(vídeo - Luís A. Santos)
O
director da revista jesuíta La Civiltà Cattolica,
padre Antonio Spadaro, começa por contar uma história de um aluno nigeriano:
ele ama o seu computador “porque lá dentro estão todos os [seus] amigos”.
Foi
sexta-feira passada, em Fátima, nas Jornadas das Comunicações Sociais da Igreja
Católica, dedicadas ao tema da evangelização em ambiente digital. Spadaro,
responsável directo pela recente entrevista do Papa Francisco às revistas
jesuítas – entre as quais a portuguesa Brotéria – sublinhou por diversas vezes
a ideia de que a internet e as redes sociais são um ambiente e não um instrumento.
O que muda tudo, na forma como se olha e se actua. Há distinções a abolir: o
online e o offline, o real e o virtual... O ambiente digital é um ambiente
ordinário de experiência de vida, não um ambiente de casulo ou paralelo, dizia,
recordando a mensagem do Papa Bento XVI para o Dia Mundial das Comunicações Sociais deste ano.
“Evangelizar
em rede não é criar um perfil facebook e colocar um anjinho”, ironizou Spadaro,
recordando as palavras do Papa Francisco, nessa mesma manhã, em Assis, apelando
a que ninguém seja “cristão de pastelaria”.
Spadaro,
de quem as Paulinas acabaram de editar Ciberteologia - Pensar o Cristianismo na Era da Internet, defende
que, se a internet altera o nosso modo de ver a realidade, então ela terá
também influência sobre o modo de pensar a fé – já que a teologia é
precisamente um modo de pensar a fé. Por isso, a tecnologia não é apenas um
conjunto de instrumentos, mas uma parte do viver, acrescentou.
O
também autor do blogue CyberTeologia recordou
ainda um discurso de Paulo VI aos jesuítas, em 1964 quando o Papa Montini disse
que “o cérebro mecânico vem em ajuda do cérebro espiritual”. Por isso, acrescentou, “o campo para compreender
a fundo a tecnologia é a teologia espiritual” e “ a experiência religiosa
exprime-se também no ambiente digital”.
A
proposta de Spadaro como que torna ultrapassada a ideia do decreto Inter Mirifica, do Concílio Vaticano II
sobre a comunicação social, que considerava estes meios como instrumentos.
Mesmo o nosso modo de fazer a pesquisa mudou, disse: “Na Idade Média, o homem
orientava-se para o norte, que era Deus; na II Guerra Mundial, passou a ser um
radar, à procura de um sinal [Karl Rahner falava do homem que procura Deus, que
procura um sentido]; hoje, o homem não está à procura, mas está à espera de um
sinal que o ligue ao mundo; o homem actual tem é de permanecer ligado; é um
descodificador; já não é a busca que caracteriza o homem.”
Spadaro
acrescentou ainda: “No mundo digital há respostas para tudo. O evangelho não é
o lugar das respostas, mas o lugar de todas as perguntas do homem.” Defendendo
que, perante a imensidão da informação disponível online o grande desafio é o
do discernimento, admitiu que o risco é o de perder a experiência da
alteridade, pois a internet reduz o leque das escolhas pessoais – amigos,
livros, filmes...
“A
comunicação, hoje, é partilhar: se não temos relação com ninguém, não
comunicamos nada.” Por isso é necessário “ultrapassar a lógica do púlpito.”
Sobre
a entrevista feita ao Papa, Antonio Spadaro afirmou que ela foi, antes de mais,
“uma verdadeira experiência espiritual: eu tinha consciência de estar a falar
com o Papa, mas nunca com distância”. O conteúdo da conversa coloca “questões
sérias” a alguns tiques jornalistas, acrescentou: o Papa Francisco não é “nem
conservador nem progressista”, pois conhecemos mal, na Europa, “as categorias latino-americanas,
de cuja realidade ele provém”.
Numa
das frases da entrevista, o Papa afirma: “O jesuíta é o homem do pensamento
incompleto, está à procura da vontade de Deus em cada situação concreta.”
Spadaro toma esta afirmação para dizer que, provavelmente, o Papa não tem tudo
decidido na sua cabeça e que é capaz de ser flexível e mudar de ideias – já o
provou aceitando dar entrevistas, coisa que antes, enquanto bispo e cardeal,
ele não gostava de fazer.
E
sobre o Concílio Vaticano II, Spadaro entende que o que interessa ao Papa “é
não ficar fiel ao Concílio mas perceber a dinâmica de releitura do evangelho à
luz da cultura contemporânea” que o Vaticano II implica: “O importante, para
ele, não é a letra das coisas, mas a dinâmica espiritual.”
Na
véspera, nos dois painéis das jornadas, vários intervenientes acabaram por
tocar em questões próximas a alguns destes aspectos: o padre Américo Aguiar, da
diocese do Porto, referiu a dificuldade presente da identificação física com um
território. Fernando Ilharco, professor da Universidade Católica, recordou que os
media sociais estendem “a visão, o tacto, mas também as emoções, as
sensações...” e que o táctil é uma dimensão importante, pois é o que nos liga
ao sentido do real.
Luís
A. Santos, da Universidade do Minho, citou a reinvenção de géneros e de formatos
no jornalismo contemporâneo, “à procura de novos sentidos” e chamou a atenção
para três mudanças irreversíveis no jornalismo: o aumento da quantidade de
informação disponível, ou o fim da escassez; a alteração instantânea da
informação; e a descentralização, já que a produção e o consumo se desligam da
publicidade e de outras fontes de rendimento.
Manuel
Pinto, um dos autores deste blogue e também professor na Universidade do Minho,
disse que há novas vozes a emergir e avisou contra o risco de a se gerarem situações
em que há uma informação para ricos e uma outra para pobres.
1 comentário:
Gostei muito.
Obrigada.
Leonor Matos Silva
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