(Crónica do P. Vítor Gonçalves, de comentário aos textos da liturgia católica)
“…o Espírito da verdade... habita convosco e está em vós.”
(Evangelho de S. João 14, 17 - VI Domingo da Páscoa, 29 de Maio)
Quem ainda nunca sentiu o fascínio que é montar um móvel comprado na IKEA (passe a publicidade)? Começa logo na escolha das inúmeras possibilidades de combinações e a promessa de cada um poder ser um verdadeiro carpinteiro e decorador. Depois é a aventura de seguir, passo a passo, as instruções do manual como se fosse um livro mágico que, de placas e parafusos caóticos, convida a criar a obra prima que poderemos apresentar aos amigos (ou obriga a telefonar a quem entenda porque a mesa se transformou em estante!). Alguém já lhe chamou o “lego” dos adultos, capaz de devolver uma certa nostalgia perdida de cada um dar um toque pessoal até àquilo que reveste a sua casa. Os materiais podem não ser muito duráveis, mas isso também tem o aliciante de uma renovação de tempos a tempos.
Maravilha-me o tempo pascal porque ele nos remete sempre aos tempos iniciais da Igreja e da criação das primeiras comunidades. De como com aqueles materiais frágeis dos discípulos e até dos seus erros e pecados Deus foi consolidando comunidades irradiadoras da Boa Nova. Foram também as circunstâncias que criaram possibilidades de novos serviços e até as perseguições ajudaram a não enclausurar o evangelho. E, tudo isto, sem um manual de instruções! Ou melhor, descobrindo que o verdadeiro manual de instruções se chama Espírito Santo. Os materiais eram e são simples: a vida vivida com autenticidade, os mandamentos de Jesus acolhidos e cumpridos, o respeito e a liberdade perante a tradição, o amor a consolidar tudo. E o Espírito da verdade a habitar connosco e em nós.
Por isso, pior que o erro e o engano é aprisionar a liberdade de escolher, é aguentar uma “meia-vida” porque “tem de ser” e não aceitar que se errou e é possível uma transformação. São Pedro seria, na lógica de muitas organizações, uma improvável escolha para a missão de “confirmar os irmãos na fé”. Claro que o Espírito da verdade o ajudou a trazer ao de cima do coração e da boca o que nele era essencial: “Senhor, sabes tudo, bem sabes que te amo!”. Nele se confirma a sábia frase que o filme “Encontrarás dragões” (sobre a guerra civil espanhola e os primeiros anos da vida de S. Josemaria Escrivá) apresenta nos seus cartazes: “Todos os santos têm um passado”. Falta acrescentar a segunda parte: “E todos os pecadores, um futuro”!
Acreditar que o Espírito Santo é “manual de instruções” para a Igreja e para a vida de cada cristão é assumir a sua escuta como tarefa quotidiana e encarar os erros como novas possibilidades de construção. Não somos “pau para toda a colher”, não temos os dons todos nem somos capazes de tudo. Mas aquilo que damos com alegria Deus sabe multiplicar. E, como diz um amigo meu:” Sei que, ainda que erre no meu caminho, Deus não desistirá de me chamar à vida em plenitude!”
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