quinta-feira, 5 de maio de 2011

"Tu, que me fizeste ver as trevas..."

O Papa Bento XVI iniciou ontem, no quadro das audiências gerais das quartas-feiras, no Vaticano, uma nova série de 'catequeses' que procura responder ao pedido dos apóstolos, referido em Lucas, 11, 1: "Senhor, ensina-nos a orar".
E começou, a jeito de introdução, por propor "alguns exemplos de oração presentes nas culturas antigas, para revelar como, praticamente sempre e em todos os lugares, os homens se dirigiram a Deus". Assim:
No Antigo Egito, por exemplo, um homem cego, pedindo à divindade que lhe restituísse a vista,
demonstra algo universalmente humano, como a pura e simples oração de petição de quem se encontra no sofrimento. Este homem reza: "Meu coração deseja ver-te... Tu, que me fizeste ver as trevas, cria a luz para mim. Que eu te veja! Inclina a mim teu rosto amado" (A. Barucq - F. Daumas, Hymnes et prières de l'Egypte ancienne, Paris 1980, trad. it. en Preghiere dell'umanità, Brescia 1993, p. 30).

Nas religiões da Mesopotâmia, dominava um sentimento de culpa arcano e paralisador, não carente de esperança da redenção e libertação por parte de Deus.

Podemos apreciar assim esta súplica por parte de um crente daqueles antigos cultos: "Ó Deus, que és indulgente inclusive com as culpas mais graves, absolve o meu pecado... Olha, Senhor, teu servo esgotado e sopra a tua brisa sobre ele: perdoa-o sem demora. Levanta teu severo castigo. Dissolvidos estes laços, permite que eu volte a respirar; rompe as minhas correntes, liberta-me das minhas ataduras" (M.-J. Seux, Hymnes et prières aux Dieux de Babylone et d'Assyrie, Paris 1976, trad. it. in Preghiere dell'umanità, op. cit., p. 37). São expressões que demonstram como o homem, em sua busca de Deus, intuiu, ainda que confusamente, por um lado a sua culpa, mas também aspectos de misericórdia e de bondade divinas.

Dentro da religião pagã da Grécia Antiga, assiste-se a uma evolução muito significava: as orações, ainda que continuem invocando ajuda divina para obter o favor celestial em todas as circunstâncias da vida cotidiana e para conseguir benefícios materiais, dirigem-se progressivamente a petições mais desinteressadas, que permitem ao homem crente aprofundar em sua relação com Deus e melhorar. Por exemplo, o grande filósofo Platão relata uma oração do seu mestre Sócrates, considerado justamente um dos fundadores do pensamento ocidental. Sócrates orava assim: "Fazei que eu seja belo por dentro. Que eu considere rico quem é sábio e que possua de dinheiro somente aquilo que o sábio possa tomar e levar. Não peço mais" (Obras I. Fedro 279c, trad. it. P. Pucci, Bari 1966). Ele queria ser sobretudo belo por dentro e sábio, não rico em dinheiro.

Naquelas obras-primas da literatura de todos os tempos, as tragédias gregas, ainda hoje, depois de vinte e cinco séculos, lidas, meditadas e representadas, há orações que expressam o desejo de conhecer a Deus e de adorar sua majestade. Uma delas diz assim: "Sustento da terra, que sobre a terra tens a tua sede, sejas quem for, é difícil de saber, Zeus, seja a tua lei por natureza ou por pensamento dos mortais, a ti me dirijo: já que tu, procedendo por caminhos silenciosos, guias as vicissitudes humanas segundo a justiça" (Eurípides, Troiane, 884-886, trad. it. G. Mancini, en Preghiere dell'umanità, op. Cit., p. 54). Deus continua sendo um pouco nebuloso e, no entanto, o homem conhece esse Deus desconhecido e reza Àquele que guia os caminhos da terra.

Também para os romanos, que constituíram aquele grande império no qual nasceu e se difundiu, em grande parte, o cristianismo das origens, a oração, ainda que se associasse a uma concepção utilitarista e fundamentalmente ligada à petição da proteção divina sobre a comunidade civil, abre-se, às vezes, a invocações admiráveis pelo fervor da piedade pessoal que se transforma em louvor e agradecimento. Disso é testemunha um autor da África romana do século II d.C., Apuleio. Em seus escritos, ele manifesta a insatisfação dos seus contemporâneos com relação à religião tradicional e o desejo de uma relação mais autêntica com Deus. Em sua obra-prima, intitulada "As metamorfoses", um crente se dirige a uma divindade feminina com estas palavras: "Tu és santa, tu és em todo tempo salvadora da espécie humana; tu, em tua generosidade, ofereces sempre auxílio aos mortais; tu ofereces aos miseráveis em aperto, o doce afeto de uma mãe. Nem dia nem noite, nem momento algum, por mais breve que seja, passa sem que tu o cumules dos teus benefícios" (Apuleio de Madaura, Metamorfosis IX, 25, trad. it. C. Annaratone, en Preghiere dell'umanità, op. cit., p. 79).

No mesmo período, o imperador Marco Aurélio - que também era um filósofo que pensava na condição humana - afirma a necessidade de rezar para estabelecer uma cooperação frutífera entre ação divina e ação humana. Ele escreve em suas "Lembranças": "Quem te disse que os deuses não nos ajudam também no que depende de nós? Começa a rezar-lhes e verás" (Dictionnaire de Spiritualitè XII/2, col. 2213). Este conselho do imperador filósofo foi, efetivamente, colocado em prática por inúmeras gerações de homens antes de Cristo, demonstrando que a vida humana sem a oração, que abre nossa existência ao mistério de Deus, fica sem sentido e privada de referências. Em toda oração, de fato, expressa-se sempre a verdade da criatura humana, que experimenta, por um lado, fraqueza e indigência e, por isso, pede ajuda ao céu; e por outro, está dotada de uma dignidade extraordinária, porque se prepara para acolher a revelação divina, descobre-se capaz de entrar em comunhão com Deus.

Fonte: Agência Zenit. Texto completo AQUI. Ilustração: Angelus, de Miller.

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