penrentoria y urgente de reformar la Curia romana. El problema es el cómo. ¿Desde arriba o desde abajo? El poder tiende a perpetuarse, no a disolverse. Por eso, al contrario de Zanotelli, muchos teólogos (Faus, Pikaza, Espeja...) sostienen que la reforma vendrá de las bases y con mucha resistencia por parte de la cúpula. Me gustaría seguir creyendo que la reforma es posible por los dos caminos a la vez: urgida desde las bases y puesta en marcha por la cúpula. Para eso, necesitamos que el Espíritu sople como un viento huracanado. Como en la época de la primavera de Juan XXIII".

terça-feira, 8 de junho de 2010

Excomunhão: um caso na América

Nos finais de 2009, o St. Joseph’s Hospital and Medical Center, de Phoenix, Estados Unidos da América, desencadeou o aborto de uma mulher de 27 anos grávida de um bebé de 11 semanas, para salvar a vida da mãe, já com quatro filhos e que sofria de hipertensão pulmonar (1). A mulher estava tão mal que os médicos lhe comunicaram que morreria se não se pusesse fim à gravidez.

Na decisão interveio uma religiosa com responsabilidades na unidade hospitalar e membro do seu conselho de ética, apoiando a decisão de provocar o aborto.

Em Maio último, quando teve conhecimento do caso, o bispo de Phoenix divulgou uma declaração em que anunciava a excomunhão da religiosa, com base no facto de ocupar um cargo de responsabilidade no hospital e de ter considerado que o aborto [nestas circunstâncias] era moralmente bom e aceitável à luz da doutrina da Igreja.

O caso, que provocou alguma polémica, acabou por não desencadear reacções de maior na ocasião, até porque a freira excomungada se recusou a comentar a situação. Contudo, nas últimas semanas, vários professores de teologia moral têm questionado aspectos, nomeadamente pastorais, implicados nesta decisão de excomunhão. Uma das críticas relaciona-se com a proporcionalidade, dada a situação em que a grávida se encontrava, a qual comprometia inevitavelmente também a vida do bebé. Mas proporcionalidade também por comparação com outras situações de grande gravidade ético-moral, em que a prática pastoral da Igreja está longe de ser levada ao mesmo extremo (casos de apoio à pena de morte ou à guerra, ou abusos e violação sexual de crianças por parte de membros do clero, por exemplo).

Mas a questão é também a do princípio teológico segundo o qual "a única opção moral é não interferir e deixar que a mulher morra e o feto morra com ela".
Uma questão que se coloca é esta: se se sabe com segurança que não se pode salvar a criança, poderá ela entrar no quadro moral que leva a deixar morrer a mãe?

Fonte: National Catholic Reporter, "Ethicists fault bishop’s action in Phoenix abortion case", June 8, 2010.

(1) Sobre hipertensão pulmonar, ver, por exemplo:
Roberts NV, Keast PJ. Pulmonary hypertension and pregnancy—a lethal combination. Anaesth Intens Care 1990; 18: 366–74
L. Monnery, J. Nanson and G. Charlton. Primary pulmonary hypertension in pregnancy; a role for novel vasodilators. British Journal of Anaesthesia, 2001, Vol. 87, No. 2 295-298

domingo, 6 de junho de 2010

Bento e Anselmo sobre ateus e diálogo com ateus

Anselmo Borges, no DN de ontem, escreve sobre ateus com espiritualidade. "Como aqui me refiro por vezes a quem se considera ao mesmo tempo religioso e ateu, gostaria de tentar explicar". Ler mais aqui.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Padre João Resina, in memoriam

(Foto © Enric Vives-Rubio/Público)

O padre João Resina morreu esta quinta-feira em Lisboa. A sua morte ocorreu no dia em que a Igreja Católica celebrava o dia do Corpo de Deus; a leitura do evangelho das missas recordava o episódio em que Jesus, pelo milagre da partilha, conseguia pôr uma multidão inteira a comer apenas com alguns pães e peixes.

Para quem o conheceu, o padre João Resina era assim, capaz de uma entrega total e de, com poucos gestos, levar as pessoas ao milagre da partilha. Centrado no essencial, como dizia a catequista Helena Presas, na missa de sufrágio, era um homem para quem a religião não tinha acessórios a atrapalhar. Para ele, a fé nunca era obstáculo para a vida nem para discutir a razão e a ciência: plantar batatas é da ordem da ciência, dizia ele há três anos, na entrevista que tive oprotunidade de lhe fazer para o Público.

Para memória, essa entrevista pode ser lida na íntegra aqui. Algumas das suas homilias dominicais, que levavam tanta gente a atravessar a cidade de uma ponta à outra só para o ouvir e poder, depois, levar aquela folhinha para casa, estão disponíveis aqui. E ainda no site da paróquia do Campo Grande podem ler-se textos de reflexão do padre João. Os dois volumes de A Palavra no Tempo, que recolhem muitas das homilias de João Resina Rodrigues, foram editados pela Multinova e Entrelinhas.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Sexo: obediência e abertura

«O teólogo Yves Congar afirmou, um dia: "Na Igreja Católica parece muitas vezes que o pecado da carne é o único pecado e que a obediência é a única virtude." Esta dicotomia dinâmica constitui o elemento-chave da estrutura crise relacionada com o abuso sexual do clero em que actualmente a Igreja Católica se vê enredada».
Assim abre um artigo publicado hoje no site do National Catholic Reporter, cuja leitura se sugere, como contributo para analisar o actual problema da pedofilia na Igreja.
Ler:Sex: Obedience & Disclosure