terça-feira, 8 de outubro de 2013

Pode amar-se um computador?


(vídeo - Luís A. Santos)

O director da revista jesuíta La Civiltà Cattolica, padre Antonio Spadaro, começa por contar uma história de um aluno nigeriano: ele ama o seu computador “porque lá dentro estão todos os [seus] amigos”.
Foi sexta-feira passada, em Fátima, nas Jornadas das Comunicações Sociais da Igreja Católica, dedicadas ao tema da evangelização em ambiente digital. Spadaro, responsável directo pela recente entrevista do Papa Francisco às revistas jesuítas – entre as quais a portuguesa Brotéria – sublinhou por diversas vezes a ideia de que a internet e as redes sociais são um ambiente e não um instrumento. O que muda tudo, na forma como se olha e se actua. Há distinções a abolir: o online e o offline, o real e o virtual... O ambiente digital é um ambiente ordinário de experiência de vida, não um ambiente de casulo ou paralelo, dizia, recordando a mensagem do Papa Bento XVI para o Dia Mundial das Comunicações Sociais deste ano.
“Evangelizar em rede não é criar um perfil facebook e colocar um anjinho”, ironizou Spadaro, recordando as palavras do Papa Francisco, nessa mesma manhã, em Assis, apelando a que ninguém seja “cristão de pastelaria”.
Spadaro, de quem as Paulinas acabaram de editar Ciberteologia - Pensar o Cristianismo na Era da Internetdefende que, se a internet altera o nosso modo de ver a realidade, então ela terá também influência sobre o modo de pensar a fé – já que a teologia é precisamente um modo de pensar a fé. Por isso, a tecnologia não é apenas um conjunto de instrumentos, mas uma parte do viver, acrescentou.
O também autor do blogue CyberTeologia recordou ainda um discurso de Paulo VI aos jesuítas, em 1964 quando o Papa Montini disse que “o cérebro mecânico vem em ajuda do cérebro espiritual”.  Por isso, acrescentou, “o campo para compreender a fundo a tecnologia é a teologia espiritual” e “ a experiência religiosa exprime-se também no ambiente digital”.
A proposta de Spadaro como que torna ultrapassada a ideia do decreto Inter Mirifica, do Concílio Vaticano II sobre a comunicação social, que considerava estes meios como instrumentos. Mesmo o nosso modo de fazer a pesquisa mudou, disse: “Na Idade Média, o homem orientava-se para o norte, que era Deus; na II Guerra Mundial, passou a ser um radar, à procura de um sinal [Karl Rahner falava do homem que procura Deus, que procura um sentido]; hoje, o homem não está à procura, mas está à espera de um sinal que o ligue ao mundo; o homem actual tem é de permanecer ligado; é um descodificador; já não é a busca que caracteriza o homem.”
Spadaro acrescentou ainda: “No mundo digital há respostas para tudo. O evangelho não é o lugar das respostas, mas o lugar de todas as perguntas do homem.” Defendendo que, perante a imensidão da informação disponível online o grande desafio é o do discernimento, admitiu que o risco é o de perder a experiência da alteridade, pois a internet reduz o leque das escolhas pessoais – amigos, livros, filmes...
“A comunicação, hoje, é partilhar: se não temos relação com ninguém, não comunicamos nada.” Por isso é necessário “ultrapassar a lógica do púlpito.”
Sobre a entrevista feita ao Papa, Antonio Spadaro afirmou que ela foi, antes de mais, “uma verdadeira experiência espiritual: eu tinha consciência de estar a falar com o Papa, mas nunca com distância”. O conteúdo da conversa coloca “questões sérias” a alguns tiques jornalistas, acrescentou: o Papa Francisco não é “nem conservador nem progressista”, pois conhecemos mal, na Europa, “as categorias latino-americanas, de cuja realidade ele provém”.
Numa das frases da entrevista, o Papa afirma: “O jesuíta é o homem do pensamento incompleto, está à procura da vontade de Deus em cada situação concreta.” Spadaro toma esta afirmação para dizer que, provavelmente, o Papa não tem tudo decidido na sua cabeça e que é capaz de ser flexível e mudar de ideias – já o provou aceitando dar entrevistas, coisa que antes, enquanto bispo e cardeal, ele não gostava de fazer.
E sobre o Concílio Vaticano II, Spadaro entende que o que interessa ao Papa “é não ficar fiel ao Concílio mas perceber a dinâmica de releitura do evangelho à luz da cultura contemporânea” que o Vaticano II implica: “O importante, para ele, não é a letra das coisas, mas a dinâmica espiritual.”
Na véspera, nos dois painéis das jornadas, vários intervenientes acabaram por tocar em questões próximas a alguns destes aspectos: o padre Américo Aguiar, da diocese do Porto, referiu a dificuldade presente da identificação física com um território. Fernando Ilharco, professor da Universidade Católica, recordou que os media sociais estendem “a visão, o tacto, mas também as emoções, as sensações...” e que o táctil é uma dimensão importante, pois é o que nos liga ao sentido do real.
Luís A. Santos, da Universidade do Minho, citou a reinvenção de géneros e de formatos no jornalismo contemporâneo, “à procura de novos sentidos” e chamou a atenção para três mudanças irreversíveis no jornalismo: o aumento da quantidade de informação disponível, ou o fim da escassez; a alteração instantânea da informação; e a descentralização, já que a produção e o consumo se desligam da publicidade e de outras fontes de rendimento.
Manuel Pinto, um dos autores deste blogue e também professor na Universidade do Minho, disse que há novas vozes a emergir e avisou contra o risco de a se gerarem situações em que há uma informação para ricos e uma outra para pobres.

1 comentário:

Anónimo disse...

Gostei muito.
Obrigada.
Leonor Matos Silva