(Crónica do P. Vítor Gonçalves, de comentário aos textos da liturgia católica)
“Quem acredita em Mim fará também as obras que Eu faço e fará ainda maiores do que estas.”
(Evangelho de S. João, 14,12 - V Domingo da Páscoa, 22 de Maio)
Voltaram os jacarandás a encher de flores lilases o céu sobre as nossas cabeças. Será que outras cidades têm o privilégio desta “visita” a anunciar o verão? Lisboa parece pintada por Van Gog ali no Parque Eduardo VII, na avenida D. Carlos, na 5 de Outubro e noutras ruas e pequenos pátios. Parar para os contemplar é obrigatório! É um pequeno milagre oferecido de graça por entre a azáfama e o coração apertado.
Não é fácil falar de milagres. Há quem contemple tudo como milagre, descobrindo em cada coisa a maravilha da existência, e também quem o não faça, recusando qualquer dimensão sobrenatural naquilo que nos rodeia. À procura de milagres “salta-se” de igreja em igreja, de culto em culto. É verdade que o próprio Jesus, que realizou alguns milagres, recusou o título de “milagreiro”, tão do agrado de quantos vivem a relação com Deus na esperança destes “rebuçados” que vêm ao encontro dos seus desejos. Especialmente na cruz, tentado a uma saída espetacular e convincente, Jesus revela o milagre na fidelidade, no amor até ao fim. O seu caminho provoca-nos e interpela-nos.
Fui há dias ver o filme “Lourdes” de Jessica Hauser que, como o título indica, decorre à volta do santuário de Nossa Senhora de Lourdes e de um grupo de peregrinos nos quais se destaca Christine, uma jovem mulher com esclerose múltipla, presa a uma cadeira de rodas. É um filme denso, cuja realizadora diz não acreditar em milagres, mas ao mesmo tempo aberto ao mistério. Questiona uma certa linguagem “espiritual” à volta do sofrimento e do próprio Deus, cheia de “respostas feitas” ou de afirmações que não recolhem a dor de quem sofre. Tem presente o dilema de Epicuro sobre a bondade e omnipotência de Deus aqui simplificado: se é bom não é omnipotente pois então acabaria com o mal; se é omnipotente não é bom, pela mesma razão. Abre-se à possibilidade de diálogo e de debate. Diálogo sobre os milagres e sobre Deus, sobre a fé e a graça, o sofrimento e a felicidade. Mas ninguém conte com um filme fácil!
A dúvida de Tomé e a pergunta de Filipe a Jesus são registo da procura constante que é o acreditar em Jesus. “Saber o caminho” e “ver o Pai” coincidem em Jesus. É Ele o maior milagre. A sua pessoa. A vida de comunhão que tem com o Pai e partilha connosco. Tudo o que diz e faz aponta para essa vida abundante. Vida que é criativa como mostra a “invenção” dos diáconos e dos muitos serviços da comunidade cristã na sua presença no mundo; vida que substitui os sacrifícios da antiga aliança pelo dom de cada um; vida que nos transforma e nos faz realizar obras maiores que as suas. Estamos atentos a estes milagres tão próximos de nós?
Sem comentários:
Enviar um comentário